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Pernambuco está sendo invadido. Nos últimos 30 dias, foram encontrados os primeiros peixes-leão na costa do estado. Primeiro em Itamaracá, depois no naufrágio do navio Vapor Bahia, na divisa com a Paraíba. Em Fernando de Noronha, desde 2020 há avistamentos e capturas de exemplares da espécie. Mais de 150 espécimes já foram capturados por lá. Do Amapá até Pernambuco já existe a presença desse novo invasor. Já foi encontrado em todos os municípios da extensa costa de 570 quilômetros do Ceará. No Rio Grande do Norte, o peixe-leão também está presente em estuários. Pesquisadores acreditam que é uma questão de tempo até que chegue no Uruguai, descendo e ocupando toda a costa brasileira. É uma invasão perigosa, com ameaças à biodiversidade, à pesca e ao turismo.
O peixe-leão é exuberante, mas também venenoso, carnívoro e voraz. Essas “penas” que ele tem ao longo do corpo são 18 espinhos repletos de toxinas. Quem tocar nele pode ter reações como dor, febre, vermelhidão e inchaço. Até agora, há alguns poucos relatos de incidentes no Brasil. O caso mais grave foi de um pescador do Ceará de 24 anos que pisou em um peixe-leão e, por ter tido contato com vários espinhos, sofreu convulsões e precisou ser hospitalizado.
Mas é a biodiversidade marinha da costa brasileira a grande ameaçada pelo peixe exótico e invasor.
O peixe-leão reúne um extenso conjunto de características preocupantes. Chega a comer 30 peixes juvenis em apenas meia hora e não tem predador natural no Atlântico. “Eles comem tudo que passar pela boca. Encontramos um peixe de 15 centímetros, ainda muito pequeno, e ao abri-lo já havia três peixinhos menores dentro do estômago dele. Há até vídeo de peixe-leão morrendo sufocado porque tentou comer um peixe maior do que ele”, conta a bióloga Gislaine Lima, pesquisadora do Projeto Conservação Recifal (PCR), entidade que está atuando na captura e capacitação sobre o peixe-leão.
Ele também se reproduz rapidamente. Uma fêmea é capaz de colocar 2 milhões de ovos ao ano. Vive por até 15 anos e pode ultrapassar os 45 centímetros. É extremamente adaptável a quase todo ambiente marinho: com muita ou pouca salinidade, águas frias e águas mais quentes, águas rasas ou profundas. Mais de 300 peixes-leão já foram encontrados no Nordeste em aproximadamente um ano.
O pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará, Marcelo Soares, tem se dedicado a estudar o peixe-leão no Brasil. Ele falou com a Marco Zero quando estava as Ilhas Virgens Americanas, no Caribe, onde foi aprender como os países da região lidam com esse peixe, que é uma espécie invasora por lá há 20 anos. Para ele, não tem mais como o Brasil se livrar do peixe-leão. É uma bioinvasão considerada rápida e eficiente. O necessário agora é fazer um controle dessa população. E com urgência.
“Entre eliminar o peixe-leão e deixar ele se proliferar livremente há um espaço enorme. É um peixe que ocupa já uma área gigantesca, pelo menos oito estados, do Amapá a Pernambuco. Não é mais possível erradicá-lo. Mas há um termo científico que usamos que é “erradicação funcional”, que é deixar poucos animais no ambiente para que não haja impacto na pesca nem na biodiversidade. Porque uma coisa são cinco animais invasores, outra coisa são 200”, explica o pesquisador.
O que vira notícia, como as capturas em Itamaracá e no Vapor Bahia, são a ponta do iceberg, diz Marcelo Soares. Isso porque esses peixes podem se reproduzir em profundidades de até 200 metros. E também porque as informação sobre esse peixe ainda são pouco difundidas entre os pescadores. “Muitas vezes vamos em alguma comunidade pesqueira para fazer a capacitação e os pescadores já viram ou pescaram o peixe-leão. Ele já é encontrado em todos os municípios do litoral do Ceará, por exemplo”, diz Marcelo.
Se no começo da pesquisa do Labomar, há cerca de um ano, os exemplares capturados eram pequenos, com menos de 15cm, hoje os que são encontrados no Ceará chegam a 28cm. “Ou seja, eles estão crescendo, estão se alimentando e se reproduzindo – a partir dos 18cm já encontramos fêmeas com ovos. Em Noronha já foram capturados exemplares com 35cm”, alerta Marcelo.
