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Aos inimigos, a lei (de trânsito): CTTU quer tirar o Som da Rural das ruas

Inácio França / 19/09/2016

Em Recife quem decide o que é uma apresentação cultural são os guardas de trânsito. É bem verdade que, por dois anos e sete meses, não foi assim. Em fevereiro de 2014, quando o produtor cultural Roger de Renor foi proibido pela CTTU de apresentar o Som na Rural sob a escultura do caranguejo da rua da Aurora, ficou decidido que a liberação de cada evento aconteceria após análise conjunta das secretarias de Turismo, Mobilidade Urbana e Fundação de Cultura. Agora, isso faz parte do passado.

Bastou começar a campanha eleitoral para que a CTTU voltasse a decidir sozinha que a Rural de Roger – que põe o veículo em defesa de causas pouco simpáticas à coalizão encabeçada pelo PSB, a exemplo do Fora Temer e contra o impeachment – não é um equipamento cultural, mas sim um veículo qualquer e não pode estacionar no “passeio público”, nome que a burocracia municipal dá ao calçadão da Aurora ou ao trecho de rua fechado entre o Paço Alfândega e a igreja da Madre de Deus.

Para a CTTU, o Som da Rural é apenas um veículo como outro qualquer e não um equipamento cultural. Foto: Divulgação Som da Rural

Para a CTTU, o Som da Rural é apenas um veículo como outro qualquer e não um equipamento cultural. Foto: Divulgação Som da Rural

Eis o argumento do diretor de controle de Trânsito, Agostinho Maia: sobre a Rural incide o IPVA, portanto, é só um veículo automotor mesmo. Sem mais.

A Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife foi procurada, mas não respondeu ao e-mail enviado e, por uma semana, ignorou os telefonemas dados para lembrar que precisávamos da posição da instituição. Em razão disso, não há a versão da “outra parte”, no caso a responsável pela proibição. Fiquemos com relato unilateral de Roger de Renor.

Segundo ele, a mudança de atitude da prefeitura foi percebida no sábado, 27 de agosto, quando uma guarnição de agentes de trânsito da CTTU tentou apreender a Rural durante uma apresentação para três mil pessoas no já mencionado espaço entre o Paço Alfândega e a igreja da Madre de Deus. O motivo foi mesmo apresentado em 2014: o carro estava “estacionado” onde não devia, não importando se havia aparelhagem de som, discotecagem, uma banda tocando, luzes e cores. O guarda também era o mesmo.

Roger diz ter apresentado todas as autorizações concedidas por todos os órgãos públicos, incluindo PM, Fundação de Cultura, Dircon, Secretaria municipal de Meio Ambiente e a própria secretaria de Mobilidade, a qual a CTTU está subordinada.

“Não adiantou nada. O guarda disse que aquilo não valia nada, que a Rural tem placa, paga IPVA e seria guinchada. Depois, recuou. Teve medo da reação do público. A galera já estava impaciente”.

Por coincidência, o Som na Rural acontecia ao mesmo tempo em que, na igreja vizinha, casavam-se Andrea de Paula e Marcus Travassos. A moça vem ser filha do deputado federal André de Paula. A cerimônia foi bastante prestigiada, até o governador Paulo Câmara estava lá enquanto os Djs Sangue no Olho e Branquinho Borba, e os músicos Van Furacão e MC Lurdinha faziam a festa bem ao lado.

O fatídico dia em que o guarda da CTTU tentou guinchar o Som da Rural. Coincidência ou não, o governador Paulo Câmara (PSB) participava da solenidade de casamento da filha do deputado André de Paula (PSD) na Igreja Madre de Deus ali ao lado Foto: Divulgação Som da Rural

O fatídico dia em que o guarda da CTTU tentou guinchar o Som da Rural. Coincidência ou não, o governador Paulo Câmara (PSB) participava da solenidade de casamento da filha do deputado André de Paula (PSD) na Igreja Madre de Deus ali ao lado Foto: Divulgação Som da Rural

No dia seguinte, recomeçou a peregrinação de Roger pelos órgãos públicos. Em todos, recebeu a orientação de procurar a CTTU. Lá, o diretor de Trânsito Agostinho Maia disse que o problema era com ele mesmo, pois ninguém tinha competência para autorizar um evento com um veículo. Se fosse um trio elétrico, tudo bem. E ainda orientou Roger a procurar o Detran para dar à Rural o status de trio, coisa que o produtor achou “um pouco demais”.

Segue abaixo, a transcrição do email enviado para a CTTU às 11h10min do dia 9 de setembro e reenviado, a pedido da jornalista Marcela Pinilla, às 13h33min do dia 12 de setembro:

Conforme contato por telefone, estou fazendo matéria para o site Marco Zero Conteúdo (http://marcozero.org/) sobre a proibição, por parte da CTTU, do Som da Rural acontecer em praças públicas.

Para isso, gostaríamos de conversar com o senhor Agostinho Maia, Diretor Geral de Controle do Trânsito. Ontem, ele manteve diálogo com o produtor cultural Roger de Renor e confirmou a proibição.

Para o senhor Agostinho, gostaríamos de fazer algumas perguntas, que solicitamos que sejam repassadas para ele caso exista algum impedimento para um diálogo direto:

1) A decisão de proibir o Som na Rural em praças públicas partiu unilateralmente da CTTU ou foi uma decisão colegiada, envolvendo outros setores da prefeitura?

2) Em qual legislação a CTTU se baseia para impor essa proibição?

3) É papel da CTTU definir quando um veiculo automotor exerce a função de equipamento cultural? A CTTU tem alguma definição para equipamento cultural?

4) Porque, durante dois anos, o Som na Rural aconteceu regularmente em espaços públicos como a praça da Independência e a calçada do Forte das Cinco Pontas?

5) Por fim, a proibição exatamente nesse momento tem alguma motivação eleitoral, já que o produtor cultural Roger de Renor manifesta seu voto e seu apoio a candidatos de oposição a Geraldo Júlio?

Roger Renor agita a vida cultural do Recife há 30 anos, lançando novas bandas, ocupando com arte as ruas da cidade e estimulando o debate sobre políticas públicas

Roger Renor agita a vida cultural do Recife há 30 anos, lançando novas bandas, ocupando com arte as ruas da cidade e estimulando o debate sobre políticas públicas. Foto: Divulgação Som da Rural

Quem é e o que faz Roger de Renor?

É um agitador e produtor cultural que, há quase 30 anos, quebra paradigmas e a rotina da vida cultural pernambucana lançando novas bandas e promovendo o debate sobre políticas culturais.

Quais seus trabalhos mais importantes?

No início dos anos 90, mantinha um bar chamado Soparia, espaço cativo das bandas do movimento manguebeat. Depois, levou o ambiente do bar para um programa de televisão ao vivo, o Sopa Diário, lançando novas bandas e promovendo debates com personagens sem espaço na mídia tradicional.

O que é o Som na Rural?

A iniciativa começou com um programa na TV pública financiado por leis de incentivo à cultura. Junto à velha perua da Ford, devidamente decorada e equipada, artistas se apresentavam e conversavam com o público que se formava em torno do carro. Hoje, o projeto é autônomo, prescinde da televisão. A ideia é ocupar espaços públicos com shows, preenchendo vazios urbanos e espalhando ideia de que povo na rua é que garante segurança.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.