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“Poderemos chegar a mais de 160 mil mortos por Covid em dezembro”, diz estatístico Gauss Cordeiro

Maria Carolina Santos / 08/06/2020

Foto: Foto SMSUrb /PMPA

O Brasil está vivendo um apagão de informações oficiais sobre o coronavírus. Além da absurda falta de testes – o país é o terceiro que menos testa entre os 20 mais atingidos – agora enfrentamos também a retirada de dados gerais sobre o coronavírus do site do Ministério da Saúde, a mando do presidente Jair Bolsonaro. Para que os números pareçam menores, a metodologia da divulgação também mudou: ao contrário da maioria dos países, o Brasil vai divulgar apenas as mortes ocorridas e confirmadas no dia, e não mais o total de mortes confirmadas nas últimas 24 horas.

Neste bombardeio de informações questionáveis sobre a Covid-19, vários estados começam processos de reabertura. Por pressão de empresários, o cronograma do Governo de Pernambuco divulgado na segunda-feira foi alterado já na sexta, para agiliza o processo. Nesta segunda-feira (08) já voltam as lojas atacadistas, inclusive as do centro do Recife, e se inicia a retirada de produtos nos estacionamento dos shoppings.

Neste domingo (7), o governo de Pernambuco emitiu nota dizendo que está zerada a fila de UTI para Covid-19 no estado, que já chegou a ter mais de 300 pacientes em espera. Pernambuco totaliza hoje 40.242 casos confirmados de Covid-19 e 3.305 mortes.

Apesar de estudos que mostraram uma estabilização nos números durante o lockdown, as projeções para o Brasil não são boas. O Instituto de Métrica da Universidade de Washington prevê mais de 5 mil mortes diárias (5.248 no dia 4 de agosto) pelo coronavírus no mês de agosto, podendo o Brasil ter entre 113.673 e 253.131 mortes até aquele mês. O estudo afirma que não há ainda como apontar o pico no Brasil.

Já o Instituto para Redução de Riscos e Desastres em Pernambuco (IRRD) lançou neste domingo uma ferramenta que calcula como está o risco pelo coronavírus no Brasil e nos estados. A área verde significa que dá para operar com tranquilidade. A amarela, tendência ao estrangulamento do sistema de saúde e, vermelha, de tendência ao colapso. O gráfico do Brasil é vermelho, o de Pernambuco caminhando para o amarelo. Os estados do Sul é que apresentam os cenários menos preocupantes.

Para falar sobre para quais dados é preciso se estar atento nesse mar de desinformação e sobre a confiança das projeções, entrevistamos, por e-mail, o estatístico e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Gauss Moutinho Cordeiro, que fez doutorado no Imperial College, um dos principais centros de projeções sobre o coronavírus no mundo.

Entrevista// Gaus Moutinho Cordeiro

Professor Gaus Cordeiro. Foto: Ascom UFPE

Em um cenário ainda de descontrole da pandemia de coronavírus e com estados planejando reaberturas, ou já reabrindo, sem que haja ainda um número decrescente de novos casos, é possível fazer alguma previsão do fim da pandemia no Brasil? E de número de óbitos?
As curvas de casos confirmados ainda não têm relevância estatística no Brasil por conta da quantidade infinitesimal de testes para a Covid-19. Menos de 1 teste para cem pessoas e existem ainda os falsos negativos e positivos. Precisamos de dados confiáveis para fazer qualquer previsão precisa. E a única série que dispomos com poucos erros é a série diária do número de mortos.

Na 1ª parte da curva, os óbitos diários tendem a crescer e na 2ª parte tendem a decrescer. Estamos longe ainda desse ponto. Com efeito, a média de mortos na última semana é mais de 4 vezes maior a média dos últimos 100 dias.

O Brasil é um país continental com comportamento muito heterogêneo entre os estados. No Sul e em Minas a pandemia está ainda bem controlada. Entretanto, existem 5 estados críticos com taxas de mortalidade por milhão de habitantes muito altas (taxas entre parêntesis): Amazonas (507), Ceará (377), Pará (353), Rio de Janeiro (329) e Pernambuco (307). Os países mais importantes da Europa Ocidental tiveram essas taxas no intervalo (410,830) exceto a Alemanha que com muita competência reduziu sua taxa a 1/4 do limite inferior desse intervalo. A França está pouco acima deste limite inferior, as taxas do Reino Unido, Itália e Espanha estão próximas do ponto médio e a Bélgica representa o limite superior.