O que tem sido feito com certo sucesso no Caribe é a pesca ininterrupta do peixe-leão para conter o aumento da população. “É algo que aqui é feito nas unidades de conservação e, verdade seja dita, também está sendo feito nas unidades do Brasil. Mas é preciso ampliar, fazer muito mais”, afirma.
O peixe-leão tem como habitat natural o Pacífico Sul e o oceano Índico, principalmente no Mar Vermelho. É um peixe que costuma habitar corais. No seu local de origem, a população é controlada, já que ele possui predadores naturais, como algumas espécies de tubarão, garoupas, moréias e barracudas.
Acontece que no oceano Atlântico ou não há esses predadores em quantidade suficiente – as garoupas, por exemplo, estão ameaçadas de extinção – ou eles não reconhecem o peixe-leão como presa, como é o caso dos tubarões.
Em Honduras, um projeto em 2010 tentou “ensinar” os tubarões locais a comer os peixes-leão, já que são animais resistentes à toxina dele. Para tentar incluir o peixe-leão na dieta dos tubarões, mergulhadores davam a presa na boca do predador, com o uso de arpões, como documentado pela revista The National Georgraphic. Cuba e Belize também tentaram essa abordagem. “Não teve muito resultado”, diz a bióloga Gislaine Lima. E ainda há o perigo dos tubarões associarem os mergulhadores a “garçons”, como mostrou o The Washington Post.
O primeiro registro do peixe-leão no Atlântico foi na Flórida, nos Estados Unidos, ainda nos anos 1980. Mas foi só no começo dos anos 2000 que a espécie virou uma invasora nas Américas. A hipótese mais provável é que ele chegou ao mar do Caribe por meio de peixes que viviam em aquários e foram jogados de propósito ou acidentalmente no mar. Um episódio que pode ter fortalecido a disseminação do intruso foi um furacão que passou pelas Bahamas em 2003 e destruiu um enorme aquário de um resort, levando os peixes ao mar. Em 2010 já foram encontrados peixes-leão no caribe da Venezuela. De lá, o peixe foi “descendo”.
No Brasil, o primeiro registro foi em Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro, em 2015, mas acredita-se que foi um caso isolado, de despejo no mar de exemplares de aquário, sem maiores consequências. Foi só a partir do final de 2020 que os avistamentos começaram em Fernando de Noronha e no Pará.
A foz do rio Amazonas, entre os estados do Amapá e Pará, é considerada a porta de entrada do peixe-leão no Brasil. “Há alguns anos foi descoberto que existem recifes de corais submersos que chegam a até 125 metros de profundidade na foz do Amazonas. O peixe-leão habita corais, onde fica camuflado, esperando as presas passarem sem vê-lo. Ele pode ter usado esses corais na foz do rio como plataforma para se reproduzir e então se expandir pelo Norte e Nordeste”, afirma Marcelo Soares.
Em lugares onde o fundo do mar é arenoso, os invasores têm se aproveitado das marambaias, que são armadilhas fixas feitas por pescadores para criar uma espécie de recife artificial para os peixes. “Os pescadores afundam carros velhos, como kombis, pneus, tonéis de óleo e de pesticidas, geladeiras, entre outras estruturas, no fundo do mar arenoso e aos poucos vai se criando ali um ambiente que atrai os peixes. Depois eles vão lá e caçam esses peixes”, explica o pesquisador.
As marambaias estão assim funcionando como uma estrada para o peixe-leão: os invasores vão de marambaias em marambaias se reproduzindo e comendo os peixes, moluscos e crustáceos que encontram nessas armadilhas, o que também prejudica as comunidades pesqueiras. Uma pesquisa do Labomar, da UFC, identificou que 58% dos peixes-leão capturados no Brasil estavam em marambaias.
Por conta das correntezas, os pesquisadores acreditam que o peixe-leão vai chegar com certa facilidade até a costa uruguaia.
Há vários tipos de peixe-leão, mas, apesar do estudo genético ainda não estar concluído, acredita-se que a invasão brasileira seja de duas espécies: o vermelho, de nome científico Pterois volitans, e o peixe-leão-comum (Pterois miles). “Em mais ou menos um mês deveremos ter esse teste genético pronto”, informa Marcelo Soares.
