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A posse de Paulo Câmara entre o discurso e a realidade

Mariama Correia / 02/01/2019

Com os olhos do país voltados para a posse presidencial em Brasília, a recondução do governador Paulo Câmara (PSB) ao cargo, em Pernambuco, nesta terça-feira (1) chamou pouca atenção. Menos para o grupo de jornalistas que recebeu a missão de cobrir o evento, como a primeira pauta de 2019. Espremidos na pequena área reservada à imprensa no Plenário da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), nós, jornalistas não tivemos muito do que reclamar. Afinal, fomos melhor tratados do que nossos companheiros de profissão que viveram um verdadeiro dia de cão no Palácio do Planalto. Ainda assim, o discurso tão requentado quanto o resto da ceia de réveillon do governador pernambucano também não trouxe esperanças na virada do ano.

Acontece que entre a preleção de Câmara e a realidade do estado há um abismo. Por exemplo, ao insistir na abordagem de que “Pernambuco tem a melhor educação pública do Ensino Médio do Brasil”, como reforçou em seu discurso de posse, o chefe do executivo estadual esquece a crise que deixou 35 cidades sem merenda escolar em Pernambuco no fim deste ano, em razão de débitos do Governo do Estado com a empresa Casa de Farinha. E como discutir qualidade de ensino enquanto os estudantes passam fome?

As dívidas do estado com fornecedores, como a Casa de Farinha, alias, são assuntos evitados pela gestão estadual, que chegou ao fim de 2018 com mais de R$ 1 bilhão de débitos liquidados (ou seja, reconhecidos) ainda não pagos. Quando perguntado sobre o assunto, Paulo Câmara foi evasivo:  “O balanço já fechou?”, questionou, evitando uma resposta clara sobre o plano do governo para quitar as pendências e equilibrar as contas, considerando inclusive o esforço extra que promessas da sua campanha como o décimo terceiro do Bolsa Família vão impor às contas públicas no próximo ano.

Em vez de esclarecer assuntos não resolvidos do mandato anterior, Paulo Câmara preferiu insistir na propaganda. Falou do desempenho de Pernambuco no ranking nacional da Folha de S. Paulo e do Instituto DataFolha, que elegeu o estado como o único eficiente na gestão pública fora do eixo Sul-Sudeste no ano passado. “Pernambuco fez mais com menos”, disse, repetindo um velho mantra de campanha. Mas deixou em aberto, por exemplo, quanto se economizará com a reforma administrativa que fundiu algumas de suas secretarias (eram 27 e passaram a ser 22).

Na posse, Câmara ainda exaltou o reconhecimento pela gestão transparente concedido pelo Ministério da Transparência e da Controladoria Geral da União (CGU). De forma contraditória, contudo, no ano passado o governo estadual extinguiu a Decasp – Delegacia de Polícia de Crimes contra a Administração e Serviços Públicos. O órgão investigava 1,6 mil inquéritos contra políticos e servidores estaduais suspeitos de corrupção, inclusive um processo que envolve desvios de verbas da merenda escolar com a empresa Casa de Farinha. A Decasp foi substituída pelo Departamento de Repressão ao Crime Organizado (Draco), o que rendeu críticas ao governo pelo risco da perda de foco no combate à corrupção.

Em seu discurso, o governador ainda ressaltou a “maior efetividade do Programa Pacto Pela Vida”. “No último mês de dezembro completamos 13 meses consecutivos de redução no número de homicídios. Em 2018, registramos uma queda próxima a 24% nos Crimes Violentos Letais Intencionais comparando com o mesmo período de 2017″, disse.  Nao abordou, contudo, o número de feminicídios, que subiu 50% em novembro de 2018, na comparação com novembro de 2017. No saldo do ano, até novembro, o crescimento foi de 3% ante ao mesmo período de 2017.

Isso sem falar da política de segurança pública em Pernambuco, que guarda outras contradições. A precariedade dos serviços e do tratamento da gestão com os profissionais da área são exemplos. “Metade das delegacias estão com aluguéis atrasados, os policiais não têm armamento suficiente, nem coletes. Não recebemos adicional noturno e temos salários defasados”, denunciou Áureo Cisneiros, presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE). Ele foi notificado de sua exoneração pelo Estado recentemente. O Sinpol-PE e militantes do PSOL e do PSTU protestaram contra a saída do sindicalista durante a posse de Paulo Câmara, mas foram impedidos pelos agentes do esquema de segurança de se aproximarem do local da solenidade.

