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Crédito: Volodymyr Hryshchenko/Unsplash
É com o acúmulo de dez meses de pandemia que o infectologista Demetrius Montenegro, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), responde sobre como fazer uma reunião segura de fim de ano em tempos de coronavírus: “Só tem uma maneira: não ter reunião”.
A Covid-19 voltou a lotar os hospitais do Brasil. E, ao contrário do que aconteceu lá em março, não há fechamentos rigorosos. Hospitais privados no Recife já estão com dificuldade para leitos. Nos públicos, a lotação das UTIs está beirando os 90% em Pernambuco. Os exames feitos pularam de 1 mil para 5 mil por dia nas últimas semanas. Mesmo assim, o Governo do Estado não retrocedeu significativamente no plano de reabertura, que já se encontra há mais de um mês na última fase.
Mas as festas de fim de ano, pagas ou não, estão proibidas em Pernambuco.
Se depois de ler isso, você ainda acha válido se juntar com a família ou amigos no Natal e Ano Novo, tenha em mente que não pode ser como antes do novo coronavírus. Para essa reportagem, foram ouvidos um epidemiologista, três infectologistas e duas especialistas em biossegurança. Todos dizem que não existe risco zero. Mas há formas de minimizar as chances de contágio e ainda estar perto de quem se ama.
As orientações a seguir exigem comprometimento de todos os envolvidos. Não é um Natal ou um Ano Novo normal. Mas é o que restou para se rever com certa segurança em 2020.
O coronavírus pode entrar no corpo humano pelo nariz, pela boca e pelos olhos.
Não é só em aglomeração que você pode ser contaminado. Basta uma pessoa estar com o vírus. E como saber se alguém está infectado? Não tem como. Nenhum exame é 100% e se o coronavírus se espalhou tão rápido é porque ele tem uma alta porcentagem de assintomáticos. Pessoas que estão aparentemente bem, mas infectando os outros.
Ao longo da pandemia, descobrimos que o coronavírus também se pega por aerossóis. E o que é isso? São partículas muito menores que gotículas expelidas pela boca e pelo nariz. E que podem passar horas suspensas no ar em ambientes fechados. Nesse caso, os 2 metros de distância não são suficientes, pois os aerossóis podem “viajar” por distâncias muito maiores.
Então não tem o que se fazer? Tem sim: ventilar os ambientes, além do uso da máscara e distanciamento. Uma analogia usada por especialistas é que aerossóis são como fumaça de cigarro. Se você estiver em um ambiente fechado e com pessoas fumando (sem máscara), você vai respirar fumaça e ficar com roupas e cabelos impregnados. Abrindo portas e janelas, faz o ar circular e dissipa a “fumaça”. Com distanciamento, você diminui o contato. Usar máscaras, claro, é indispensável para se proteger também dessa forma de contaminação.
Nenhuma medida isolada é eficaz. É a sobreposição delas que vai garantir alguma segurança nos encontros. Se não der para seguir todas, tente o máximo possível.
É contraditório dizer isso para uma festa mas, bem, estamos em uma pandemia.
Trabalhando em hospital e tendo feito várias intubações – que é o momento mais crítico pela produção de aerossóis – o infectologista Demetrius Montenegro tem se mantido livre do coronavírus com muita disciplina. “No hospital, todos os meus passos são calculados. Acho até mais fácil que eu pegue fora do hospital, já que fico naturalmente mais relaxado”, diz.
O que ele mais tem visto são pessoas que são infectadas em encontros com amigos e familiares. É mais fácil se sentir seguro quando se está com quem se conhece. ” É o que mais chega no hospital: famílias ou grupos de amigos que se encontram ou viajam juntos. Dias depois, vários ficam doentes”, alerta.
Bebida alcóolica deixa todo mundo mais descontraído. Talvez seja o caso de pensar em diminuir as doses.
Se der, faça em um lugar aberto, ao ar livre. Em um quintal, um jardim. Se tem uma coisa que foi consolidada ao longo dos meses é de que a principal forma de contaminação é pela proximidade com outras pessoas, principalmente sem máscaras. Em ambientes fechados, com pouco circulação de ar, o risco explode.
Em pleno dezembro recifense, é necessário dispensar o ar-condicionado e abrir portas e janelas. “Com isso, você já diminui a probabilidade de contágio”, diz o médico infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Artur Brito.
