Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Vacina do Butantan contra gripe aviária será testada em Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo

Maria Carolina Santos / 08/04/2025
Foto de uma mão humana segurando um pequeno vidro de vacina com rótulo branco e verde, enquatro outra mão segura a seringa usada para extrair o liquido de dentro do recipiente.

Crédito: Cristine Rochol/PMPA

Se houvesse uma bolsa de apostas para qual será a doença responsável pela próxima pandemia, a gripe aviária estaria lá no topo da preferência dos apostadores. Nas últimas três décadas, o vírus apareceu em aves em todos os continentes. De 2021 para cá, há uma pandemia entre animais, com o vírus matando aves, felinos, vacas, focas e até golfinhos. Já é considerado um dos maiores surtos virais entre animais de que se há conhecimento.

Entre humanos, o primeiro caso foi descrito em 1997 em Hong Kong. O “pulo” do vírus para humanos se repetiu na Ásia e na Europa nos anos seguintes. Desde então, diversas variações do vírus da gripe aviária, como o H9N2, H7N3, H5N6 e o H7N9, ocorreram em surtos com infecções em humanos, com diferentes graus de gravidade da doença e de mortalidade.

No último ano, os casos em humanos aumentaram. Desde fevereiro de 2024 foram detectados 70 casos de gripe aviária em humanos nos EUA, com uma morte registrada. Reino Unido e México também registraram casos neste ano. Por ora, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica a gripe aviária como de baixo risco para a população em geral e de baixo para moderado risco para quem trabalha com animais em países onde a fauna foi atingida.

A circulação da doença entre humanos ainda está controlada porque o vírus não tem a capacidade de passar de uma pessoa para outra. Todos os infectados, até agora, foram pessoas que trabalhavam ou tiveram contato direto com animais infectados.

Quando, ou se, ocorrer uma mutação no vírus no qual ele consiga passar de uma pessoa para outra, há poucas dúvidas de que ele se espalhará rapidamente pelo mundo, provocando uma nova pandemia. Uma facilidade para o espalhamento é que o reservatório dele é em aves silvestres e migratórias, que percorrem grandes distâncias, como o maçarico, que sai do Canadá até a Ilha de Itamaracá todos os anos. Nas aves, o vírus atinge o estômago e o intestino, sendo liberado pelas fezes, conseguindo assim contaminar outras espécies.

Mas, ao contrário da covid-19, pode ser que dessa vez os países estejam mais preparados para uma pandemia. Como, biologicamente, é um vírus muito próximo da Influenza A, a mesma técnica de vacinas usada para a vacina da gripe humana, pode ser usada para a da gripe aviária. A dificuldade são as mutações. Hoje, acredita-se que três cepas mais perigosas tenham uma probabilidade maior de fazer a mutação para passar de humano para humano, que são a H5N1, H5N8 e H7N9.

Assim, laboratórios estão ou se preparando ou já produzindo vacinas para humanos contra essas cepas. Nos Estados Unidos, com o aumento de casos no gado, está sendo feita também a vacinação massiva de trabalhadores rurais contra a gripe sazonal, que embora não ofereça proteção contra a gripe aviária, reduz o risco dos trabalhadores serem infectados pelos dois vírus ao mesmo tempo, o que facilita as mutações.

Foto de dezenas ou centenas de galinhas mortas, com suas penas sujas amontoadas em criatório ou granja. Há uma galinha ainda viva, porém bastante magra, em pé, equilibrando-se sobre as outras aves. Ao fundo, o criatório é delimitado por uma parede branca e uma tela.

Gripe aviária matou aves silvestres ou de criação em todo o mundo

Crédito: Roee Shpernik

Reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) como livre da influenza aviária, o Brasil não tem registro da doença em aves em crianção comercial, apenas em aves silvestres (163 casos, desde 2023) e de substistência, com três focos.

Apesar da relativa calmaria no Brasil, o Instituto Butantan já começou a desenvolver uma vacina contra a gripe aviária, usando a variante H5N8. “É a mesma variante que o CDC, dos EUA, escolheu para desenvolver a vacina deles também”, explica o pesquisador Rafael Dhalia, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz-PE). A diferença está na tecnologia: enquanto a norte-americana é baseada em RNA, mais cara, a do Butantan é de vírus inativado. “É a mesma tecnologia da vacina da gripe comum. É mais barata e dá pra produzir em maior escala. Para a realidade do Brasil é a melhor opção”, diz Dhalia, que está liderando o estudo em Pernambuco para o desenvolvimento da vacina, ao lado de Carlos Brito, do Plátano Centro de Pesquisas Clínicas.

Testes de nova vacina no Recife

Após a aprovação da Anvisa, prevista para ainda este semestre, a candidata para ser a primeira vacina brasileira contra a gripe aviária em humanos entrará na fase de testes clínicos. A expectativa é de que 700 voluntários participem dos testes nos estados de Pernambuco, Minas Gerais e São Paulo, entre dois grupos etários (18-59 anos e 60+).

A primeira fase avaliará a segurança e a eficácia imunológica da nova vacina. Os participantes receberão duas doses da vacina ou do placebo, com intervalo de 21 dias entre as aplicações. Apenas um em cada sete voluntários receberá o placebo.

Os voluntários serão acompanhados durante os sete meses seguintes, com exames para avaliar a segurança e a eficácia imunológica do imunizante. Os testes incluirão ainda uma triagem inicial com exames bioquímicos, hematológicos e sorológicos que serão realizados no Real Hospital Português, e análise de imunidade celular da vacina, que será conduzida na Fiocruz Pernambuco. Como é um vírus que não circula no Brasil, é por meio desses testes que os pesquisadores vão avaliar a eficácia da vacina.

“A tecnologia é a mesmíssima da vacina da gripe comum que tem no posto de saúde. A diferença é que a cepa que está sendo usada é uma cepa de gripe aviária. A questão da eficácia a gente vai avaliar agora, mas quando falamos de segurança é importante dizer que é uma tecnologia já usada há mais de 30 anos no mundo todo e que o Butantan tem a expertise, produzindo há mais de 20 anos as vacinas de gripe para o SUS. A diferença é que em vez de usar as cepas de influenza A e B que usamos hoje, vai ser usado apenas a H5N8 da gripe aviária”, explica Dhalia.

Se tudo der certo, a vacina pode ser desenvolvida rapidamente, em cerca de um ano. E, ainda que não tenha muitas doses, pode ser usada para conter surtos. “Se aparecer surtos em humanos, pode ser utilizada como cinturão em volta, com a finalidade de contenção de surto, para evitar uma pandemia”, diz o pesquisador da Fiocruz.

Os interessados em realizar a pré-inscrição para se voluntariar devem acessar o link: https://forms.office.com/r/kBXB5misc4.

Na imagem, vemos uma pessoa em um ambiente de laboratório vestida com um jaleco branco, luvas azuis e uma touca de proteção. Ela está sentada em frente a uma cabine de biossegurança, um equipamento ventilado usado para proteger tanto o usuário quanto o ambiente contra patógenos. Dentro da cabine, há vários materiais de laboratório, como frascos com tampas laranjas, pipetas e outros equipamentos. A pessoa parece estar manipulando ou preparando amostras, possivelmente para um experimento ou análise.

Expectativa é que 700 voluntários participem dos testes

Crédito: Instituto Butantan
AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org