Eu estimo, com grande plausibilidade, que até o final de agosto o Amazonas terá uma taxa pelo menos 2 vezes maior do que o limite superior de 830 e os 4 outros estados terão taxas maiores que 830. O Estado de São Paulo (174) ainda não é um estado crítico, pois sua taxa é apenas 12% superior à média brasileira. Para termos uma ideia, se somarmos as taxas desses 6 estados citados, obtemos uma taxa total que é duas vezes maior do que a taxa de mortalidade de todos os tipos de câncer no Brasil em 2019. Já existem 6 cidades no Norte e Nordeste que superam o limite superior, inclusive uma capital: Fortaleza. No final de dezembro a taxa global do Brasil estará neste intervalo.

Sem lockdown e com um índice médio de isolamento caindo (era 44,2% em 01/06 e está 42% em 04/06), o que podemos esperar para as próximas semanas em Pernambuco?
O índice de isolamento medido pela telefonia celular é muito falho. Torna-se muito difícil nesta pandemia fazer boas previsões num horizonte superior a duas semanas porque as hipóteses de construção do modelo são geralmente violadas. Alguns modelos estatísticos de médias móveis preveem para Pernambuco números de óbitos de 5.700 e 8.100 em 30 de junho e 31 de julho, respectivamente. Como ocorreu um lockdown por 15 dias em parte do Grande Recife, acredito que os valores reais devem superar essas previsões. O que devemos evitar são as aglomerações de pessoas nos finais de semana para não termos mais infectados.

Gostaria de enfatizar que o carnaval prolongado por 2 semanas em Recife aumentou as condições iniciais do processo de contágio, pois muitos europeus chegaram para ficar até um mês fugindo do frio e trouxeram o vírus. Qualquer professor de processos estocásticos (eu ensino essa disciplina há 46 anos) sabe disso, exceto se ele tiver algum viés político. A maioria dos infectados iniciais do país chegou pelos aeroportos de Recife, Fortaleza, Rio e São Paulo.

Desde que a pandemia do coronavírus chegou ao Brasil, as estimativas de quando seria o pico mudaram diversas vezes. Por que é tão difícil fazer essas projeções?
Alguns modelos de previsão de longo prazo elaborados há 2 meses apresentaram erros apreciáveis porque existe uma grande volatilidade temporal além de uma imensa variabilidade espacial de contágio do vírus. Modelos mais recentes preveem um pico no país com maior precisão entre 15 de julho e 20 de agosto.

Há uma notória falta de testes no Brasil e, consequentemente, subnotificação de casos e de óbitos. Quais as formas mais confiáveis para se analisar os números da Covid-19 no Brasil? Em quais dados devemos prestar mais atenção (taxas de isolamento social, número de mortos, de novos casos, taxa de propagação)?
A série mais confiável é aquela do número de óbitos, principalmente quando se trabalha com modelos de médias móveis, pois os erros inerentes aos tempos de atraso entre a morte do infectado e o registro dela são reduzidos pelas médias. A taxa de contágio é complicada de estimar. O que podemos inferir é que o número de infectados nos estados críticos em relação à população esteja entre 9% e 20% e, portanto, nesses estados ainda tem muita gente para ser infectada e ficar imune.

O primeiro estudo do Imperial College sobre a pandemia no Brasil projetava em 44 mil mortes, se o país conseguisse um isolamento de 75%. No pior cenário, mais de um milhão de óbitos. Estamos chegando talvez hoje a 35 mil mortes. O senhor vê o Brasil mais próximo de que cenário?
Conclui meu doutorado em Estatística no Imperial College em 1980 e conheço alguns desses pesquisadores que fizeram esses estudos para vários países, inclusive o Brasil. Essa equipe é responsável por toda a parte quantitativa do National Health Service ( o sistema de saúde pública do Reino Unido) e seguramente é uma das melhores do planeta. Em alguns relatórios técnicos ocorreram alguns erros de programação na linguagem R dos modelos que eles desenvolveram e como corolário surgiram esses disparates. Acredito que poderemos chegar a mais de 160 mil mortos em 31 de dezembro e a Covid-19 se tornando uma das grandes tragédias de saúde pública do Brasil. Os intervalos de confiança para esses óbitos são muito amplos e não informativos. Certamente, teremos que usar máscaras por todo o ano de 2021 e utilizar as medidas de higienização e algum distanciamento.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org