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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
por Jeniffer Oliveira
A convivência com o futuro incerto faz parte da realidade dos comerciantes e moradores da praia de Maria Farinha, próximo a região da Mata da Poty, no litoral norte de Pernambuco. Hoje, existem cerca de 60 imóveis, entre moradias e comércios, que, desde março de 2021, tiveram seus negócios impactados com o fechamento do portão do terreno que ligava a Av. Dr. Cláudio José Gueiros Leite à praia, inicialmente fechado para o público geral e, em 2022, fechado definitivamente também para moradores.
Elzir Severina, 51 anos, é proprietária do bar da Bibi, e iniciou o negócio pouco antes da pandemia começar. A reportagem da Marco Zero esteve no local e havia apenas uma mesa ocupada com clientes, mesmo durante a semana, o movimento costumava ser diferente. “E agora, depois que derrubaram o bar do Sabiá, bar de Dinho e o bar de dona Dira, eu não tenho esperança nenhuma, não”, lamenta.
Os bares citados foram um dos primeiros a ocuparem a região, há cerca de 40 anos. No bar de dona Jurandira de Melo, de 71 anos, em tempos de bom movimento havia reforço dos funcionários para dar conta da alta demanda, no entanto, essa realidade mudou nos últimos anos. “Em um dia de domingo eu vendi 14 reais, com dois funcionários. Então eu tive que parar”, lembra. O bar iniciou o funcionamento em 1987 e ficou até 2022, no último mês, foi demolido sem aviso prévio. Hoje, ela trabalha no bar em que o filho é dono, também na praia de Maria Farinha.
Por causa desse baixo fluxo de clientes, Elisabete Domingos, de 56 anos, precisou mudar o formato de funcionamento do seu bar. Moradora e comerciante da área há 14 anos, agora só abre o comércio na alta temporada, a partir do mês de setembro. “Não vale a pena eu disputar dois, três fregueses. Ali na frente ainda enche que é perto da única entrada que tem, né? Aí, pra cá fica tudo morto”, relata. É com essa realidade que o grupo de moradores, tentam há anos, conseguir a permanência e requalificação da orla com a reabertura dos acessos.
A Prefeitura de Paulista alega que existe uma “sentença de um juiz federal que determinou, desde a gestão anterior, que fossem retiradas as barracas que estavam de forma irregular e sem autorização em uma área que pertence a Superintendência de Patrimônio da União (SPU)”. E que, “como foi causa ganha por parte do Governo Federal, que é proprietário da área, não existe indenização”.
Karina Agra, representante da resistência dos ocupantes de Maria Farinha, afirma que hoje existe um processo em curso, assistido pela Defensoria Pública da União, que busca pela permanência no local e, caso não aconteça, uma indenização justa. “A prefeitura ofereceu inicialmente um valor pra gente sair de lá. Sendo que o valor era muito irrisório, de 5 mil reais”, pontua.
Todo esse impasse acontece em paralelo com a confirmação da construção de um complexo hoteleiro e imobiliário de alto padrão que vai ser realizado pelo Grupo Votorantim, como divulgado pelo site oficial da prefeitura de Paulista. Segundo a publicação, “a estimativa é de que o empreendimento deverá gerar cerca de 3 mil empregos e impactar a região economicamente, trazendo outras grandes atividades ligadas ao setor”.
De acordo com a multinacional, o projeto promoverá desenvolvimento, geração de empregos diretos e indiretos e de renda e fomento ao turismo no município. Mas, assim como a gestão municipal, não especifica como, e se, a população desta comunidade vai ser apoiada diretamente. Questionados sobre os acessos fechados, o grupo afirma que “futuramente, quando as obras para o empreendimento iniciarem, novas vias públicas de acesso qualificado à praia serão abertas”.
Além dos impactos socioeconômicos e de moradia que o complexo imobiliário e hoteleiro pode causar aos moradores da ocupação dos portões de Maria Farinha, existe uma preocupação com as consequências que o empreendimento pode trazer à biodiversidade. A propriedade do Grupo Votorantim possui mais de dois hectares e uma grande área verde, que vai da fábrica de cimentos Poty até a beira-mar.
Por se tratar de uma área remanescente de mata atlântica, com uma grande biodiversidade entre o Rio Timbó e o oceano atlântico, no local, segundo o coletivo Salve Maria Farinha, existem ao menos dez cenários geológicos diferentes, com biomas, espécies e características específicas. “A gente já prevê que vai ser uma grande perda na fauna, porque o barulho, a própria convivência das pessoas ali, vai expulsar essas espécies, né?”, afirma o ambientalista e ativista do coletivo, Fernando Macedo.
Na própria fábrica da Poty, por exemplo, que fica às margens de um manguezal, a movimentação intensa no local há anos, já reflete na vida animal. “A gente atualmente já observa um grande número desses animais mortos em torno dessas áreas tentando atravessar ali a pista”, reforça. A falta de informações de como o projeto vai ser executado também preocupa. “O projeto não está tendo transparência em discutir com a sociedade, em ter uma audiência pública para ouvir os moradores do entorno ou os que vão ser afetados”, pontua Fernando.
De acordo com o grupo, “a sustentabilidade é a preocupação presente desde a concepção do projeto” do empreendimento que terá aproximadamente 400 mil metros quadrados de área. Entre as ações planejadas estão a “qualificação dos espaços públicos, com abertura de novas vias e praças, que devem facilitar o acesso de todos à praia, bem como amplos espaços verdes e conexão ao Parque Municipal do Acarau”.
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