Nas primeiras aparições na costa nordestina, em maio do ano passado, os peixes-leão foram encontrados em áreas distantes do continente. Em menos de um ano, ele se aproximou bastante: já foi encontrado em estuários – os berçários da vida marinha – e na praia de Paracuru, no Ceará, pescadores capturaram o peixe-leão na beira-mar, em um curral de pesca.
A invasão tem espantado os pesquisadores pela rapidez. Em julho de 2022 os primeiros peixes-leão foram encontrados no Rio Grande do Norte. Foi em Tibau, perto da divisa com o Ceará. “Desde então, ele só tem se expandido, aparecendo também em Areia Branca e Porto do Mangue. Aparecem quase sempre nas marambaias, onde vão em busca de alimentos e onde se reproduzem”, explica a pesquisadora Emanuelle Rabelo, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).
Menos de cinco meses após a primeira captura em marambaias, que costumam ficar em alto mar, o peixe-leão foi avistado na comunidade de Diogo Lopes, na cidade de Macau, dentro dos recintos de reabilitação do projeto peixe-boi. “Tem um cercadinho dentro do rio onde ficam os peixes-boi que são encontrados encalhados. Eles ficam lá um tempo para se reabilitar, antes de voltarem para o mar. E foi lá onde pelo menos dois peixes-leão foram encontrados, em uma profundidade bem pequena, inferior a 2 metros”, conta a pesquisadora.
Felizmente, nenhum peixe-boi foi machucado pelos espinhos do peixe-leão. “Como o peixe-boi é um animal de comportamento mais lento, dócil, pode ser que um incidente aconteça, caso o peixe-leão comece a se reproduzir dentro dos recintos ou apareça em uma quantidade grande. Como ele é venenoso, pode machucar o peixe-boi.”, diz.
A presença de peixe-leão em estuários é ainda mais preocupante do que em alto mar. “Os estuários são locais de onde muitos pescadores tiram seu sustento. E há um impacto direto, com maior possibilidade de acidentes com seres humanos – os pescadores não têm proteção para lidar com esse peixe. O outro problema é ambiental. O peixe-leão se alimenta de espécimes juvenis de peixes que são importantes. Se ele começar a se reproduzir muito, ele pode comprometer a biodiversidade dos peixes nativos. E, de quebra, ainda vão prejudicar a pesca. É uma ameaça para o meio ambiente, para a pesca e diretamente para o ser humano, por conta dos acidentes”, elenca Emanuelle Rabelo.
No Caribe, a ocorrência de peixe-leão em estuários não é muito comum. Por aqui, além do Rio Grande do Norte, ele também já foi encontrado em estuários do Piauí e do Ceará. Há pelo menos duas hipóteses que podem explicar esse comportamento. “Algo que pode estar influenciando é a maré, que é mais forte no Brasil, e acaba levando naturalmente os peixes para os estuários. Outra coisa é que o Nordeste tem muitos rios barrados, com barragens, por conta do clima semi-árido. E essas barragens favorecem para que os rios fiquem mais salinos, o que pode deixar os estuários do Nordeste mais suscetíveis à invasão do peixe-leão”, explica Marcelo Soares.
Por ora, a indicação para os pescadores que acharem um peixe-leão é, se possível, capturá-lo com cuidado, pegando pela boca, evitando os espinhos venenosos. O peixe-leão não deve ser devolvido ao mar: deve ser refrigerado e o pescador deve entrar em contato com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) mais próximo. Na costa de Pernambuco o telefone É (81) 3676-1166. Em Fernando de Noronha, (81) 3619-1156.
Banhistas, mergulhadores e turistas que avistarem um peixe-leão não devem se aproximar. Além de venenoso, são peixes territorialistas e não se assustam nem fogem de humanos, o que favorece a ocorrência de incidentes. Em caso de contato com os espinhos, a recomendação é passar água quente no local afetado, o que dificulta a ação do veneno, e procurar atendimento médico.
