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Apesar das incertezas e desconfortos de ter uma doença que pode levar à morte e para a qual ainda não existe cura, pacientes e profissionais de saúde concordam que o preconceito e o estigma da doença são também grandes obstáculos a serem vencidos por quem é portador do vírus. O medo da reação da sociedade ainda faz com que muitas pessoas não façam o teste, escondam sua sorologia e, pior, não façam o tratamento.
Nos anos da década de 1980 a doença causou terror. Famosos como Cazuza, Lauro Corona e Sandra Bréa serviram de alerta para gerações. Por desconhecimento até dos próprios cientistas sobre as características da infecção, a ignorância da mídia personificou a doença: “câncer gay” ou “peste gay” foram alguns dos nomes que a epidemia recebeu, criando a falsa sensação de que a doença afetava apenas os homossexuais. “Muitos intelectuais, pessoas influentes se contaminaram nos anos 80. Eram cantores, atores, filhos de militares de alto escalão, políticos, e isso de certa forma ajudou a pressionar as autoridades a correrem atrás de tratamento. No começo não tinha nada que melhorasse a vida das pessoas. Era basicamente uma sentença de morte. Hoje há muitos avanços na medicina, mas o maior mal ainda é o preconceito”, lembra a médica infectologista Martha Romeiro.
Em todas as entrevistas feitas para essa reportagem sempre ficou claro um certo temor por parte dos entrevistados. “Tenho medo das pessoas, por saberem da minha sorologia, usarem isso contra mim. Sofri muitas violências psicológicas com meu ex-marido e as pessoas podem fazer isso contra mim, como ele fez. Por isso não quero mostrar o meu rosto”, explicou Débora. “Da minha família, só quem sabe é minha prima. Mais uns dez amigos também sabem. Tenho medo de contar às pessoas, principalmente à minha família que é muito fechada”, relata João.
O preconceito contra pessoas que vivem com HIV é tanto que a discriminação foi definida como crime através da Lei n° 12.984, de 2014, e pode levar à prisão por 1 a 4 anos e multa. O estigma faz também com que o tema não seja debatido em profundidade nas escolas. O Ministério da Educação, que deveria garantir que as escolas falassem sobre orientação sexual e gênero, retirou do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trechos que falavam sobre o respeito a orientação sexual dos demais. O Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado pelo Congresso sem o trecho que fala sobre gênero.
“Sou do tempo em que ninguém queria trabalhar com pessoas vivendo com HIV e Aids. Às vezes para ir pro médico precisava ser de camburão, porque ninguém queria me levar. Onde chegava já era meu próprio atestado de óbito. As pessoas me perguntavam o tempo todo quando era que eu ia morrer. Meu companheiro havia morrido e, no velório dele, a família dizia pra ninguém encostar no caixão porque ele tinha morrido de Aids. Ele foi enterrado num caixão cheio de cal e fechado de pregos. Aquilo me deixou traumatizado, primeiro porque eu tinha uma relação com ele e depois porque ainda não conseguia entender direito o que era esse vírus. Vi muitas pessoas de classe social elevada morrendo de Aids, assisti muitas pessoas morrerem sendo escondidas pelas famílias envergonhadas. O preconceito era tanto, que por três vezes tentei dar entrada no meu benefício e foi negado, porque ao final da entrevista dizia que tinha pego com meu companheiro, então os peritos me mandavam voltar com seis meses. Na quarta vez disse que tinha me contaminado com minha esposa que havia morrido e só assim consegui. Passei por quatro peritos para entender o preconceito que estava vivendo”
Wladimir Cardoso Reis, que vive com HIV há 24 anos
A luta por direitos e respeito é longa. Wladimir viu e vive de perto o que o vírus representa. Entendeu rapidamente que a epidemia era real, próxima e que as pessoas vivendo com HIV precisavam se apoiar uma nas outras. Era preciso criar um espaço para dialogar sobre o que era o vírus, sobre as possibilidades de tratamento e dividir um pouco as angustias. “Uma instituição começou a receber pessoas vivendo com HIV para encontros semanais. Toda semana morriam duas, três pessoas do grupo e chegavam mais cinco, seis. A Aids só crescia. A Cooperação Internacional apoiava financeiramente, mas éramos tratados como objetos de projetos que recebiam muito dinheiro internacional, não como seres humanos. Mas continuávamos a nos organizar e com o apoio de uma instituição alemã conseguimos alugar salas, estruturar e criar o GTP+ (Grupo de Trabalhos em Prevenção Positivo). Lutamos, perdemos muitos amigos mas nunca conseguimos criar políticas públicas de verdade que atendessem às pessoas vivendo com HIV. Hoje se você procurar os serviços públicos de assistência social municipal ou estadual a única coisa que você vai receber é o caixão e o lugar para enterrar. Se um cidadão quiser fazer um teste no único CTA do Recife tem que chegar às seis da manhã para tentar uma das 14 fichas”, ressalta.
