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Crédito: Divulgação
Única mãe entre as candidatas à prefeitura do Recife, Marília Arraes começou cedo na política, impulsionada pelo histórico familiar. Vereadora do Recife por três vezes e atualmente a única mulher deputada federal por Pernambuco, a carreira política de Marília teve um ponto de inflexão em 2016 quando deixou o Partido Socialista Brasileiro (PSB) oficializando uma ruidosa ruptura que havia começado anos antes.
Pesquisas internas e de opinião mostravam que Marília era uma candidata forte para o governo do estado – mas foi preterida pelo PT na última disputa por uma aliança com o PSB. Ganhou para deputada federal, com 193 mil votos, atrás somente do primo João Campos (PSB), que aparece em primeiro lugar na disputa para a prefeitura do Recife nas pesquisas de intenção de voto.
Desta vez, Marília não decolou rápido nas pesquisas. Hoje em segundo lugar, chegou a ficar em diferentes momentos em empate técnico com Mendonça Filho (DEM) e com Patrícia Domingos (Podemos). Quando essa entrevista foi feita, na semana passada, ela estava empatada com os dois.
Enquanto a direita parece mais preocupada em atacar João Campos e Patrícia Domingos, que recebeu o apoio de Bolsonaro, Marília tem a menor rejeição entre os candidatos mais bem avaliados – 23%, de acordo com pesquisa do Ibope que saiu nesta segunda-feira (09).
As críticas mais ferrenhas à Marília têm vindo da própria esquerda. Há quem diga que ela é petista, pero no mucho. Que escondeu Lula na sua campanha o quanto pôde. Houve polêmica ao gravar um vídeo com uma feminista radical, a socióloga Jessica Miranda. As feministas radicais – ou radfem – não aceitam as mulheres trans. E uma semana antes Marília havia se comprometido com uma agenda em prol das pessoas transexuais. Outro fogo amigo foi uma polêmica em torno do apoio à retirada do Recife do Complexo Prisional do Curado, o antigo Aníbal Bruno.
Marília não volta atrás e defende suas escolhas, tanto de como vem conduzindo sua campanha, quanto de suas propostas. Na entrevista a seguir, feita por telefone na manhã da quinta-feira passada, Marília ainda estava empatada com os outros dois candidatos, mas confiante. Dada a oportunidade, não quis bater em Patrícia Domingos, que até ali era sua maior ameaça na ida para o segundo turno. Horas depois, sairia a pesquisa que a colocaria onde está agora, a mais cotada para concorrer com o primo.
Em um cenário ainda de pandemia, com um orçamento provavelmente muito mais enxuto para a próxima gestão, quais serão as suas prioridades nas políticas públicas voltadas para as mulheres?
Quando a gente fala em investir em atenção básica à saúde está falando automaticamente em promover a saúde da mulher. Esse desmonte da saúde básica afeta diretamente a mulher, que não consegue ter acesso aos exames, que não consegue ter acesso ás consultas e a determinadas políticas. A gente anda pela cidade e vê que as mulheres para fazerem uma laqueadura precisam ficar pedindo favor a um, a outro, a político. E a gente quer acabar com esse tipo de realidade. Não faz sentido em pleno ano de 2020.
A questão das creches é uma política para crianças. Mas quando a gente fala em política para criança, automaticamente a gente está inserindo também as mães. Um cidade que é mais gentil com crianças, é mais gentil com as mães. Nós temos o programa Florescer, que vai colocar as crianças em creches, adequando imóveis nas próprias comunidades para que as crianças tenham esse acompanhamento pedagógico, tenham esse local seguro e adequado para seu desenvolvimento para ficar enquanto as mães possam ir trabalhar.
Mas ao mesmo tempo a gente quer inserir essas mães em programas de assistência social, encaminhar para projetos de assistência social, de capacitação profissional e encaminhamento ao mercado de trabalho e também, se for o caso, de concessão de crédito e do próprio auxílio que estamos propondo com o projeto Retomada. E também ter uma rede de apoio ao combate da violência doméstica, que essas mulheres eventualmente sofram. Requalificar os centros de acolhimento também é importante e a capacitação de profissionais. E algo que considero importante é a presença de mulheres em espaços de decisão. As políticas públicas são diretamente afetadas por isso. Pernambuco é um estado que tem poucas mulheres nesses espaços. Eu sou a única deputada federal e somente quatro mulheres se elegeram deputadas federais na história de Pernambuco. Houve pouquíssimas vereadoras. Quando fui eleita vereadora pela primeira vez, sequer banheiro para as vereadoras tinha, de tão poucas mulheres que já tinham passado por lá.
Você já sofreu algum tipo de violência de gênero nesta campanha?
Em todas as campanhas, inclusive nesta. A gente sempre sofre no dia, mesmo que às vezes a gente não se dê conta. A partir do momento que a gente se dá conta do que é a violência de gênero, a gente passa a se revoltar contra ela e lutar ainda mais. Todas as mulheres passam por isso, desde assédio até algum tipo de discriminação. Eu sou mãe (da pequena Maria Isabel, de 05 anos), sou a única candidata mãe, e com certeza a dinâmica da campanha se dá de forma diferente para quem é a mãe, para quem tem outras responsabilidades que, na verdade, não são naturais da mulher, mas são impostas pela classe social à qual pertencem. Há pesquisas que mostram que mulheres de classe social mais alta gastam mais tempo fazendo trabalho doméstico do que homens de classe social mais baixa. Ou seja, essa é uma condição do gênero, não é natural ou de classe social.