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Manifestantes foram bloqueados por esquema de segurança

Os agentes também impediram os jornalistas de transitarem entre o protesto e o local de posse, que ocupavam trechos da Rua da União, em frente à Alepe. Era preciso fazer o contorno a pé pela Rua da Aurora para falar com os manifestantes. Áureo, que foi candidato a deputado estadual pelo PSOL, vê perseguição política na sua exoneração, que, segundo ele, teria sido relacionada à processos administrativos ligados à sua atividade sindical. “O governo quer calar o sindicato, mas isso não vai nos amordaçar. Já começamos 2019 dizendo a Paulo Câmara que nós não vamos permitir essa conduta”, argumentou. (leia as notas da Corregedoria e do Sinpol no fim desta reportagem)

“A gente não pode admitir que um governo socialista, que tem o S no nome, persiga trabalhadores do movimento sindical. Ele está sendo perseguido por denunciar a falência do Pacto Pela Vida. O feminicídio aumenta, a violência aumenta. A gente não tem como negar a situação”, criticou Daniele Portela, que foi candidata ao Governo do Estado pelo PSOL.

Representatividade

Em um dia em que o líder maior da nação foi conduzido ao poder sustentado por um discurso machista, que se reproduz inclusive na ínfima participação feminina em seu governo – apenas duas mulheres entre os 22 ministros, a posse da primeira vice-governadora eleita em Pernambuco foi um alento. Luciana Santos (PCdoB) chegou à Alepe acompanhada da filha Luana, de seis anos. “Quero fazer jus à essa tradição de combatividade das mulheres pernambucanas”, disse sobre a sua chegada ao cargo, que representa um avanço histórico.

Luciana foi empossada por uma mesa formada por sete homens, entre parlamentares e autoridades. Não discursou. A conquista dela é motivo de comemoração, embora não apague o fato de que apenas três das 22 secretarias são ocupadas por mulheres. Apenas uma é ocupada por um negro.

Oposição ou não?

A posse de Câmara aconteceu no mesmo horário do evento no Palácio do Planalto, às 15h. Em seu discurso, o governador de Pernambuco, que venceu às eleições se aliando à campanha de Fernando Haddad (PT) suscitou o “caráter historicamente irredento de Pernambuco, que jamais admitiu submissão”. “Apoiaremos as decisões que beneficiem Pernambuco e o Nordeste, a exemplo de obras complementares da Transposição do São Francisco e da Transnordestina, mas seremos contra inciativas como a privatização da Chesf”, disse de forma contundente.

No fim da cerimônia, entretanto, adotou um tom mais diplomático. “Temos uma capacidade de diálogo, de tirar projetos do papel. Vamos fazer com a devida cordialidade, o devido diálogo e a busca pelos interesses de Pernambuco”, comentou, provavelmente porque sabe que precisará do apoio financeiro do Governo Federal durante seu próximo mandato. Desse modo, deixou em aberto qual será a real postura de seu governo em relação à gestão de Jair Bolsonaro (PSL).

Caso Áureo Cisneiros

Nota da SDS

A Secretaria de Defesa Social respeita o livre exercício de manifestação, e reafirma que o amplo direito de defesa é garantido em todos os processos disciplinares. É importante esclarecer que esses processos, conduzidos pela Corregedoria Geral da SDS de forma técnica e imparcial, investigam a atuação de servidores enquanto policiais, respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa. Não há, no trabalho da Corregedoria, qualquer juízo de valor político, apenas o cumprimento da legislação e regimentos das corporações. Quanto a Áureo Cisneiros Luna Filho, a SDS informa que ele já foi responsabilizado em sete processos disciplinares e, atualmente, responde a três outros. Um deles por contumácia, quando o servidor insiste em descumprir normas da administração pública, mesmo após já ter sido penalizado. Também ressaltamos, neste momento, o amplo investimento realizado pelo Governo na Segurança, resultando em queda – pelo terceiro mês consecutivo em 2018 – dos índices de homicídios, roubos, furtos e outros tipos de violência. No mês passado, por exemplo, Pernambuco registrou o menor número de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) em um período de 19 meses. Em fevereiro, a Polícia Civil recebeu o reforço de 1.241 servidores. Com isso, as delegacias do Estado passaram a contar com uma equipe completa, incluindo delegados titulares, agentes e escrivães. Além disso, foram criadas nove Delegacias de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) e houve renovação da frota da operativa.

Nota do Sinpol

Foi com surpresa e indignação que o Sindicato dos Policiais Civis de Pernambuco (Sinpol-PE) recebeu a notícia de que o Governo do Estado deu um consistente passo para consolidar a demissão do presidente da entidade, Áureo Cisneiros. Através de uma notificação, o governo informou que o processo que averiguava uma suposta contumácia (práticas reiteradas de faltas funcionais) foi finalizado, tendo a Comissão processante entendido por sua DEMISSÃO, faltando apenas a assinatura do governador.

