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Em que tipo de empreendimento um casal formado por uma delegada da Polícia Civil e um coronel da Polícia Militar decidiu investir depois que ela se aposentou e ele foi para a reserva?
1. Empresa de vigilância privada;
2. Clube de tiro;
3. Cursinho para jovens interessados em prestar concurso para a polícia;
4. Loja de armas;
5. Livraria especializada em literatura universal e autores de esquerda, com exposições de arte e debates sobre temas progressistas.
Se você não escolheu a última opção, preferindo as mais óbvias, lamento informar: você se precipitou.
Na contramão dos estereótipos dos profissionais de segurança e da realidade do mercado editorial brasileiro, a delegada Rita de Cássia Valença e o coronel Givanildo dos Santos apostaram no interesse dos caruaruenses em ler clássicos, literatura contemporânea e ensaios sobre a revolução proletária.
Sejamos sinceros, quem escolheu a opção “1” acertou parcialmente.
O coronel Givanildo é dono de uma empresa de “gerenciamento de riscos” que já funcionava no mesmo prédio em que a Livraria Cultural foi instalada em maio deste ano. A decisão de abrir um estabelecimento que funcionasse como espaço cultural foi de Rita, recém-aposentada: “revisitei muito o meu passado, percebi que queria algo completamente diferente de lidar com violência e crime. Sempre que pensava em abrir uma empresa ou negócio, a primeira palavra que me vinha à mente eram os livros”.
Em dois pavimentos, o térreo e um mezanino, a loja do casal de policiais está longe de ser uma megalivraria como a falida Cultura do Paço Alfândega, principal referência de Rita de Cássia. Mesmo assim, tem dois pavimentos, o térreo e o mezanino o que, convenhamos, parece imensa para uma cidade como Caruaru.
Espalhadas pela loja, há homenagens a livreiros e produtores culturais, com destaque para Tarcísio Pereira, o criador da famosa Livro 7. “Não o conheci pessoalmente, mas admiramos muito o legado dele”, admite a delegada, que, na juventude, pensou em cursar Biblioteconomia antes de optar por Direito.
O mais surpreendente é o conteúdo de suas prateleiras. Logo na entrada, há um espaço dedicado a livros que tratam de revoluções populares: soviética, sandinista, zapatista, vietnamita, cubana ou a comuna de Paris.
Entre as estantes ou por trás do balcão da cafeteria, a proprietária circula com seu boné verde-oliva com bandeirinha de Cuba e estrela vermelha. “O livro ainda é uma das formas mais potentes de resistência, de educação e de cuidado com o outro. A livraria é o meu jeito de contribuir para um mundo mais consciente e sensível”, explica a delegada.
O posicionamento da esposa, expresso na decoração e no acervo para que nenhum cliente tenha dúvidas, não incomoda o coronel Givanildo, um oficial que já foi comandante do batalhão de policiamento de Caruaru. “Partilhamos com grande força o pensamento político social, e isso, tornou mais prazeroso realizar em conjunto a construção deste ambiente de livros”, resumiu Givanildo.
“Muitos colegas esperavam que eu abrisse um clube de tiro, mas fizemos um clube de livros”. Givanildo é bom em frases de efeito, como se confirmará mais adiante.
E o público ainda compra livros? Em Caruaru não falta clientela, garante Givanildo. “Desde o início o movimento nos surpreende positivamente, não sei se é porque havia uma carência desse tipo de estabelecimento aqui na cidade, mas nosso resultado de vendas está ótimo, não temos do que reclamar”, explica o coronel da reserva e livreiro iniciante.
Segundo o casal, um dos trunfos do empreendimento é o modelo de negócios adotado. “Não é só uma livraria, é um espaço cultural, um ponto de encontro, um ambiente para pequenos eventos”, explica Rita de Cássia. Segundo ela, o desafio é manter o público interessado: “este é um trabalho permanente, as atividades precisam ser bem pensadas para que as pessoas sintam prazer em descobrir o quanto a leitura e o conhecimento podem ser fascinantes”.
Os livros que vão parar nas estantes são escolhidos sob critérios inegociáveis. Inflexíveis mesmo. “Nosso acervo é voltado à filosofia, história do mundo, história do Brasil, antropologia, psicologia e literatura”, explica a delegada, ressalvando que é preciso energia para conter as editoras que tentam empurrar apenas os gêneros que vendem milhões.
Bem humorado, seu marido faz a lista dos gêneros que, de jeito nenhum, são vendidos na Cultural: “não trabalhamos com livros de autoajuda, coach, pseudociência e dogmas religiosos!”
Jornalista e escritor. É o diretor de conteúdo da MZ.