O infectologista vem passar o Natal com a família no Recife. A ceia vai ser em um apartamento, mas a mesa vai ficar na varanda. “As portas e janelas também ficarão abertas, para o ar circular”, diz, lembrando que é preciso planejar esses detalhes com antecedência e avisar a todos dos protocolos.
Em cidades tão verticalizadas como o Recife, achar um quintal ou um jardim para a celebração pode ser difícil. Nesse caso, o infectologista Paulo Sérgio Ramos, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), recomenda que os grupos sejam divididos. Nada de encontros com muitos núcleos familiares.
“Se é um apartamento pequeno ou uma família grande, é melhor dividir. Poucas pessoas na ceia de Natal e depois poucas pessoas no almoço. Sempre mantendo o distanciamento”, sugere. “Cada núcleo familiar pode sentar junto, separado por no mínimo 1,5 metro quadrado do outro núcleo”, diz.
Demetrius Montenegro faz a mesma recomendação. “‘Se tem, por exemplo, um pai ou um avô de risco e que está esse tempo todo sem ver ninguém, a regra número 1 é que a família não deve se reunir todos no mesmo momento. Tem que ser muito bem avaliado de família a família”, comenta.
O tempo é outra questão. Nada de reuniões sem hora para acabar. Quanto mais tempo, mais exposição e mais chances de se sair dos protocolos.
Não importa se você ou algum convidado já teve Covid-19. As regras devem ser as mesmas. Entre as muitas perguntas em aberto sobre o coronavírus, está se quem já teve pode transmitir ao ter contato novamente com o vírus, mesmo sem apresentar sintomas.
Outro problema é a reinfecção. Se ela não é considerada por ora algo comum, tampouco é rara.
Comer e beber serão os os momentos mais tensos da noite, já que as pessoas estarão sem máscaras. Aqui, atenção redobrada.
“Em uma comemoração, muitas vezes se fica bebendo ou petiscando a noite toda. Isso vai aumentar o comportamento de exposição”, diz o epidemiologista Rafael Moreira, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da faculdade de medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Para reduzir esse risco, é bom concentrar a hora da comida e da bebida. Cada núcleo familiar deve comer separado. Evitem falar enquanto comem, pois, claro, estarão sem máscaras. E, como já vimos, falar emite gotículas. Gritar, cantar e falar alto também pode emitir aerossóis.
Coordenadora de biossegurança, Priscila Gubert, do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), da UFPE, recomenda que na hora da refeição a distância seja a máxima possível. “Três, quatro metros, ou mais”, diz.
“Ninguém pode falar nada quando for comer, ninguém pode falar nada quando for beber”, reforça Demetrius, mais uma vez tentando dissuadir quem pensa em se reunir. “Comemoração segura é comemoração com quem já habita a mesma casa, apenas o núcleo familiar que já convive”, diz.
Para Rafael Moreira, é preciso ter mais paciência e menos ansiedade em reunir as pessoas. “Vamos esperar, fazer esse pequeno sacrifício agora para depois poder se ver. As vacinas estão cada vez mais próximas”, diz.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda máscaras de camada tripla de tecido. São ainda mais eficientes se a camada do meio for de um material filtrante, como SMMS. É sempre bom lembrar que as máscaras têm vida útil: em média de 20 a 30 lavagens. Isso porque as fibras vão se abrindo e a eficácia diminui.
Para pessoas acima de 60 anos ou do grupo de risco em ambiente fechado, Priscila Gubert, do Lika, recomenda máscaras cirúrgicas, bem ajustadas, ou respiradores N95/PFF2, para dar uma segurança a mais. A cirúrgica é descartável, de uso único. Os respiradores podem ser reutilizados por algumas poucas vezes, seguindo algumas regras.
Professora de biossegurança da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e integrante da Rede Análise Covid-19, Melissa Markoski lembra que a N95 padrão é a que tem as tiras em volta da cabeça, e não nas orelhas. “Assim, garantem maior vedação”, explica.
Como nem todo mundo tem recursos para uma N95 ou cirúrgica, Priscila Gubert recomenda um protetor facial, que pode ser reutilizado por várias vezes. “Ele vai ajudar a proteger a máscara”, diz Priscila. Ela lembra que não se deve tocar nas máscaras, que devem ser retiradas pelas tiras. E sempre higienizar as mãos antes e depois de tirar ou colocar a máscara.
