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A dor que não pode se repetir: isolado na UTI aos 11 anos

Marco Zero Conteúdo / 26/07/2020

Crédito: IMIP

por Amy Gusmão*

Ano Solar 1978 d.c, o ano em que a meningite assolou. Eu tinha 11 anos. E fiquei isolado em um hospital, foram quase 30 dias entre a vida e a morte. Mas, graças a Deus,  tive a chance de recomeçar. Sinto que Ele me disse “vai garoto, viva a vida, mas não escutarás o som do mundo, apenas o som do seu coração”. E assim foi. Eu fiquei surdo. Hoje,  amo esse silêncio cheio de sons do meu coração.

Na UTI, lembro quando acordei: primeiro veio uma grande luz e, como uma página em branco, a vida começou a desenhar os objetos. Vi os equipamentos, como também meu braço recebendo soro. Era noite quando acordei e meu primeiro pensamento foi “Cadê mamãe? Cadê papai?”. Não havia ninguém ao meu lado, apenas a solidão me olhava.

Não lembro quanto tempo demorou para a enfermeira aparecer. Da UTI, fui para uma enfermaria de um hospital público, onde fui muito bem cuidado. Mas a questão não é essa: a questão é ter 11 anos, acordar para a vida e seus pais não estarem ao lado; a questão é passar horas e horas sozinho, apenas com os aparelhos ao seu lado,cercado por pessoas que você não conhece.

Hoje, sou pai e não esqueço essa experiência de ficar noites com as luzes da enfermaria acessa, vendo gente ao meu lado fechar os olhos e virar estrelas. Ali, meu céu era um teto branco de hospital. Naquela idade não conseguia compreender a ausência dos meus amados pais – onde eles estavam? Porque não vinham me ver? O que eu fizera para eles me deixarem ali sozinho?

A ausência fraterna da família era o que me causava a maior dor. Criança, não conseguia compreender tudo o que acontencia, o que se passava comigo. A solidão do hospital, por mais atenção que você receba dos enfermeiros e médicos nunca vai substituir a essência do amor dos pais.

Eu, que tive muitos medos, que chorei muitas noites, que me senti sozinho mesmo com todo o carinho da equipe médica, sou absolutamente contrário a volta às aulas em qualquer parte  do mundo, de qualquer lugar do infinito, em plena pandemia.

Não quero para meus filhos nem para qualquer criança, filho ou filha de qualquer pessoa, a experiência que eu vivenciei. Não sei se teria o tanto de amor e de paciência que meus pais tiveram. E foi por esse amor que segui adiante e me tornou o que sou hoje.

*Administrador de empresas e servidor público federal

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