O estigma faz com que mais de trinta anos depois do seu surgimento, muitas pessoas não saibam sequer diferenciar as siglas usadas para descrever o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Uma pessoa pode ser portadora do vírus HIV, por exemplo, e não ter AIDS, que se manifesta quando as células do sistema imunológico ficam tão fragilizadas que deixam o corpo vulnerável a uma série de infecções oportunistas.
A função do tratamento não é curar o vírus – infelizmente ainda não foi encontrada a cura ou vacina, mas diminuir a quantidade de vírus no corpo, fazendo com que ele deixe de se reproduzir no organismo. Com a medicação ministrada de forma correta, o sistema imunológico não é afetado e a carga viral baixa até ficar indetectável, o que leva entre dois e seis meses para a maioria dos casos. De forma mais clara, essa carga viral indetectável além de proporcionar mais conforto psicológico à pessoa que vive com o vírus, diminui em aproximadamente 95% o risco dela transmitir o HIV.
Um João
“Eu falo, mas sem aparecer meu rosto e meu nome. Tenho medo”, combinou João – nome fictício escolhido por ele para essa reportagem. Recifense, 23 anos, vive há pouco mais de dois anos com HIV. “Tinha transado com uma pessoa sem camisinha porque ela insistiu muito e acabei aceitando. Em conversas com amigos descobri que esta pessoa participava de surubas e mantinha a prática do bareback (transar sem camisinha) e resolvi fazer o teste. Vivia com dúvida mas quando vi o resultado positivo foi aquele choque. Pensei que ia morrer no outro dia. Minha primeira vontade foi subir no prédio da minha amiga e me jogar”, conta.
Nos dois anos de convívio com o vírus, ele pensou em se matar oito vezes. A falta de apoio, o medo do preconceito, os estereótipos sobre a doença ainda o atormentam, a ponto de decidir não falar para família. “Para lidar com essa vontade de tirar minha vida busquei muita informação sobre a doença, sobre os medos etc. Vi muitos sites e comecei a conhecer outras pessoas que viviam com o vírus e foi aí que vi que não era aquele bicho de sete cabeças que todo mundo falava. Passei a frequentar grupos e ver pessoas que não aparentavam ter o vírus como mães, héteros e foi totalmente diferente. Na minha cabeça, a pessoa vivendo com HIV tinha que ser magra e ter cara de doente. Pensava que só gay pegava, só magro que tinha. Inclusive, quando eu tinha 13 anos uma menina chegou em mim e disse: tu és tão magro que eu pensei que tu tinhas AIDS. Dez anos depois estou aqui, sou soropositivo”, relata.
João escapou do tratamento que inicialmente era composto por um coquetel com até dez comprimidos por dia e provocava inúmeras reações adversas. Com poucos comprimidos e sem mal estar, ele hoje está indetectável e tenta voltar à “vida normal”. “Depois que descobri o HIV passei um ano e meio sem transar. Porque achava que não podia mais confiar nas pessoas e este medo ainda é presente. Voltei a ter relacionamentos em dezembro do ano passado, mas não estou namorando. Tenho encontros e, por isso, nunca contei a ninguém. Acho desnecessário me expor para alguém que vou passar uma noite e não vou ver mais. Mas também me tranquiliza o fato de estar indetectável, porque mesmo se eu não usar preservativo, o risco de contaminar alguém é mínimo”.
