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Terminou em impasse a reunião de advogados e representantes da comunidade Pocotó com a Prefeitura do Recife. Segundo os advogados ouvidos pela Marco Zero, o Poder Municipal ofereceu R$ 1.500,00 parcelados em três vezes de R$ 500,00 para cada família que deixar a casa na laje do túnel Augusto Lucena, em Boa Viagem. Alguns dos moradores notificados pela Justiça residem no local há 15 anos.
A advogada do MTST Pernambuco, Cecília Gomes, criticou a proposta porque ela não garante o direito à moradia das famílias. “Eles queriam pagar R$ 1.000,00 em duas vezes e depois fizeram a proposta dos R$ 1.500,00. Alegam que não existem recursos orçamentários para realocar os moradores para casas em outra área. Mas não podemos esquecer que essa mesma Prefeitura tem R$ 20 milhões para gastar com publicidade”.
Diante do impasse, uma nova reunião foi marcada para a próxima segunda-feira (25). Segundo os moradores que conversaram com a reportagem da Marco Zero na semana passada, o aluguel de um barraco na região não sai por menos de R$ 400,00 por mês. O dinheiro oferecido pela Prefeitura garantiria apenas três meses de abrigo portanto.
No início da noite, a Prefeitura divulgou nota sem citar a proposta feita aos moradores e reforçando o argumento de que as casas estão comprometendo a estrutura do túnel. “No encontro, a Prefeitura do Recife voltou a tratar da pauta dos moradores e esclarecer a necessidade da remoção das famílias, dado o risco que as famílias correm permanecendo no local”, diz a nota.
A Prefeitura aproveitou a oportunidade para reiterar que a decisão de retirada dos moradores foi respaldada pela Justiça. “Na comunidade, onze famílias são alvo de uma ação judicial para desocupar a área. A ação é decorrente de laudos da Dircon e Defesa Civil, os quais atestam que as construções, totalmente irregulares, foram edificadas em cima do túnel, em local inapropriado e não projetado para receber qualquer tipo de edificação. A Justiça decidiu pela desocupação da parte de cima do túnel no último dia 4 de setembro. O despejo das famílias depende da notificação dos citados por parte da Justiça”.
A proposta do auxílio de R$ 1.500,00 foi duramente criticada pelo MTST de Pernambuco, que soltou nota na quinta-feira (21). “Considerando as 42 casas que seriam removidas, o valor total da negociação seria de R$ 63 mil, isso não representa, por exemplo, a quantia de 1 unidade do Programa Minha Casa, Minha Vida …para a faixa 1 (para famílias que recebem de 0 a 3 salários mínimos). É urgente que o Prefeito, Geraldo Júlio, entenda a necessidade de tratar a questão da moradia como política pública. Pois, a situação de risco não é produzida pelas famílias, que pela necessidade de morar, ocupam uma área inadequada. Esse risco é fruto da falta de uma política que garanta a moradia como direito fundamental”.
O MTST defende uma solução negociada que garanta a moradia para os moradores do Pocotó. “Soluções existem e de baixo custo. Desapropriar um imóvel abandonado com elevadas dívidas de imposto, identificar área pública na qual as famílias possam construir, etc. O que não dá é despejar e jogar as famílias para outro lugar. O problema é a falta de moradia, não as famílias trabalhadoras”, afirma a nota. Segundo o MTST, 70 mil famílias não têm o direito à moradia garantido no Recife e 5 mil delas recebem auxílio-moradia de R$ 200,00 da Prefeitura, tendo que complementar com renda própria o pagamento do aluguel.
A reunião desta terça-feira só aconteceu porque na quinta-feira (14) os moradores decidiram protestar contra a ameaça de despejo. Eles fecharam por mais de uma hora a Avenida Ernesto de Paula Santos forçando a abertura do diálogo por parte da Prefeitura.
Onze dos moradores são citados em ação demolitória requerida pela Prefeitura junto à 3a Vara da Fazenda Pública da Capital. Cinco deles já foram notificados pela Justiça. O prazo de três dias para a saída voluntária passa a contar a partir da notificação dos outros seis moradores. Caso eles não sejam localizados, a citação pode ser feita via publicação no Diário Oficial. Segundo os advogados do MTST, a Prefeitura se negou a retirar a ação. Informou apenas que não faria nenhum movimento para a retirada dos moradores até eles estarem cadastrados para receberem os R$ 1.500,00.
Esse dinheiro nem chega perto dos R$ 9 mil que Jamelina Lindalva do Nascimento, 46 anos, gastou no começo do ano para transformar os barracos de madeira dela e da filha Jaqueline em casas de alvenaria. Jamelina (foto), que mora com quatro netos pequenos, vive na laje do túnel Augusto Lucena há 15 anos. No começo de 2017 acertou sua saída do trabalho de empregada doméstica e fez a obra com o dinheiro que juntou do FGTS e da indenização. “Vou dizer uma coisa pro senhor, tô tomando remédio de depressão. Não consigo parar de pensar no dinheiro que juntei e gastei aqui, sabendo que agora posso perder tudo. Tô sem dormir”.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República