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Conteúdo verificado: Postagem no Instagram que afirma que “pessoas podem sofrer mutações após serem vacinadas” e que as vacinas são consideradas “organismos geneticamente modificados”.
Não há nenhuma comprovação que vacinas contra a covid-19 possam modificar a composição genética das pessoas. Um vídeo publicado no Instagram e no YouTube afirma que “muitas vacinas são derivadas de células fetais” e que “o DNA do feto entra no corpo do receptor”, causando alterações genéticas. Essas alegações são completamente rechaçadas por especialistas ouvidos pelo Comprova em diferentes ocasiões e pela evidência científica disponível até o momento.
Dois dos imunizantes contra o novo coronavírus — produzidos por Pfizer/BioNTech e Moderna — utilizam uma técnica nova, chamada de mRNA, que usa informação genética do vírus para ensinar nosso corpo a produzir uma proteína específica e criar anticorpos. Nenhuma vacina contém DNA de fetos.
Alguns imunizantes usam culturas celulares para produzir um vírus atenuado, incapaz de causar doenças — vacinas contra febre amarela e sarampo usam essa técnica. Essas células podem ser cultivadas a partir de animais ou de material embrionário. Mas, como o Comprova explicou anteriormente, as células embrionárias não entram na composição da vacina e são desenvolvidas a partir de uma linhagem celular antiga.
Consultamos o pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIM) Renato Kfouri sobre as alegações ditas no vídeo analisado. Também utilizamos outras verificações anteriores publicadas pelo Comprova sobre o mesmo assunto. Acessamos documentos oficiais da Food and Drug Administration (FDA) sobre possíveis riscos da vacina produzida pela Pfizer/BioNTech. Pesquisamos estudos sobre associação entre narcolepsia e a vacinação contra H1N1 na Suécia e na Finlândia. Os links das fontes consultadas estão ao longo do texto.
O vídeo foi publicado no perfil de Karina Michelin no Instagram e também em seu canal de YouTube. O Comprova entrou em contato com Karina por e-mail, mas não recebeu resposta.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 15 de dezembro de 2020.
Não há nenhuma possibilidade de que as vacinas contra covid-19 possam alterar nosso código genético — como já mostraram várias verificações publicadas pelo Comprova. O diretor da SBIm, Renato Kfouri confirma que a incorporação de um DNA estranho por meio de um imunizante é impossível. “Imagina, se fosse possível incorporar o DNA, seria uma guerra biológica”, diz ele. “Isso é uma bobagem enorme.”
Duas das vacinas contra o novo coronavírus utilizam uma técnica nova, de mRNA (RNA mensageiro) — a da Pfizer/BioNTech e a da Moderna. O RNA mensageiro é uma molécula que todos temos no corpo. Ela leva informações até o núcleo das nossas células para produção de proteínas. Os laboratórios responsáveis pelos imunizantes produziram mRNAs sintéticos, que contêm uma parte da informação genética do novo coronavírus. No nosso corpo, esse RNA vai fazer com que produzamos uma proteína que alerta o sistema imunológico para criar anticorpos.
“Por isso que essas vacinas são de rápida produção, não têm vírus vivo, não têm material vivo”, explica Kfouri. “Todo esse material genético se degrada muito rapidamente. Não há nenhuma incorporação, nenhuma possibilidade de esse material genético ser incorporado [pelo nosso corpo]”.
Em agosto, Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), explicou que as vacinas mRNA são desenvolvidas de modo a não interferir com o DNA humano.
“No caso das vacinas de mRNA, tudo é transparente, tudo é publicado”, disse ela. “Os dados estão aí para serem analisados. E um cara que faz uma alegação dessas basicamente não leu a literatura. É muito importante explicar para as pessoas que isso é impossível.”
No início deste mês, o virologista da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Tecnologia em Vacinas da UFMG Flávio Fonseca disse que “não existe nenhuma vacina capaz de alterar o nosso material genético, nosso DNA”.
Ele acrescentou que, apesar de estarmos constantemente expostos a material genético estranho (como vírus e bactérias), nosso DNA fica muito bem protegido dentro das células: “Ele fica dentro do núcleo, não fica exposto no citoplasma. E dentro do núcleo há uma série de enzimas que fazem, entre aspas, o patrulhamento da qualidade do nosso DNA para evitar exatamente que aconteçam mutações indesejadas”.
No vídeo, Karina afirma que “muitas vacinas são derivadas de células fetais para as quais o DNA do feto entra no corpo do receptor”. Isso é falso. Como explicado anteriormente, os imunizantes usados atualmente contra a covid-19 usam a técnica de RNA mensageiro — e não DNA.
Renato Kfouri explica que não há DNA de fetos nas vacinas. Alguns imunizantes usam o vírus atenuado ou inativado. Nesse caso, o laboratório usa culturas celulares, que são infectadas repetidamente até que a virulência seja reduzida. As células usadas nesse processo podem ter origem animal ou embrionária. Muitas vacinas amplamente utilizadas foram desenvolvidas por meio dessa metodologia: contra sarampo, rubéola e febre amarela.
