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por Tereza Amorim*
Se antes o machismo era coisa de tiozão no churrasco, hoje ele vem de boné aba reta, com fone no ouvido e vídeo no TikTok. Sim, vivemos a era do machismo 5G: mais rápido, mais jovem e alimentado por inteligência artificial. A misoginia não envelheceu – ela rejuvenesceu. E com estética gamer.
A pesquisadora britânica Laura Bates, fundadora do projeto Everyday Sexism, vem gritando no meio da rave digital: pela primeira vez na história, os mais jovens são mais machistas do que seus pais e avôs.
Repito: meninos de 14 anos têm hoje mais noções retrógradas sobre mulheres do que os velhos pracinhas brasileiros que lutaram a Batalha de Monte Castelo,há80anos
Não se trata de uma geração naturalmente misógina – ninguém nasce odiando. Mas quando você entrega um celular a um adolescente e ele, em menos de 30 minutos de navegação, é servido com vídeos que ensinam a “destruir o ego de uma mulher para que ela rasteje aos seus pés”, algo está podre no reino do algoritmo.
As redes sociais deixaram de ser vitrines da vida alheia para se tornarem usinas de radicalização afetiva. E tudo isso com um plano de negócios por trás. Um estudo do NetLab/UFRJ, em parceria com o Ministério das Mulheres já no ano passado, mapeou 137 canais no YouTube que pregam o ódio feminino entre 2018 e 2024. Juntos, somam 3,9 bilhões de visualizações. Bilhões. Isso não é um “caso isolado”. Isso é uma indústria.
E que indústria! Cursos misóginos por R$ 2 mil, consultorias de masculinidade por R$ 1 mil, vídeos ao vivo arrecadando R$ 68 mil – tudo em nome de “ensinar o macho moderno a não ser enganado por uma gorda feminista histérica”. A misoginia virou um negócio tão lucrativo quanto isento de impostos e de culpa.
As big techs, claro, lavam as mãos como Pilatos do Vale do Silício. O TikTok jura que remove 98% dos conteúdos nocivos antes de qualquer denúncia. A Meta (dona do Instagram, Facebook e WhatsApp) diz que investiu mais de US$30 bilhões em segurança nos últimos 10 anos. E a gente responde com um sonoro: “senta lá, Cláudia.”
A pornografia não consensual ganhou upgrade tecnológico. Aplicativos com nome fofo, disponíveis na Apple Store e Google Play, permitem que qualquer foto pública de uma mulher seja “despida” por inteligência artificial. Em segundos. O produto? Uma imagem hiper-realista da pessoa nua, usada para humilhação, chantagem, vingança.
É o estupro digital do século XXI, disfarçado de brincadeira.
A própria IA, usada por 40% das empresas britânicas em processos seletivos (dados citados por Bates), já apresenta vieses de gênero no recrutamento, concessão de crédito e até na saúde. O que não deveria discriminar ninguém, aprendeu com os dados históricos o velho hábito de deixar mulheres por último na fila.
A distopia já chegou – só que está vestida com camiseta de podcast, microfone de lapela e um bordão alpha male na bio.
Crédito: Inácio França e Leonardo AI/Marco Zero Conteúdo
Enquanto isso, governos seguem fingindo que não viram. Falam em “liberdade de expressão”, mas se acovardam diante dos trilhões que essas plataformas movimentam. Regular as redes sociais virou tarefa de Hércules em meio à Bolsa de Valores. Afinal, quem tem coragem de puxar o fio do dinheiro que sai das propagandas e entra direto na conta de quem ensina meninos a odiar meninas?
Regular pra quê, né? Melhor deixar como está, com meninas fechando suas DMs por assédio, mulheres abandonando as redes por exaustão emocional, e garotos adoecendo mentalmente dentro de um modelo de masculinidade que proíbe qualquer lágrima que não seja de raiva.
Há um discurso recorrente – e covarde – de que o feminismo alienou os homens. O que aliena os meninos, na verdade, são os youtubers ressentidos, os coaches do apocalipse afetivo e os vendedores de pílulas vermelhas que prometem um mundo em que eles mandam e as mulheres obedecem. Homens que gritam “eu sou o prêmio” enquanto vendem e-books de R$ 150 para aprender a mandar emojis frios como técnica de sedução.
Enquanto isso, os verdadeiros modelos positivos de masculinidade – os que choram, cuidam, compartilham e respeitam – não rendem clique, não viralizam e não vendem curso.
Não estamos diante de um problema digital. Estamos diante de um modelo de sociedade que terceirizou a educação emocional de meninos para plataformas que lucram com o ódio.
A pergunta é: até quando vamos fingir que é “só internet”? Porque cada “like” em conteúdo machista é um tijolo na construção de uma cultura que, no mundo real, violenta, assedia, exclui e mata.
E o que estamos construindo hoje, com nossos cliques, será o país onde nossas filhas – e filhos – vão viver amanhã.
*Tereza Amorim é jornalista e analista de discurso político, com especialização em neurociência cognitiva e neuropolítica.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.