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Crédito: Arquivo pessoal
Se você precisou sair nos últimos dias e utilizou a 99 App nas redondezas do Recife e da Região Metropolitana, talvez tenha feito o trajeto com o músico Diego Andrade ao volante. Trabalhando como motorista de aplicativo há quase uma semana, ele percebeu logo no início da pandemia, que os primeiros serviços de bares e restaurantes a serem impactados pelo agravamento da crise econômica são justamente aqueles considerados “dispensáveis”. Ninguém pede música ao vivo por delivery.
Diego está sem a sua renda há quatro meses. Nos 15 dias em que foi acompanhado pela reportagem da Marco Zero, ele passou de músico sem trabalho para entregador. Desistiu e, logo depois, virou motorista de aplicativo. Antes, solicitou o auxílio emergencial do Governo Federal ainda no começo da pandemia, mas só recebeu a primeira parcela em junho, depois de um longo período com seu cadastro em análise.
Nesse meio tempo, contou com a ajuda da família, com quem mora, enquanto buscava outras formas de continuar tendo na música a principal fonte de renda. Fez parcerias com estabelecimentos que já contavam com o seu serviço, buscou trabalhar por meio das transmissões ao vivo nas redes sociais, mas obteve um retorno aquém do esperado para pagar as despesas.
Ele tem 28 anos, é formado em Redes de Computadores pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e chegou a cursar Sistema da Informação em uma faculdade privada, por meio do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). Questionado sobre o porquê de não atuar na área, Diego afirma que também não é fácil encontrar oportunidades mesmo tendo formação.
“Eu comecei como entregador de aplicativo porque é uma oportunidade acessível para qualquer pessoa. Apesar de você não ter nenhum vínculo com a empresa que você trabalha, como dizem os termos de uso da empresa.”
A relação de Diego com a música começou aos seus 12 anos. É guitarrista, canta, compõe e já participou de um projeto coletivo autoral, mas o dinheiro a partir da profissão só chegou há dois anos quando formou uma dupla com outro músico e passou a fazer apresentações em bares e restaurantes da zona Norte do Recife.
Antes da pandemia, eles tiravam uma média de R$ 600 por semana com as apresentações que também aconteciam em festas particulares. Na fase de relaxamento da quarentena, Diego se cadastrou no aplicativo Rappi antes do São João e comprou a bolsa de entregas no mesmo dia, mas não pôde começar porque foi posto na lista de espera.
Segundo a própria Rappi, a quantidade de entregadores conectados estava grande em relação à demanda de pedidos. Uma situação recorrente para os trabalhadores que recorrem a essa atividade. Basta pesquisar “entregadores em lista de espera” no Google e o primeiro site que aparece na busca é o do Reclame Aqui com comentários dos trabalhadores e retornos das empresas.
No primeiro final de semana após fazer seu cadastro, justamente às vésperas da primeira paralisação nacional dos entregadores de aplicativo do Brasil, realizada no dia 1º de julho, Diego teve seu cadastro liberado para rodar de bicicleta fazendo entregas. Optou por começar depois da greve para apoiar a categoria.
“A gente já começa endividado, a bag da Rappi custa R$ 80 divididos em duas vezes”, explica. Em seu primeiro dia, trabalhou no período da tarde e esperou três horas para receber um pedido pelo o qual recebeu R$ 4,10. Valor que não iria para as suas mãos, já que estava devendo a compra da bolsa.
Circulou pelas redondezas dos bairros de Casa Forte e Derby até voltar para casa no bairro da Macaxeira com o saldo de apenas um pedido. “Tem seus riscos, a grana é pouca, mas é um trabalho dinâmico pra quem gosta de movimento”, assim Diego classificou o dia de trabalho com ar de riso. Tinha garantido, ao menos, a prática de exercício físico.
Nos dias de chuva após essa primeira experiência, Diego chegou à conclusão de que não conseguiria garantir a renda pelo aplicativo e decidiu mudar a plataforma. Está na lista de espera para trabalhar na Uber e tem feito corridas pela 99 desde a última quarta-feira (8) com um carro que alugou ao preço de R$ 380 por semana. Ainda não sabe quando vai voltar à rotina de tocar sua guitarra, mas pondera que há de ser em um contexto seguro para ele e para todos.