“Hoje se fosse pra fazer diferente, não ia mais confiar nas pessoas e ia usar camisinha. Com a pessoa que me contaminou, transei 3 vezes sem camisinha e foi a única com quem não me preveni. Não me sinto culpado. Também não sou vítima, pois a partir do momento que eu aceitei transar sem camisinha, sabia dos riscos”, completou.
Os testes rápidos estão disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde, Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), nas ONGs Gestos e GTP+. O exame não depende de infraestrutura laboratorial, e o resultado sai em cerca de 30 minutos.
O Action é o teste de farmácia para HIV. Com o custo entre R$60 e R$70 poderá ser comprado sem receita médica. Aprovado pela Anvisa, ele demonstrou sensibilidade e efetividade de 99,9%. O produto só é capaz de indicar a presença do HIV 30 dias depois da exposição. Será preciso apenas gotas de sangue, como num teste de glicose, o resultado leva cerca de 20 minutos para ficar pronto, aparece na forma de linhas que indicam se há ou não presença do anticorpo do vírus HIV e funciona para os dois subtipos do vírus.
O Dolutegravir é o remédio mais indicado para o tratamento de HIV/Aids pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e desde o início do ano é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cerca de 100 mil pacientes estão recebendo essa droga.
Um casal soro discordante (apenas um tem o vírus) pode ter filhos com riscos mínimos de contaminação do parceiro negativo e da criança. Para isso o infectado precisa estar indetectável. Não há mais necessidade de gravidez assistida.
Contaminação vertical é quando a grávida transmite o vírus para o bebê durante a gestação (intrauterino), no parto (trabalho de parto ou no parto propriamente dito) ou pelo aleitamento materno. Sessenta e cinco porcento dos casos ocorrem durante o trabalho de parto ou no momento do parto. Pela amamentação o risco chega a 30% quando a mãe é infectada durante o período de aleitamento. Para isso não acontecer é importante que a mulher faça corretamente o pré-natal e também o teste anti-HIV logo na primeira consulta. A grávida que já vive ou acabou de descobrir o HIV deve tomar os antirretrovirais devidamente orientadas pelo infectologista. A mulher que vive com HIV não pode amamentar.
Janela imunológica é o intervalo de tempo entre a infecção pelo HIV até a primeira detecção de anticorpos anti-HIV produzidos pelo sistema de defesa do organismo. Na maioria dos casos dura 30 dias.
Não é necessariamente preciso haver penetração durante a relação sexual para se transmitir HIV. A liberação de fluidos e secreções que ocorre ainda nas preliminares também pode transmitir o vírus.
A contaminação acontece através de sexo oral, anal ou vaginal sem camisinha.
Homens que fazem sexo com homens correm 11 vezes mais risco de pegar o HIV, quando comparados com pessoas do sexo masculino que mantêm apenas relações sexuais com mulheres. Para homossexuais do sexo feminino, o risco é pequeno.
Homens e mulheres, mesmo mantendo apenas relação vaginal, o risco de contaminação é para os dois. No entanto, maior para as mulheres que para os homens.
Compartilhar agulhas e seringas aumenta o risco de contaminação. Bem como uso de objetos perfurocortantes por mais de uma pessoa.
Mãe infectada pode transmitir para o filho durante a gestação, o parto ou a amamentação.
Transfusão de sangue contaminado com o HIV.
O vírus da aids é bastante sensível ao meio externo. Estima-se que ele possa viver em torno de uma hora fora do organismo humano.
Posso me contaminar através da saliva.
Posso me contaminar abraçando, beijando ou apertando a mão de uma pessoa que vive com HIV.
Posso me contaminar através do suor de uma pessoa soropositiva.
Posso me contaminar através de copo, talheres, pratos ou roupa usados por uma pessoa que vive com HIV.
Toda pessoa que vive com HIV tem Aids.
Quem vive com HIV morre mais cedo.
Formada em Jornalismo pela Unicap. Apaixonada pela fotografia, campo que atua profissionalmente desde 1999. Atualmente é freelancer e editora de imagens do Marco Zero.