Em julho, o Comprova mostrou que a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford não usa células de fetos. Na realidade, as células foram retiradas de um feto abortado legalmente na Holanda nos anos de 1970 e desenvolvidas em laboratório a partir da imortalização — ou seja, a capacidade perene de divisão. Elas deram origem à linhagem de células HEK-293 (a sigla vem do inglês “human embryonic kidney”, ou seja, rim de embrião humano), que desde então é usada na indústria farmacêutica em todo o mundo.
A tecnologia utilizada no imunizante de Oxford é de “vetor viral recombinante”, diferente da de vírus atenuado.
A narradora do vídeo cita como fonte o Instituto Charlotte Lozier. Trata-se de uma insituição conservadora cujo presidente é ativista anti-aborto.
A narradora do vídeo também afirma que a Food and Drug Administration (FDA), agência equivalente à Anvisa nos EUA, alertou para “riscos oncogênicos”, relacionados a câncer, das vacinas contra covid-19. Até o momento, o órgão sanitário aprovou apenas uma vacina para uso emergencial, produzida pela Pfizer e BioNTech. Os riscos potenciais associados a esse imunizante, segundo a FDA, incluem dor no local da aplicação, febre e cansaço.
Na quinta-feira, 17, está marcada a próxima reunião do comitê avaliador da agência para analisar dados da vacina produzida pela farmacêutica Moderna.
O Comprova não encontrou nenhum registro de que a FDA tenha alertado sobre “riscos oncogênicos” da vacina contra covid-19. Entramos em contato com a agência por e-mail, mas não recebemos resposta.
Em outubro, o comitê avaliador de vacinas da FDA divulgou uma apresentação em que listava possíveis eventos adversos que seriam monitorados durante testes com imunizantes contra o novo coronavírus. A lista (página 16) não inclui câncer. Importante ressaltar que, embora a agência sanitária monitore a possível ocorrência de eventos adversos, isso não quer dizer que eles tenham ocorrido. Até o momento, não foram registradas reações negativas graves ligadas ao imunizante aplicado nos EUA.
No início deste mês, a microbiologista Jordana Coelho dos Reis, que atua no Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do Departamento de Microbiologia, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), disse ao Comprova que não há nenhuma possibilidade de que as vacinas que usam mRNA causem câncer.
“A gente pode confirmar com segurança, com pé no chão, tranquilamente que essas vacinas não representam um risco para câncer nesse sentido de alterar genoma, não tem a menor chance disso acontecer”, disse ela.
Karina afirma que muitas das vacinas testadas contra a covid-19 são de nova geração e foram consideradas “organismos geneticamente modificados” pelo Parlamento Europeu. A narradora do vídeo insinua que, por terem sido desenvolvidas em tempo recorde, as vacinas não seriam seguras. Mas não há nenhuma evidência de que isso seja verdade.
O imunizante desenvolvido pelas empresas Pfizer e BioNTech, que utiliza a nova tecnologia de mRNA, teve o uso emergencial aprovado pela agência reguladora dos EUA, a FDA, que tem o “padrão ouro” do processo de autorização. Os testes clínicos da vacina evidenciam sua segurança e sua eficácia, de 95%.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) garante que, apesar da rapidez com que as vacinas têm sido desenvolvidas, as pesquisas continuam a seguir os mais altos padrões de segurança. “Dada a necessidade urgente de vacinas contra a covid, investimentos financeiros sem precedentes e colaborações científicas estão mudando a forma como as vacinas são desenvolvidas”, diz a entidade.
“Isto significa que algumas das etapas do processo de pesquisa e desenvolvimento têm acontecido em paralelo, mantendo, ao mesmo tempo, padrões clínicos e de segurança rigorosos”, informa a OMS.
Em julho, o Parlamento Europeu aprovou uma medida para acelerar a produção de vacinas contra a covid-19, diante da emergência sanitária mundial. A normativa dispensou a exigência de alguns procedimentos para ensaios clínicos com imunizantes que usam organismos geneticamente modificados (GMO, na sigla em inglês).
Os integrantes do Comitê de Meio Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu concordaram que havia a necessidade de adaptar as regras, mas enfatizaram que os padrões de qualidade, segurança e eficácia da vacina devem ser mantidos.
GMOs são produtos de engenharia genética, uma tecnologia aplicada desde os anos 1970 para modificar aspectos de plantas, animais e microorganismos. Os tipos mais comuns de GMO são plantas modificadas, como milho, soja e algodão.
Renato Kfouri explica que algumas pesquisas de vacinas contra a covid-19 utilizam uma tecnologia chamada de vetor viral, como a desenvolvida pela Universidade de Oxford, ou a produzida pela farmacêutica Janssen. “São vacinas que usam outro vírus, um adenovírus modificado geneticamente para carregar um pedaço do coronavírus”, diz o diretor da SBIm. “Não tem nenhum perigo. É a filosofia das vacinas: enfraquecer o vírus para proteger da doença”.
