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Conhecidas nacionalmente pelo Carnaval inclusivo e popular, as cidades de Recife e Olinda vêem crescer a cada ano os megaeventos privados com cobrança de ingressos que chegam a até R$ 600,00 por dia e apresentam, em muitos casos, atrações musicais nacionais sem qualquer identidade cultural com o Carnaval pernambucano. Em comum a todos esses eventos, o imenso aparato de promoção e o persistente déficit de transparência.
Se os temas da descaracterização e da elitização do Carnaval no estado são muito pouco debatidos, uma outra questão relevante tem passado ao largo de qualquer discussão pública: a cessão de espaços públicos a empresas privadas para a exploração econômica no período de Momo.
Em 2018, dois megaeventos vão ocupar a área pública do Memorial Arcoverde, no Complexo de Salgadinho, durante o Carnaval: o Carvalheira na Ladeira e o Camarote Olinda. Os dois funcionavam até o ano passado em espaços privados da Avenida Olinda, no Varadouro. A mudança de local serviu para ampliar a capacidade de público e o consequente faturamento das duas iniciativas.
Durante uma semana, a reportagem da Marco Zero Conteúdo pediu informações à assessoria de comunicação da Secretaria de Turismo de Pernambuco sobre a cessão do terreno do Memorial e não recebeu qualquer dado.
Solicitamos os termos dos contratos de cessão, a data de assinatura, o período de vigência, com quais empresas especificamente foram celebrados e quais as contrapartidas financeiras e de outros tipos que esses entes privados ficarão obrigados pela utilização do espaço público.
A assessoria de comunicação informou que havia preparado uma nota oficial para encaminhar à Marco Zero, mas que não tinha conseguido submeter o seu conteúdo à aprovação do secretário Felipe Carreras seis dias após a solicitação. Pedimos uma entrevista com o secretário. Sem sucesso.
A solução foi buscar as informações no Diário Oficial do Estado, mas não encontramos qualquer menção à cessão das áreas nas edições de dezembro, janeiro e começo de fevereiro.
Essa não é a primeira vez que tentamos jogar luz sobre esse tema. No Carnaval de 2017 discutimos a ocupação dos espaços públicos por empresas privadas no desfile do Galo da Madrugada e pelo Camarote Parador, que funciona na área não operacional do Porto do Recife, e também no entorno do palco principal no Marco Zero (centro do Recife).
Parte das informações que deveriam nos ter sido repassadas pelo Governo do Estado foram fornecidas pelo empresário Eduardo Carvalheira, que recebeu a reportagem da Marco Zero na quarta-feira (31) nas instalações do Carvalheira na Ladeira, no Complexo de Salgadinho.
Eduardo disse que firmou contrato de cessão do terreno com a Empetur (assinado pelo gerente geral comercial da empresa pública Antônio Carlos Cavalcanti de Farias) no início de janeiro com vigência de 40 dias. Segundo afirmou, está pagando R$ 325 mil pelo “aluguel” de uma área de 12,6 mil metros quadrados, “mais ISS e taxas”.
Questionado sobre o faturamento dos cinco dias de evento, o empresário dessa vez não falou em valores : “Vamos faturar menos do que merecemos por tudo o que estamos promovendo aqui”. A conta é alta, afinal, serão pelo menos 8 mil pessoas por dia acompanhando os shows.
A poucos dias do início do Carnaval os ingressos para o Carvalheira na Ladeira estavam sendo vendidos online por R$ 350,00 e R$ 600,00 para cada dia. O espaço vai apresentar vinte shows no palco principal entre a sexta-feira (9) e a terça-feira (13). Entre as atrações de fora estão Pablo Vittar, Simone e Simaria, Saulo, Latino, entre outros.
No Camarote Olinda os shows acontecerão entre os dias 11 e 13 e os ingressos estavam sendo vendidos na semana pré-carnavalesca por R$ 320,00 e R$ 600,00. Pisarão no palco Wesley Safadão, Léo Santana, Alok, Henrique e Juliano e mais seis artistas nacionais.
