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Crédito: Ricardo Stuckert
Na véspera de completar um mês dos ataques golpistas às sedes dos três poderes da República, o presidente Lula concedeu entrevista a 40 veículos da mídia independente no salão leste do primeiro andar do Palácio do Planalto, em Brasília. A Marco Zero estava presente. Não há mais vidros quebrados e estilhaços pelo chão, mas as marcas da violência continuam lá, nos tapumes de madeira que, agora, cobrem provisoriamente parte da fachada do prédio.
Por pouco mais de uma hora e meia, o presidente respondeu a uma dezena de perguntas dos jornalistas. Direta ou indiretamente, o tema principal na mesa do café da manhã com a imprensa foi a ameaça à democracia que vem do bolsonarismo raiz e truculento, mas que também tem aliados no mercado financeiro, na mídia corporativa, nas Forças Armadas e no Congresso Nacional.
O que ficou evidente é que a ameaça ao estado democrático de direito tem muitas caras, mas uma estratégia em comum: desgastar o governo Lula, minando sua agenda econômica e social.
O presidente contou um pouco como tem mobilizado sua energia política para fazer frente aos movimentos de desestabilização. O mais recente deles veio do Banco Central, agora autônomo, que manteve a taxa de juros em 13,75%, o que pode, do ponto de vista do governo, paralisar a economia e comprometer a agenda de Lula de combater a fome, gerar mais emprego e renda para os brasileiros.
O presidente do BC, Campos Neto, foi indicado por Bolsonaro e referendado pelo Senado. “Não é só meta de inflação, tem que ter meta de crescimento, senão fica um ser humano com uma perna só. Ele (Campos Neto) não deve explicações a mim, ele deve ao Congresso Nacional, que o indicou. Eu espero que o Haddad (Fernando, ministro da Fazenda) esteja vendo, esteja acompanhando, que esteja cioso pra saber o que tem que fazer”.
Lula também criticou a postura de setores do chamado “mercado”, que pressionam o governo a reduzir gastos e adotar uma política de ajuste fiscal, mas que tem pouco compromisso com as questões sociais.
“O mercado precisa ter sensibilidade. Não é só para ganhar dinheiro, mas permitir que os outros possam ganhar alguma coisa. O mercado, às vezes, fica esperando que a gente se faça confiar. Tantas vezes parece que a gente tem que pedir ao mercado: ‘goste de mim, me deixe governar, me deixa fazer as coisas para as quais eu fui eleito e a gente tem que fazer’. Temos que construir uma narrativa contrária à do mercado”.
O presidente citou nominalmente o megainvestidor Jorge Paulo Lemann, um dos maiores acionistas das Lojas Americanas, empresa acusada de fraudar os balanços e que soma um rombo de 40 bilhões de reais. “Eu as vezes fico chateado quando faço esse discurso (de investimento no social) e dizem que o mercado ficou nervoso. O mercado ficou nervoso quando o Lemann quebrou a Americanas? Deu um desfalque de 40 bilhões? Eu não vi. Mas para aumentar dois reais do salário mínimo, o mercado fica nervoso? Precisamos construir as nossas narrativas para que a gente não abra mão daquilo para o qual a gente foi eleito”, reiterou.
Uma outra frente que o presidente tem se empenhado em colocar nos eixos são as Forças Armadas. Ele contou que teve conversa com os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército e alertou que não é prudente que nenhuma instituição do Estado esteja envolvida na política, citando Forças Armadas, Ministério Público e o Itamaraty. “Não podem fazer da sua atividade privilegiada, de Estado, um partido político. Eu disse pro general (Tomás Miguel) que, lamentavelmente, o Exército de Caxias foi transformado no Exército de Bolsonaro, o que não é uma boa coisa pra esse país”.
O general Tomás deu declarações públicas, antes mesmo de ser nomeado para o comando do Exército, contrárias à politização das Forças Armadas.
Segundo o presidente Lula, as Forças Armadas aprenderam uma lição. “Se cada um ficar no seu lugar, se cada um cumprir a sua missão, esse país volta à normalidade. É para isso que eu quero contribuir no meu mandato. O Judiciário julga, o Legislativo legisla e o Executivo executa. Se cada um fizer isso, vai dar tudo certo. Se cada um quiser se meter nas coisas dos outros, não vai dar certo”.
O discurso propagado nas redes sociais contra a política e os políticos diz muito como chegamos até aqui, com o avanço do autoritarismo no Brasil, na visão de Lula. “O que nós vivemos no Brasil foi a negação da politica, dizendo que a política não presta, que todo político é ladrão, que o Congresso não presta. Mas a gente só precisa levar em conta que o Congresso de hoje é o estado de humor e a qualidade de informação que o povo tinha no dia da eleição. Não podemos ficar lamentando. Precisamos tentar consertar daqui a quatro anos outra vez”.
Questionado sobre a volta por cima que deu ao sair da prisão, reconquistar seus direitos políticos e vencer a eleição presidencial, Lula falou do passado e o quanto ele pesa agora em suas decisões políticas. “Na verdade, quando eu fui para a Polícia Federal, eu fui para provar a culpa dos meus acusadores. Provar que meus acusadores foram imorais no meu julgamento. Foram levianos no meu julgamento. Provei não só a minha inocência, mas a culpabilidade deles. Agora, vida que segue. Não vou esquecer, mas não vou colocar isso na mesa das negociações para governar o Brasil. Se você colocar na mesa esse sentimento, você não governa o Brasil. Muitos dos meus acusadores negavam a política e viraram políticos”.
Na próxima quinta-feira (9), o presidente Lula terá encontro de chefe de Estado com o presidente norte-americano Joe Biden, em Washington. Será a primeira vez que os dois se encontrarão pessoalmente desde a eleição de Lula. Um dos temas principais da pauta é a preservação do meio ambiente e a crise climática. Mas o presidente brasileiro também pretende tratar de temas que estão diretamente ligados à democracia no mundo, discutindo regulação da plataformas digitais, propagação de discursos de ódio, mentiras e desinformação nas redes sociais. Ele defende que a questão seja levada a vários fóruns internacionais, como o G-20 e os Brics (termo utilizado para designar o grupo de países de economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Lula não acredita que Biden possa pedir seu apoio para o esforço de guerra na Ucrânia porque o compromisso do Brasil é com a paz. Ele informou já ter tratado do assunto com o chanceler alemão Olaf Scholz e com o presidente francês Emamanuel Macron. “Precisamos criar um grupo dos 20 para discutir a questão da paz como tivemos o G-20 para discutir a crise econômica de 2008. Hoje não temos ninguém discutindo a paz. Os Estados Unidos não discutem a paz e a Europa toda está envolvida na guerra direta e indiretamente. Quem pode negociar a paz são os países que não estão envolvidos na guerra: China, Índia, Brasil, México. Dirigentes políticos que podem conversar com os dois lados”.
No final do café da manhã com a mídia independente, ficou a promessa do ministro da Comunicação Paulo Pimenta e do próprio Lula de que outros encontros virão e que os grupos de mídia serão convidados a participar de fóruns de debate do governo com a sociedade civil para formatar uma política de fomento ao setor.
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Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República