Karina cita ainda Michael Yeadon, ex-funcionário da farmacêutica Pfizer. Ela repete uma alegação de Yeadon já desmentida pelo Estadão Verifica e pela Agência Lupa — a de que não há necessidade de vacinação. A informação é falsa porque as vacinas foram fundamentais na erradicação ou controle de várias doenças no Brasil e no mundo. De acordo com o Ministério da Saúde, sarampo, poliomielite e tétano neonatal foram eliminadas; e outras doenças como difteria, coqueluche e tétano acidental, hepatite B, meningites, febre amarela, formas graves da tuberculose, rubéola e caxumba, foram controladas.
Yeadon também espalhou a alegação falsa de que a vacina desenvolvida pela Pfizer e BioNTech contra a covid-19 poderia causar infertilidade em mulheres. Estadão Verifica e Agência Lupa desmentiram novamente o cientista — a substância que ele diz que poderia interferir no sistema reprodutor de mulheres não está presente na composição do imunizante distribuído no Reino Unido e nos EUA.
O ex-consultor científico da Pfizer foi desmentido ainda pela agência de checagem americana Health Feedback. A verificação mostrou que, em entrevista a uma rádio, Yeadon fez várias alegações sem evidências de que a pandemia teria acabado no Reino Unido.
Yeadon é co-fundador de uma pequena empresa farmacêutica chamada Ziarco e não trabalha na Pfizer pelo menos desde 2011.
No vídeo, Karina também menciona que centenas de crianças e adolescentes vacinadas contra H1N1 na Suécia desenvolveram narcolepsia, um distúrbio que causa sonolência excessiva durante o dia. De fato, foi observada uma associação entre essa condição médica e a aplicação do imunizante Pandemrix em 2009, mas os casos foram raros.
A Folha de S. Paulo mostrou em 2011 que a Europa restringiu o uso dessa vacina por causa do risco de narcolepsia. Mais de 31 milhões de doses foram aplicadas em 47 países. A GSK, farmacêutica responsável pelo imunizante, disse ter sido notificada de 335 casos do distúrbio, dois terços na Finlândia e na Suécia.
De acordo com essa revisão das evidências disponíveis publicada na revista científica Vaccine em 2019, o mecanismo que levou a um risco aumentado de narcolepsia ainda não foi totalmente compreendido. Como a maior parte dos casos observados ocorreu na Finlândia e na Suécia, é possível que haja um risco maior nessas populações. “Parece haver uma suscetibilidade genética naquele grupo. E no restante do mundo não houve problema”, afirma Renato Kfouri.
O Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) investigou em 2012 os dados de vacinação com a Pandemrix em vários países. Na Suécia e na Finlândia, foi encontrado um risco maior de narcolepsia na população de 5 a 19 anos, mas não em adultos. Nas outras nações analisadas (Dinamarca, Itália, França, Holanda, França, Noruega e Reino Unido), o mesmo risco não foi encontrado.
O diretor da SBIm explica que, inicialmente, pesquisadores atribuíram a causa da narcolepsia ao adjuvante usado na vacina, o ASO3, uma substância nova. Adjuvantes são compostos adicionados aos imunizantes para potencializar a resposta imunológica do corpo. Estudos posteriores, no entanto, mostraram que o ASO3 é seguro e a substância continua a ser utilizada. Em 2018, pesquisadores do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) analisaram dados da Pandemrix e de outras vacinas que usaram o ASO3 e não encontraram associação com narcolepsia.
Kfouri observa que é por isso que as vacinas continuam a ser monitoradas mesmo após a aprovação pelos órgãos de vigilância sanitária. É a chamada fase quatro dos estudos, de farmacovigilância. “Por isso há a importância de ter a vigilância desses eventos adversos, antes e depois do licenciamento”, disse ele. “Não só para vacina, mas para todos os remédios. Assim vamos construindo conhecimento”.
Dona de um perfil no Instagram com 68,5 mil seguidores, Karina Michelin se apresenta como jornalista, atriz, apresentadora e poeta. O Comprova já checou um vídeo anterior de Karina em que ela comparava, erroneamente, o índice-H de pesquisadores ligados ao combate ao novo coronavírus. Esse índice é uma métrica que avalia a quantidade de citações de artigos científicos de um determinado pesquisador, e é equivocado comparar pesquisadores de áreas distintas e idades diferentes.
Tentamos contato com Karina por meio de um e-mail disponível em sua página do Facebook, mas ela não respondeu. Após o início da apuração para esta verificação, o vídeo da jornalista foi marcado pela Agência Lupa como falso. A reprodução da mesma gravação no YouTube foi retirada do ar.
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus.
Com a covid-19, as informações relacionadas à pandemia precisam orientar a população sobre as doenças, como uma forma de minimizar os riscos de contrair o vírus. Ao fazer alegações falsas sobre os efeitos colaterais ou mesmo a segurança das vacinas, a postagem que chegou a 89, 5 mil visualizações no instagram, além de prestar um desserviço, apenas atrapalha em conter a disseminação da doença.
O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a covid-19 como a que checou ser falso que vacina contra covid-19 cause danos irreversíveis ao DNA, assim como as vacinas contra a covid-19 não serão capazes de provocar danos genéticos nem vão monitorar a população e que o vírus não foi feito na França e vacinas não são uma iniciativa globalista para reduzir a população.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.