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As mulheres param em todo o mundo neste 8 de março. Um protesto contra a opressão de gênero, mas também contra o avanço das políticas neoliberais e a redução de direitos sociais e trabalhistas. Uma realidade que é brasileira, mas é também latino-americana, norte-americana, europeia, asiática… Pelos propósitos, pela mobilização e o caráter mundial do evento será uma jornada histórica.
O ativismo feminista tem se mostrado uma força pungente de resistência nestes tempos sombrios. Seja na denúncia dos crimes de ódio contra as mulheres na Argentina com o movimento Ni Una A Menos, seja na greve geral das polonesas para derrubar o projeto que proibiria o aborto no país, seja à frente das ocupações das escolas secundaristas no Brasil em oposição aos cortes de verbas públicas para a saúde e a educação promovidos pelo governo Temer.
Ou tomando as ruas de centenas de cidades norte-americanas no último dia 21 de janeiro para denunciar a agenda conservadora do recém-empossado presidente Donald Trump, que põe em risco os direitos civis das minorias e dos imigrantes nos Estados Unidos.
Opressão no mundo do trabalho
Os eventos deste 8 de março trazem à tona aspectos invisibilizados na luta pela igualdade de gênero, como a relação entre sexismo e produção da força de trabalho no mundo capitalista.
A paralisação das atividades do trabalho remunerado formal e não formal e também do trabalho social não-remunerado visa colocar luz na centralidade da atuação da mulher na roda que faz girar a economia e o capital no mundo.
“No capitalismo, o trabalho das mulheres no mercado formal é apenas uma parte do trabalho que realizam. As mulheres são também as principais realizadoras do trabalho reprodutivo – trabalho não remunerado que é igualmente importante para a reprodução da sociedade e das relações sociais capitalistas. A greve das mulheres destina-se a tornar este trabalho não remunerado visível e enfatizar que a reprodução social é também um local de luta”, explicam, no artigo O Significado da Greve das Mulheres neste 8 de Março, as professoras universitárias norte-americanas Tithi Bhattacharya e Cinzia Arruzza, que assinaram junto com outras cinco ativistas o manifesto convocando a greve internacional das mulheres.
Desigualdade de gênero e raça
No Brasil, a paralisação acontece num cenário evidente de desigualdade de gênero no mundo do trabalho. As mulheres trabalham em média 53,6 horas semanais, 7,5 horas a mais do que os homens. Noventa por cento das mulheres dizem realizar tarefas domésticas contra apenas 50% dos homens, proporção praticamente inalterada nos últimos 20 anos segundo o estudo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça no Brasil, divulgado no início da semana pelo Ipea.
As barreiras de gênero e raça permanecem firmes. “Apesar de, proporcionalmente, o rendimento das mulheres negras ter sido o que mais se valorizou entre 1995 e 2015 (80%), e o dos homens brancos ter sido o que menos cresceu (11%), a escala de remuneração manteve-se inalterada em toda a série histórica: homens brancos têm os melhores rendimentos, seguidos de mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. A diferença da taxa de desocupação entre sexos também merece registro: em 2015, a feminina era de 11,6%, enquanto a dos homens atingiu 7,8%. No caso das mulheres negras, ela chegou a 13,3% (e 8,5% para homens negros)”, desvenda o estudo do Ipea.
Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, expõe essa dura realidade vivida cotidianamente. “No percurso diário das suas vidas, as mulheres negras se deparam com a forjada superioridade do componente racial branco, do patriarcado e do sexismo, que fundamentam e dinamizam um sistema de opressões que impõe, a cada mulher negra, a luta pela própria sobrevivência, de sua família e de sua comunidade. A nossa luta diária é pelo enfrentamento a todas as discriminações e injustiças e contra a negação de nossa existência, buscando superar a invisibilidade que nos foi imposta na construção do Brasil. As mortes de mulheres negras perfazem quase 90% dos homicídios femininos em Pernambuco”.