Eduardo Carvalheira explicou que, além do pagamento, está realizando uma série de melhorias no local de instalação do Carvalheira na Ladeira, como o desentupimento das canaletas, a limpeza e retirada de entulhos acumulados (já teria recolhido mais de 100 toneladas), lavagem e pintura em áreas do entorno (de parte inferior do viaduto que passa sobre o Memorial e da passarela), e o plantio de 23 mudas de ipês roxos, brancos e amarelos. “Vamos deixar um legado para a Empetur. O lugar vai estar muito mais qualificado para a realização de outros eventos”.
Na sexta-feira (2), a Marco Zero visitou as instalações do Camarote Olinda, tentou contato com os organizadores do evento e passou as demandas de entrevista para a assessoria de comunicação, mas não tivemos retorno. Comandam o Camarote Olinda os produtores Carlitos Asfora, Dodi Teixeira, Felipe Lucena, Eduardo Campello e Guilherme Pitt.
A área do Memorial Arcoverde faz parte do entorno do Sítio do Patrimônio Histórico de Olinda e por isso a sua utilização para eventos privados precisa de autorização do Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, segundo definido na portaria número 026/2015. O pedido para realização do evento deve ser protocolado na Secretaria de Patrimônio e Cultura com 30 dias de antecedência.
Após o recebimento de toda a documentação requerida, uma equipe multidisciplinar, composta por Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Iphan, Crea/Cau e secretarias da Fazenda, Administração, Planejamento e Controle Urbano, Patrimônio e Cultura, deve fazer uma vistoria técnica ao local. Vistoria que teria ocorrido na quinta-feira, 25 de janeiro.
Na prática, o processo tem a coordenação da Secretaria de Meio Ambiente Urbano e Natural da Prefeitura de Olinda. A reportagem recebeu de integrantes da Secretaria explicações gerais sobre os procedimentos regidos pela Lei 5.603/2001 (Lei do Carnaval), alterada em 2015, mas não teve respondidas as indagações sobre as datas em que foram protocolados os pedidos de autorizações de funcionamento dos eventos no Memorial e da aprovação desses pedidos pelo Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda, a Secretaria tampouco respondeu se as autorizações não deveriam anteceder a assinatura dos contratos.
Além do Carvalheira na Ladeira e do Camarote Olinda, outros dois megaeventos privados vão movimentar o Carnaval no eixo Recife-Olinda: o Camarote Parador, na região não operacional do Porto do Recife, também área pública concedida aos organizadores, e o Carnaval Boa Viagem, no Pina, no terreno que fica na Avenida Antônio de Góes ao lado do JCPM, com produção do empresário Bruno Rêgo.
O maior de todos os eventos, na semana pré-carnavalesca, é o Olinda Beer, que esse ano juntou milhares de pessoas na área do estacionamento do Centro de Convenções no domingo, 4 de fevereiro. Em sua 21ª edição, o Olinda Beer é uma criação do produtor Augusto Acioli e do atual secretário estadual de Turismo de Pernambuco, Felipe Carreras.
Durante a entrevista concedida à reportagem da Marco Zero, o empresário Eduardo Carvalheira aproveitou a oportunidade para mostrar os documentos com as solicitações de autorização para ocupar o Memorial encaminhados por ele para a CPRH, o Iphan e a Secretaria de Meio Ambiente Urbano e Natural da Prefeitura de Olinda ainda em novembro de 2017.
Questionado se a iniciativa de promover um megaevento fechado no caminho da entrada de Olinda não comprometeria o sentido do Carnaval popular e inclusivo da cidade, Carvalheira foi enfático: “Vivemos em um Estado Democrático de Direito. Não há qualquer prejuízo das nossas instalações para o Carnaval nas ladeiras de Olinda”.
Ele vê o empreendimento como propagador da cultura pernambucana. “Sou a atividade cultural privada que mais promove o Carnaval para a juventude. Quarenta e cinco por cento do nosso público é de turistas. Trazemos artistas de fora, mas também vão subir no nosso palco Alceu Valença, Maestro Spock, Maestro Forró, Elba Ramalho, Silvério Pessoa. Quem vem de fora é apresentado a tudo isso e vai divulgar nos seus estados de origem tudo o que viu e curtiu aqui”.