Segurança é uma área mais de responsabilidade do Governo do Estado, mas as prefeituras podem fazer algumas ações. A do Recife tem casas de acolhida para mulheres vítimas de violência. Quais políticas e ações na área de enfrentamento à violência contra a mulher você manteria e quais implementaria?
Acredito que a questão da violência contra a mulher só é combatida de verdade se a gente investir em uma educação com mais igualdade. A gente tem que transformar uma geração em que encare o outro como igual e não como diferente, inferior. Claro que a família é importante, mas uma diretriz política para promover essa igualdade é essencial. Então a gente vai ter diretrizes e ter mulheres participando desse espaço de decisão. Seja na composição do primeiro escalão… O fato de ter uma prefeita sem dúvida alguma vai impactar na visão que a sociedade tem das mulheres. E das mulheres delas próprias. As meninas vão olhar e dizer: poxa, eu posso ser prefeita um dia.
Você pretende montar um secretariado com paridade de gênero?
Será um secretariado com a presença forte de mulheres. E nada impede que a gente tenha mais mulheres do que homens no primeiro e no segundo escalão. A gente precisa fortalecer esses centros de acolhida, colocar a própria prefeitura para fazer parte de uma rede, articulando com as comunidades no combate à violência contra a mulher. Não é só uma questão de repressão, mas de políticas públicas que refletem diretamente no combate à violência contra a mulher.
Há algumas semanas houve uma polêmica por conta de uma proposta sua, de pedir para o governo do estado remover o complexo prisional do Curado, o Aníbal Bruno, da Zona Oeste do Recife. Você recebeu críticas basicamente de pessoas de esquerda, que lembraram que, além dos presos, são as mulheres que mais sofrem com presídios distantes. São elas que vão fazer as visitas, levar alimentação, que ficam nas filas… Você continua com essa proposta?
Não é uma proposta, é um posicionamento político que não nasceu do dia para a noite. Em 2015 para 2016 o governo do estado chegou a lançar edital de desapropriação das casas no entorno do complexo. Pessoas que moram lá há 50 anos, que têm suas vidas consolidadas no local, que chegaram antes do presídio. Então, naquela época a gente iniciou uma discussão com a própria comunidade, com a pastoral carcerária, com diversas entidades, com políticos de várias colorações partidárias, para que a gente lutasse para que houvesse a remoção do presídio dali. Não é simplesmente recolocar os presos longe, de maneira alguma. É uma situação que não está boa para ninguém, lá dentro são mais de seis mil pessoas em um lugar onde cabe mil pessoas. Houve uma reforma num lugar onde passaram um muro por dentro. Os presos estão vivendo ali em condição desumana e as mulheres com certeza não estão bem vendo seus companheiros ali, passando pelas situações que passam nos dias de visita. Não dá para simplificar essa questão. Não é simplesmente ir para longe, seria possível manter na Região Metropolitana.
Mas não no Recife?
Veja bem, tem que se ver o local, tem que se pensar no local. Quando o governo do estado quis encontrar um terreno para fazer a arena da Copa e gastar milhões de reais ali, ele gastou e fez lá em São Lourenço da Mata. Agora, para dar mais dignidade para que os presos tenham mais oportunidade de se socializar de verdade, não investe. É disso que a gente trata. A Região Metropolitana é integrada. Existe até congressistas que defendem um novo ente federativo, que é a Região Metropolitana. O Recife não está isolado dela. Então, não iria ter problema nenhum. É um posicionamento político e a gente precisa ter a coragem para iniciar o debate sobre isso.
O TRE cancelou no final da semana passada (retrasada) campanhas de rua. Qual o peso que hoje tem as suas redes sociais na sua campanha?
É um peso fortíssimo. Nós trabalhamos a rede social há muito tempo, independentemente de campanha, e já estávamos fazendo a campanha falando de um por um, olho no olho, e continuamos assim com todas as restrições devidas, impostas pelo TRE e espero que a gente consiga assim levar a nossa comunicação para as pessoas.
Antes de começar a campanha, você chegou a ser apontada por pesquisas como a mais bem colocada. Mas agora, na mais recente pesquisa do Ibope, está em empate técnico com Mendonça Filho e a Delegada Patrícia. Você vê erros de estratégia na sua campanha? Lula demorou a aparecer?
Não, o presidente Lula está desde o início. Tivemos quatro programas eleitorais apresentando propostas e depois entrou o presidente Lula. Não tem problema nenhum nisso. Nunca me pautei por pesquisas. A gente se pauta pelo que a gente quer fazer pelo Recife. E pesquisa é um retrato daquele momento, não tem problema nenhum. E as pesquisas que eu considero são aquelas pesquisas que a gente tem internamente, para balizar estratégia de campanha.
Os movimentos sociais sempre reforçam que não adianta apenas ter mulheres em cargos políticos, mas mulheres que vão ter pautas voltadas para as mulheres. Como é a sua relação com o feminismo? E como você avalia a candidatura da delegada Patrícia, que recebe apoio da deputada Clarissa Tércio, que defende que a mulher seja submissa ao homem?
Não estou aqui para avaliar outros candidatos. O que posso falar é sobre minhas posições. Sempre tive uma posição de que a mulher se afirme na sociedade, que tenha igualdade em relação aos homens, que ocupem mais espaços. Então, isso está na minha trajetória, para quem acompanha e para quem quiser ver. Então, esses são os meus posicionamentos. E acho que a gente estando lá com nossos corpos já estamos ocupando espaço, mostrando o que a gente tem condições de ocupar, que são paritários com os homens, especialmente os espaços muito ocupados por homens, como é na política, e aqui em Pernambuco mais ainda.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org