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Marco Mondaini*
Em março de 2014, por ocasião de uma mesa-redonda cujo tema era os 50 anos do Golpe Militar de 1964, fui perguntado por um estudante sobre a possibilidade de um novo golpe de Estado no Brasil. Respondi, então, que ele poderia dormir tranquilo, pois tal possibilidade era praticamente inexistente em função da força dos setores progressistas da sociedade civil brasileira. Fui adiante e completei a resposta à pergunta do aluno dizendo que, se houvesse um golpe militar no país, este teria as mesmas características do Golpe Militar de 1973, no Chile, liderado pelo general Augusto Pinochet contra o governo socialista encabeçado pelo presidente da república Salvador Allende – ou seja, um golpe militar marcado por níveis elevadíssimos de violência política, aliados à completa barbárie social.
Passados quatro anos daquela mesa-redonda, reconheço que minha resposta ao estudante não tem mais a menor base de sustentação, por dois conjuntos de fatores. Por um lado, desde as manifestações que tomaram conta do país clamando pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff até a greve/locaute dos caminhoneiros que paralisa o país no momento em que escrevo essas linhas, passando pelos atos em defesa da prisão do ex-presidente Lula, crescem de maneira ininterrupta três dos inúmeros elementos aparentes que marcam a emergência de um golpe de Estado, a saber: 1) denúncias ininterruptas contra agentes públicos por parte das grandes corporações midiáticas capitalistas; 2) tomada das ruas por amplos setores das camadas médias tradicionais vestindo as cores verde e amarelo; 3) pronunciamentos cirúrgicos de militares de alta patente em momentos de tomada de decisões vitais pelos poderes constituídos. Todos estes tendo como ponto de convergência a inconformidade com a corrupção da elite política e governantes em geral, a defesa do retorno da ordem e da paz sociais perdidas e (na condição de bode expiatório nunca esquecido) o ódio/medo ao/do comunismo.
Por outro lado, a força dos setores progressistas da sociedade civil brasileira, que emergiu no bojo das lutas pela democratização do país durante as décadas de 1970 e 1980, diluiu-se na primeira década do século XXI ao mesmo tempo que os índices de aprovação e popularidade dos dois governos do presidente Lula batiam no teto. Dito de outra forma, enquanto as forças de governo democrático-populares avançavam, as forças sociais democrático-populares (talvez, com as exceções do MST e, em maior escala, do MTST) recuavam.
Dito isso, cogito a possibilidade de que esteja em curso no Brasil um “golpe de Estado de novo tipo”, um “golpe de Estado permanente”, que possui as suas origens na virada ocorrida em meio aos protestos de junho de 2013. Novo não porque midiático-jurídico-parlamentar – ou melhor, novo não porque apenas midiático-juridico-parlamentar -, mas sim por colocar à disposição das forças sociais e políticas autoritárias e conservadoras um campo ampliado de instituições e poderes, em momentos diversos da trama golpista, como se fossem atos de uma peça de teatro que nunca chega à sua apoteose final, não obstante o fechamento das cortinas.
Assim, vimos acompanhando no intervalo de três longos anos a um “golpe de Estado permanente” que, até o presente momento, retirou do Palácio do Planalto uma presidente eleita, empossou um vice-presidente que participou da trama de tal retirada, prendeu um ex-presidente eleito favorito às próximas eleições, além de ter realizado uma intervenção militar localizada num importante estado da federação. Mas, ao que parece, a trama golpista está longe de ter chegado ao seu fim e aquilo que, nos idos de 2014, parecia impossível, ganha cada vez mais ares de verossimilhança: o cancelamento das eleições diretas de outubro de 2018, seja por meio de um processo eleitoral indireto ou, para a nossa completa desgraça social e política, através de uma intervenção militar que – a depender dos clamores dos caminhoneiros apoiadores do ex-capitão do exército que lidera as últimas pesquisas de intenção de voto – terá um caráter generalizado e, a depender das reações a ela, brutal.
* Historiador, Professor do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco.
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.