Nem só de shows vivem os profissionais da música. Para aqueles que se dedicam a dar aulas os impactos da pandemia também foram significativos. É o caso do músico, Eurico Alves, de 50 anos. Formado em Música pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), passou um tempo como “músico da noite” em Brasília e chegou a acompanhar um grupo sertanejo em Goiás.
Já transitou em várias cenas da música local e atua como freelancer, além de compor uma banda de heavy metal chamada Hostinalia, mas sua principal fonte de renda é dar aulas. Decidiu que ganharia a vida na área quando tinha 20 anos e se formou na graduação aos 36. É professor de guitarra em aulas particulares e também no Conservatório Pernambucano de Música, onde leciona desde 2018.
As mudanças impostas pela pandemia do novo coronavírus chegaram na vida de Eurico em um momento nada propício. Ele estava justamente tirando projetos do papel e foi interrompido. “Alguns projetos que eu tinha parado, consegui retomar antes da pandemia. São as coisas que você gosta de tocar e não consegue fazer como músico profissional, mas chega um momento em que você diz: poxa, eu quero fazer isso também. Então esses projetos começaram a ficar viáveis, mas agora parou tudo.”
Os projetos não foram os únicos interrompidos. As aulas ficaram quase paralisadas. De 20 alunos particulares, apenas cinco mantiveram a rotina com Eurico. Como a maioria dos são alunos jovens e adolescentes, o músico atribui a redução à dificuldade dos pais em conciliar as aulas com o dia a dia da escola na vida dos filhos.
Antes da pandemia, sua renda mensal chegava a R$ 3 mil. Agora, varia entre R$ 2 mil e R$ 2.100 mil. Questionado se chegou a cogitar trabalhar com outra profissão, ele afirma que não. “O músico apesar de não ganhar bem tem sempre aquela coisa de se reinventar e fazer algo que a gente não estava fazendo.” Eurico vê nas videoaulas e lives boas oportunidades para não sucumbir à crise vivendo de música.
Já no caso da professora de canto, Lila Farias, a pandemia tirou de cara o seu principal trabalho com a paralisação de um coral do qual é regente. Juntando com a pausa do hotelzinho onde ela leciona musicalização, a baixa na sua renda mensal foi correspondente a 60%. “Na escola, nem chegamos a iniciar as aulas desse ano por causa da Covid-19”.
Ela é formada maestrina pelo Conservatório Pernambucano de Música e atua na área desde 2014, após 10 anos trabalhando como técnica de enfermagem. Não teve evasão nas suas aulas particulares porque, segundo ela, o canto é mais fácil de adaptar para o formato virtual. O mesmo não aconteceu com o hotelzinho, que perdeu mais da metade das crianças que estavam matriculadas para o ano letivo.
A questão toda é a “aglomeração”, como aponta Lila. As atividades que eram feitas coletivamente, como o coral, foram as mais afetadas e sem previsão de volta. Para lidar com a baixa na renda nesses quatro meses, a professora tem contado com o auxílio emergencial e equilibrado as contas com a renda do marido, que trabalha para aplicativos.
“É bem difícil, porque nós que trabalhamos com música, somos quase 100% por cento autônomo. Poucos trabalham com carteira assinada e isso faz a gente ir se virando como dá”.
A professora deixou a enfermagem por ter a “música no sangue” e não se vê atuando em outra profissão. Tem planos de abrir um negócio de vendas na área de saúde junto ao companheiro, mas deixa claro que isso é algo para o futuro. Para ela, o único ponto positivo dessa pandemia foi ter se reunido com antigos amigos de escola para gravar um vídeo de canto. Fora isso, as expectativas continuam incertas para o pós pandemia.
Jornalista atenta e forte. Repórter que gosta muito de gente e de ouvir histórias. Formou-se pela Unicap em 2016, estagiou nas editorias de política do jornal impresso Folha de Pernambuco e no portal Pernambuco.com do Diario. Atua como freelancer e faz parte da reportagem da Marco Zero há quase dois anos. Contato: helenadiaas@gmail.com