Além da máscara, que cobre boca e nariz, os olhos também são portas de entrada do coronavírus. Óculos e proterores faciais ajudam na proteção.
“Não há necessidade de sair correndo para passar álcool em gel no pirex que a tia trouxer da casa dela”, diz o infectologista Artur Brito, que explica: “Uma coisa que precisa ficar muito forte na cabeça das pessoas é que das muitas formas de transmissão teoricamente possíveis, a mais importante é a transmissão respiratória. Há quase que uma obsessão em relação às superfícies, mas temos que entender que é um vírus de RNA, muito instável e que sobrevive por pouco tempo nas superfícies”.
Ainda assim, a recomendação continua sendo para que se limpe compras. “Mesmo sendo teoricamente mais difícil a contaminação por superfícies, não podemos descartá-la”, diz Melissa Markoski. O álcool em gel deve ser utilizado principalmente para higienizar as mãos, quando não for possível lavar com água e sabão (por no mínimo 20 segundos).
Aqui, os especialistas divergem. Alguns acham que vale a pena, se feito até 72h antes do encontro. Outros, que é um desperdício de dinheiro.
O único exame capaz de detectar a fase aguda da Covid-19 é o de RT-PCR, aquele que é colhido com um swab (um cotonete grande) no fundo do nariz. “Se estiver com sintomas, a pessoa deve fazer e se isolar”, diz o epidemiologista Rafael Moreira.
O infectologista Artur Brito diz que não é necessário esperar a janela de 2 a 5 dias de infecção. “Isso é um conceito trazido do exame da influenza e não parece se aplicar ao coronavírus. A carga viral já é alta mesmo antes do sintomas aparecerem”, diz.
Mesmo sendo hoje o padrão ouro para a Covid-19, o RT-PCR não dá uma resposta definitiva. “É um exame muito bom quando aplicado de forma seriada. Em até 40% dos casos o RT-PCR pode dar um falso negativo. Então, se a pessoa está com sintomas e o exame dá negativo, ela deve repeti-lo para ter uma margem de segurança melhor”, explica.
Para quem pode, uma boa alternativa é fazer um autoisolamento 14 dias antes da reunião.
Teoricamente, sim. Tem comprovação de casos? Ainda não. “Mas é muito difícil conseguir esse tipo de comprovação”, explica Melissa Markoski.
Se a comida é quente, melhor. “Altas temperaturas matam o vírus”, diz. O indicado é que quem vá fazer a comida use máscara o tempo todo.
Para quem vai ficar na casa de familiares ou amigos, o Grupo de Biossegurança Ocupacional do Lika criou um protocolo. Mas é tão difícil de ser seguido que acharam melhor não divulgá-lo. “Um profissional da saúde poderia seguir os passos, mas para um leigo é muito complicado”, diz Priscila Gubert.
Para a viagem em si, o infectologista Artur Brito indica que os passageiros de avião fiquem na janela, por conta da dinâmica do ar e da passagem de pessoas pelo corredor. “Desde a epidemia do H1N1, os aviões contam com um sistema de filtragem de ar muito bom, chamado HEPA”, diz.
O grupo do Lika montou um extenso e detalhado protocolo de viagem, tanto de ônibus como de avião. Confira aqui.
Até mesmo os profissionais de saúde têm dúvidas sobre viagem e estadia. “Com a pandemia em alta, protocolos podem não dar conta”, avisa Priscila, que está em dúvida se vai visitar a família no Rio Grande do Sul.
Brito, mesmo com um banheiro e um quarto só para ele garantidos no apartamento da família, achou melhor não arriscar e ficar hospedado em um hotel.
Ficou exausto depois de ler isso e pensar em uma reunião assim? Pois é, não é fácil. Mais uma vez, é bom repetir: a pandemia está descontrolada e não é momento de fazer reuniões, além do núcleo familiar que já convive diariamente.
As vacinas estão chegando. Provavelmente, o ano de 2021 ainda vai ser de máscaras e distanciamento social. Mas, conforme a vacinação avance, os casos irão diminuir. Em março o que os governos buscavam eram respiradores. Já melhoramos um bocado. Quanto mais conhecemos a doença, quanto mais vacinas chegarem, mais poderemos ter esperanças em encontros sem medo.
Mas essa hora ainda não chegou. Se puder, espere.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org