Feminismo para os 99% da sociedade
A força do protesto deste 8 de março de 2017 se assenta na forma como o movimento feminista vem construindo sua relevância política e sua capacidade de mobilização nos últimos anos. Princípios como horizontalidade, organização fora das estruturas engessadas e pouco democráticas dos partidos, disputa no campo simbólico da linguagem (podemos lembrar aqui da Marcha das Vadias e a politização positiva de um termo utilizado para atacar as mulheres), simbiose entre a ação da juventude e a experiência das lutas do passado, e especialmente o entendimento de que a causa feminista está diretamente ligada ao combate à homofobia e ao preconceito racial e associada à luta de classes.
“As condições de vida das mulheres, especialmente as das mulheres de cor e as trabalhadoras, desempregadas e migrantes, têm-se deteriorado de forma constante nos últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. O feminismo do “faça acontecer” (que enfatiza o empreendedorismo feminino) e outras variantes do feminismo empresarial falharam para a esmagadora maioria de nós, que não têm acesso à autopromoção e ao avanço individual e cujas condições de vida só podem ser melhoradas através de políticas que defendam a reprodução social, a justiça reprodutiva segura e garanta direitos trabalhistas. Como vemos, a nova onda de mobilização das mulheres deve abordar todas essas preocupações de forma frontal. Deve ser um feminismo para 99% das pessoas”, alerta o manifesto Por uma greve internacional militante no 8 de março, assinado pelas ativistas norte-americanas.
Elas deixam claro no documento que a inspiração para a defesa de um feminismo para 99% das pessoas vem do movimento argentino Ni Una a Menos. “A violência contra as mulheres, como elas a definem, tem muitas facetas: é a violência doméstica, mas também a violência do mercado, da dívida, das relações de propriedade capitalistas e do Estado; a violência das políticas discriminatórias contra as mulheres lésbicas, trans e queer, a violência da criminalização estatal dos movimentos migratórios, a violência do encarceramento em massa e a violência institucional contra os corpos das mulheres através da proibição do aborto e da falta de acesso a cuidados de saúde e aborto gratuitos.”
Manifestação no Recife e Interior
No Recife, a manifestação das mulheres tem concentração marcada para as 14h30 no Parque Treze de Maio, no Centro. Às 16h30, as mulheres saem em caminhada pela Rua do Hospício e Avenida Conde da Boa Vista até a Praça do Derby. Ao longo do percurso haverá cinco paradas com intervenções culturais temáticas: pelo fim da violência, pelo fim do racismo, contra a Reforma da Previdência, por uma política de drogas não discriminatória, pela legalização do aborto e por uma reforma política ampla e radicalmente democrática.
As ações também se estenderão pelo interior de Pernambuco. Há atos contra a Reforma da Previdência previstos nos municípios sertanejos de Afogados da Ingazeira, Santa Cruz da Baixa Verde, Tabira e Serra Talhada. Também estão sendo organizadas manifestações em Orobó. No Agreste, acontecerão atos em Passira, Caruaru e Belo Jardim. Na Mata Sul, as mulheres devem ir às ruas em eventos nas cidades de Escada, Palmares, Joaquim Nabuco e Água Preta.
As manifestações de 8 de março estão sendo consideradas uma oportunidade importante para a integração dos diversos grupos feministas e de direitos humanos que atuam na Região Metropolitana do Recife e no Interior do Estado. Segundo a organização do evento na capital, as mulheres reuniram mais de 7 mil manifestantes em passeata na Conde da Boa Vista no ano passado. A expectativa é de um público ainda maior para o ato desta quarta-feira.
Para Dolores Fastoso Amaya, do Fórum de Mulheres de Pernambuco, a defesa dos direitos das mulheres no Brasil está diretamente ligada, no atual momento político, à contestação ao governo Temer. “As políticas públicas estão sendo desmontadas e existe um aumento expressivo na violência, nos casos de estupro. Esse ato coletivo da Região Metropolitana no Recife expressa o compromisso, a vontade política de todas as militantes de estabelecer pontos em comum fundamentais para lutar contra um governo que se formou de maneira ilegítima, e não é reconhecido pelo movimento feminista”.
A organização das manifestações em Pernambuco divulgou algumas sugestões de como protestar neste 8 de março:
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Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República