Avistamentos do peixe-leão no Brasil também podem ser encaminhados por meio do Sistema de Informação de Manejo de Fauna (Simaf), utilizado para registro de espécies exóticas invasoras no país. https://simaf.ibama.gov.br/
Por enquanto, a captura do peixe-leão na costa está sendo para fins científicos. Há várias perguntas que ainda precisam ser respondidas, como quais peixes eles estão comendo mais no nosso litoral, se os peixes de Fernando de Noronha e os da costa têm a mesma origem, se estão aptos ou não para consumo, entre outras.
No Caribe, o peixe-leão é usado em souvenirs, como chaveiros e bijuterias. É também uma iguaria. A priori, é um peixe que pode ser consumido pelos humanos, mas é preciso saber como fazer o corte correto dos espinhos venenosos.
Como a maioria dos exemplares é encontrada em marambaias, há também um receio dos pesquisadores de que eles possam estar contaminados por substâncias tóxicas. “Muitas marambaias são feitas com pneus e tonéis de pesticidas, de gasolina. É preciso que o Governo Federal, por meio do Ibama, faça a avaliação e a normativa desse peixe para consumo humano”, explica a bióloga Gislaine Lima.
Outras definições que ainda estão pendentes é sobre a caça do peixe-leão. No Brasil, não é permitido pescar de arpão em mergulhos com cilindro em áreas de proteção ambiental. Com a proliferação do peixe-leão em Noronha, A ONG PCR conseguiu uma licença especial do Ibama para esse tipo de pesca, que é importante para controlar o peixe, pois é mais rápida, eficiente e segura.
São as universidades e organizações não governamentais, ao lado do ICM-BIO em áreas de proteção ambiental, que estão fazendo o trabalho de capacitação e pesquisa. É um trabalho com pouco ou nenhum financiamento que precisa ser estendido e reforçado. Há também a necessidade de uma coordenação a nível nacional, já que é um problema que atinge, hoje, oito estados.
É junto aos pescadores que os pesquisadores acreditam que o controle populacional do peixe-leão vai ser mais eficaz. “Precisamos de apoio das prefeituras, dos governos estaduais e do Governo Federal. Estamos muitas vezes trabalhando por conta própria. Os pescadores precisam de apoio para a captura e de equipamentos de proteção, porque eles não podem pescar com o que já têm, que é muito precário. Precisam de apoio financeiro para capturar esses animais com segurança e ajudar a controlar as populações”, afirma Emanuelle Rabelo.
Em nota à Marco Zero, o Ibama afirmou que a invasão biológica é um tema complexo e que as ações devem ser tomadas por um conjunto de instituições. “A literatura científica aponta que o início de uma invasão biológica é o momento mais favorável para o estabelecimento de programas de detecção e controle. Quanto maior a população da espécie invasora em águas nacionais, que cresce em grande velocidade na ausência de predadores naturais, mais complexas e custosas são as medidas de enfrentamento”, afirma o Ibama, na nota.
Para enfrentar o problema, o Ibama diz estar adotando as seguintes medidas:
“1 – Proibição da importação desses animais para qualquer finalidade;
2 – Edição da Portaria Ibama nº 102/2022 (Anexo III), que proíbe a importação de 05 espécies do gênero Pterois: Pterois antennata, Pterois miles, Pterois radiata, Pterois sphex e Pterois volitans;
3 – Criação, em 2022, de Grupo de Trabalho (GT) com as seguintes finalidades:
I – Formular proposta de ato normativo sobre manejo do peixe-leão, Pterois spp.;
II – Articular junto a órgãos de meio ambiente e a pesquisadores especialistas em espécies exóticas invasoras a produção de subsídios para trabalhos do GT;
III – Reunir informações e documentos técnicos sobre temas como biologia, dinâmica populacional e dados de pesca e comércio sobre a espécie; e
IV – Discutir plano de ação emergencial para enfrentamento da bioinvasão;”
O Ibama também informou que está previsto para este primeiro semestre um workshop nacional sobre a bioinvasão do peixe-leão. E que as Superintendências do Ibama no Ceará e no Rio Grande do Norte estão participando de reuniões locais que discutem a problemática do peixe-leão.
Em Pernambuco, a Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha está elaborando junto à Agência CPRH um plano de ação conjunta para o controle e o monitoramento do peixe-leão. O governo estadual também lançou, por meio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), um edital para projetos de pesquisa sobre o peixe-leão, com valores de até R$200 mil por projeto. As inscrições vão até 23 de abril.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org