Ele contratou o curador Guilherme Patriota para selecionar outras 20 atrações locais que vão se apresentar no palco principal e em espaços alternativos dentro do Camarote. A lista inclui apresentações do Papangú de Bezerros, dos Caretas de Triunfo, Banda de Pífano de Caruaru, Caiporas de Pesqueira e mais Cavalo Marinho, Maracatus e Bonecos Gigantes de Olinda.
“As pessoas procuram o Carvalheira porque querem ver as atrações, conhecer nossa cultura, mas querem fazer isso com conforto e segurança. É claro que isso tem um custo, beneficia uma classe social. Mas essa é a regra do mercado. E eles têm a opção de vir para cá ou para as ladeiras de Olinda. Muitos, inclusive, vêm para o Carvalheira, mas também brincam o Carnaval em Olinda”.
Para a professora de pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE, Norma Lacerda, a falta de transparência das autoridades compromete o acompanhamento que a população deveria fazer do uso dos espaços públicos da cidade, especialmente quando estes espaços são cedidos à iniciativa privada. “Eles têm a obrigação de repassar esses dados. Têm que tornar claras para a sociedade quais são as regras do jogo, se tinham outras empresas interessadas nesses espaços, como é calculado o valor (financeiro) de uso, se esse valor é uma cota-parte do faturamento. Tudo isso tem que ser divulgado”.
Por ter a mesma compreensão da professora, a reportagem da Marco Zero Conteúdo vai solicitar todas as informações sobre a cessão de espaços públicos no Carnaval de Recife e de Olinda ao Governo do Estado e às duas prefeituras por meio da Lei de Acesso à Informação. A Lei 12.527/2011 permite a qualquer pessoa, física ou jurídica, solicitar informações a órgãos e entidades públicas. A lei vale para os três Poderes da União, estados, Distrito Federal e municípios, incluindo tribunais de contas e Ministério Público.
Licitação para cessão de espaços públicos é revogada
No dia 6 de janeiro um aviso de licitação publicado no Diário Oficial do Estado parecia que ia finalmente tornar mais transparente a cessão de espaços públicos a empresas privadas para a exploração econômica no período de Carnaval. Três terrenos iriam a leilão no dia 22 de janeiro na modalidade pregão presencial. O principal deles, na área da Fábrica Tacaruna, com mais de 23.265,62 metros quadrados, tinha lance mínimo de R$ 74.400,00 . O aviso era assinado pela pregoeira Marcela Magalhães de Freitas.
Mas em 18 de janeiro, uma nova publicação no Diário Oficial tirava do pregão os outros dois terrenos que também tinham sido colocados à disposição para cessão onerosa: quatro casarões de números 670, 680, 690 e 700, na Avenida Sigismundo Gonçalves, no Carmo, em Olinda, com área de 886,79 metros quadrados e lance mínimo de R$ 8.650,00; e um espaço de 1.498,56 metros quadros na Praça Sérgio Loreto, com lance mínimo de R$ 10.200,00. A revogação era assinada pelo gerente Geral de Planejamento e Gestão da Secretaria Estadual de Administração, Daniel Bastos de Castro. No mesmo dia 18, o Diário Oficial trazia nova data para o pregão presencial do terreno do Memorial: 31 de janeiro.
Dois dias depois, em 20 de janeiro, a licitação foi completamente cancelada com a revogação da cessão onerosa do terreno da Fábrica Tacaruna.
A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com a assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual de Administração questionando as razões da anulação do edital, se os terrenos seriam cedidos a empresas por outra modalidade e quais as contrapartidas exigidas pelo Poder Público? A Secretaria informou, por meio de nota, que os pregões dos terrenos “foram revogados devido às solicitações das prefeituras do Recife e de Olinda para a exploração dos mesmos durante o período de Carnaval”. Explicava ainda que o espaço da praça Sérgio Loreto seria disponibilizado à imprensa para a cobertura do Galo.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República