É importante frisar que o vice-presidente do Sinpol, Rafael Cavalcanti, também está respondendo a um processo de contumácia pelos mesmos fatos. Ao todo são mais de 40 processos administrativos instaurados contra a diretoria do Sinpol. Isso evidencia uma perseguição sistemática à entidade que representa os Policiais Civis de Pernambuco. Com essa atitude o Governo está descumprindo acordo firmado com o Sinpol em 2016, quando os Policiais decidiram encerrar uma greve a partir do compromisso assumido pelo próprio governo, entre eles o de anistiar todos os processos administrativos relativos à atividade sindical que envolvessem a diretoria e sua categoria. O pedido de demissão se ampara no conceito de contumácia, que pune o servidor pela repetição de infrações no exercício da função policial. A Corregedoria deveria servir apenas para apurar as condutas dos servidores enquanto policiais. Áureo e Rafael estão afastados, por Ato do Próprio Estado, dessas funções, estando exclusivamente dedicados a atividade sindical como representantes dos trabalhadores policiais civis. Como se não fosse suficiente, o Governo vem a público, através de uma nota, mentir descaradamente ao povo pernambucano, afirmando que os processos que sustentam a contumácia são em decorrência de faltas no cumprimento de seus respectivos deveres policiais. São 25 processos administrativos ajuizados contra Áureo e Rafael, TODOS em decorrência de estrita atividade sindical em defesa dos interesses dos policiais civis e da sociedade pernambucana, vítimas do descontrole da violência. Todo esse absurdo configura um flagrante atentado a liberdade sindical e ao espírito republicano que espera-se de nossos governantes. O uso político de instrumentos regulatórios, como a Corregedoria da SDS, é característica de regimes de excessão, que cremos e esperamos não ser o caso de Pernambuco. Diferente do Governo, que tenta confundir o povo através de falácias, expomos a seguir todos os processos que fundamentaram o pedido de demissão, bem como a Proposta do Acordo no qual o Governo se compromete a arquivar todos os Processos Administrativos supracitados, além do Diário Oficial onde consta a dispensa de Áureo e sua diretoria para exercício da atividade sindical. PAD n° 10.101.1003.00104/2013.1.1 Áureo ainda não era Presidente do SINPOL, mas estava em pleno exercício de cobrar a correta autuação dos servidores da Polícia Civil de Pernambuco, onde verificou a ausência injustificadas de vários Delegados de suas delegacias nas cidades da Mata Norte. Para sua surpresa foi punido e a ausência dos delegados não foi devidamente apurada/investigada. PAD n° 10.101.1003.00044/2015.1.1 Atuação sindical, reivindicando melhores condições para os policiais que atuam nas operações de repressão qualificada (ORQ’s), como: pagamento antecipado de diárias, colete e munição atualizados, intervalo de descanso antes e depois de realização das referidas ORQ’s. PAD n° 10.101.1022.00025/2016.1.1 Atuação sindical, quando Áureo , nos dias 03 e 04 de março de 2015 adentrou no IML Recife para verificar as condições estruturais, a partir de denúncias recebidas que Policiais perderam a visão e contraíram doenças infectocontagiosas. A Corregedoria alegou invasão do IML e que Áureo veiculou imagens e fotografias através da imprensa local. PAD n° 10.101.1022.00019/2016.1.1 Atuação sindical, onde Áureo e João Rafael adentraram nas dependências do IML Recife em 06/07/2015 para verificar denúncia de usurpação de função pública, onde pessoas não policiais civis estavam realizando exames de corpo de delito e outras perícias. A Corregedoria alegou que os mesmos invadiram o IML, causando tumulto e paralisação das atividades. PAD n° 10.101.1022.00020/2016.1.1 Atuação sindical, onde Áureo realizou protesto em frente à sede da FIEPE, cobrou explicações sobre denúncias de corrupção e superfaturamento envolvendo a construção da Arena Pernambuco. Na época a Polícia Federal deflagrou a Operação Fair Play para apurar as denúncias. PAD n° 10.101.1022.00016/2016.1.1 Atuação sindical, onde os Imputados estiveram em em 26/05/2015 para verificar as condições precárias de trabalho apresentadas pelo IML/SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) de Caruaru/PE, onde denúncias apontavam para problemas de usurpações de função e de higiene que comprometiam a saúde de policiais e da população em geral.    

AUTOR
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Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).