Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Acervo de família
Às 22 horas do dia 22 de novembro de 2021 Samuel Rodrigues, de 1 ano e oito meses, acordou os pais com choro, como fazia costumeiramente. A mãe, Paula Rodrigues, achou que o menino apenas queria mamar, como nos outros dias, porém, quando pegou a criança no braço foi surpreendida com o seu corpo febril.
“Samuca passou o dia todo bem, ele estava apenas corizando e a gente fazia lavagem nasal nele, mas eu achei que era só por conta do clima que tava mudando muito, uma hora chovia, outra fazia sol. Ele foi para o hotelzinho à tarde e quando chegou em casa comeu, brincou e depois dormiu, eu realmente não sei o que pode ter acontecido”, relatou Paula.
Por volta das 22h30, além do estado febril de 37ºC marcada no termômetro, a criança começou a ficar com os lábios pálidos, as mãos e os pés gelados e vomitou três vezes. Preocupados, os pais de Samuel decidiram levá-lo à Unidade de Pronto Atendimento Hapvida Olinda, localizada na Avenida Carlos de Lima Cavalcanti. Segundo a mãe, “foi aí que começou todo o pesadelo”.
Ao chegar no hospital, por volta das 23h, os pais solicitaram celeridade no atendimento ao menini, porém as atendentes pediram para que aguardassem. Neste momento, o pai de Samuel, Jefferson Rodrigues, decide pegar um termômetro que estava guardado em seu carro para aferir a temperatura da criança que chegava a 38,6ºC. A fim de acelerar o processo de triagem, que até então não tinha sido realizado por nenhum funcionário da Hapvida, a mãe pede para que o pai de Samuel pese o menino, que registrou 12 quilos e 200g. Pouco tempo depois, a médica chama a criança para atendimento, o que no relato da mãe aconteceu por volta das 23h30.
“Quando a médica me chamou eu já estava muito nervosa e conto para ela tudo o que aconteceu. Eu disse que não sabia o porquê do meu filho estar daquele jeito e ela disse que podia me acalmar porque a boquinha dele já estava volta a cor normal, mas eu avisei a ela que não estava, ele ainda estava pálido e com a cabeça muito quente, só que o tempo todo ela não prestava atenção e tratou como se fosse um caso de gripe normal. Aí ela passou dipirona e na hora do atendimento ela também viu que a saturação dele estava em noventa e dois e, por isso, iria colocá-lo no oxigênio, aí eu perguntei a ela porquê, se em nenhum momento eu vi meu filho cansado, mas ela não me respondeu. Ela passou uns exames, e passou medicamentos na veia para febre e vômito”, contou a mãe de Samuel.
Em seguida, mais um intervalo de longa espera. Samuel aguardou por aproximadamente 50 minutos na enfermaria para receber o medicamento prescrito pela médica. “A enfermeira ficava mandando eu dar muita água ao meu filho por conta da febre, e eu acho que ele deveria ter ficado no soro, mas nem isso a médica passou”, disse Paula. Enquanto a mãe segurava a criança no colo e a acalentava preocupada, o pai insistia para que as enfermeiras medicassem a criança, mas não adiantou. A explicação pela demora era que o remédio estava vindo da farmácia.
“Está vindo da farmácia? Que história é essa que o remédio vem da farmácia? Eu já vim pra cá para o hospital para receber o remédio e agora vou ter que esperar ele vir da farmácia”, bradou o pai de Samuel.
Quando o atendimento finalmente aconteceu já era tarde demais, como conta a mãe Paula Rodrigues:
“Quando ela [enfermeira] faz a lavagem nasal, e coloca ele deitado na maca para aplicar o medicamento na veia, mas não consegue. Meu filho tira as mãozinhas de lado, fecha as mãos e bate os pés lentamente, só então chegam outros médicos para atender ele. E aí, depois daquilo, a médica que atendeu a gente vai embora, ela passa por mim e vai embora. Quem me deu o atendimento final para dizer que meu filho estava morto foi outro médico que disse na minha cara ‘o que aconteceu com o seu filho? Eu já peguei ele morto’”.
Até agora, quase um mês depois, os pais não sabem qual foi a causa da morte da criança, que, de acordo com o atestado de óbito consta como indeterminada. O corpo foi enviado para o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) e, em seguida, para o Instituto Médico Legal (IML), mas a família ainda espera o resultado do laudo.Agora, Paula e Jefferson querem tornar público o que aconteceu e esperam que o hospital seja responsabilizado pela morte de Samuel.
“Se eu tivesse levado meu filho para uma UPA do SUS eu acho que ele estaria vivo porque lá pelo menos eles fazem uma triagem dos pacientes, mas eu levei pro Hapvida e, agora, meu filho está morto”, declarou a mãe.
A fim de pressionar as autoridades e expor o caso, a família pediu apoio à Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) para organizar um ato em memória do menino Samuel. A manifestação acontece nesta quarta-feira, dia 22 de dezembro, exatamente um mês após a morte da criança, em frente à Hapvida Olinda, às 14h. A organização pede para que aqueles que quiserem prestar apoio compareçam ao ato trajando roupas brancas e use máscaras.
“Infelizmente, casos como o de Samuel são mais comuns do que a gente imagina e isso também é culpa do racismo institucional, que faz com que os corpos negros sejam corpos vistos como um corpo capaz de suportar dor e sofrimento. O racismo está presente tanto no atendimento à criança quanto na forma como a família foi tratada. Se fosse uma família branca e rica, seria do mesmo jeito? A gente sabe que não”, declarou Tuca Duarte, integrante da ANEPE responsável pelo ato Justiça por Samuelzinho.
A Marco Zero procurou a Hapvida para prestar esclarecimentos sobre o caso. A equipe da assessoria de comunicação informou que está apurando o caso e que vai dar um retorno o mais rápido possível. Quando isso acontecer, a versão da empresa poderá ser imediatamente publicada e postada em nossas redes sociais.
Esta reportagem foi produzida com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.
Seja mais que um leitor da Marco Zero…
A Marco Zero acredita que compartilhar informações de qualidade tem o poder de transformar a vida das pessoas. Por isso, produzimos um conteúdo jornalístico de interesse público e comprometido com a defesa dos direitos humanos. Tudo feito de forma independente.
E para manter a nossa independência editorial, não recebemos dinheiro de governos, empresas públicas ou privadas. Por isso, dependemos de você, leitor e leitora, para continuar o nosso trabalho e torná-lo sustentável.
Ao contribuir com a Marco Zero, além de nos ajudar a produzir mais reportagens de qualidade, você estará possibilitando que outras pessoas tenham acesso gratuito ao nosso conteúdo.
Em uma época de tanta desinformação e ataques aos direitos humanos, nunca foi tão importante apoiar o jornalismo independente.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.