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A variante delta chegou. E agora?

Maria Carolina Santos / 30/07/2021

Crédito: Daniel Roberts / Pixabay

A variante delta surgiu ao mundo com imagens chocantes de uma Índia arrasada pelo coronavírus. A delta foi devastadora por lá: em uma população ainda não vacinada, quase triplicou as mortes entre abril e maio. Nas últimas semanas, a variante fez com que países com populações em sua maioria vacinadas retrocedessem nas etapas de reabertura. Os Estados Unidos, por exemplo, voltaram a recomendar o uso de máscaras em ambientes fechados, mesmo para vacinados.

Nesta semana, mais evidências preocupantes. Um relatório interno do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês) vazou com alguns dados: a variante é mais transmissível que a gripe comum e a varíola. É tão transmissível quanto a catapora. Se o vírus original partia de um R0 (a capacidade média de transmissão) de 3, a delta dobra e pode ultrapassar esse número. Um único infectado pode, em média, infectar de 6 a 8 outras pessoas, se não tomar as medidas de prevenção.

O relatório diz ainda que a delta “provavelmente causa doenças mais severas”. Pessoas não vacinadas são às mais vulneráveis à variante, mas mesmo as duas doses das vacinas de mRNA, as mais eficazes, podem não ser capazes de segurar a capacidade de transmissão da delta, ainda que não cause doença grave.

Dados do relatório apontam que pessoas vacinadas tinham carga viral tão alta quanto a de não vacinados. “Isso pode indicar uma capacidade de transmissão mesmo naqueles imunizados que não manifestam sintomas graves”, alerta o médico virologista Ernesto Marques, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade de Pittsburgh (EUA).

O ponto principal da variante delta, destaca Ernesto Marques, é uma certa resistência às vacinas. Por ora, as vacinas disponíveis funcionam contra a variante, mas com a necessidade de duas doses para manter uma boa eficácia, como mostram dados da Escócia e do Canadá.

Para Marques, uma terceira dose de vacina vai ser eventualmente necessária. “É uma cepa de maior patogenicidade. Dependendo do nível de controle que o órgão de saúde queira atingir, a terceira dose vai ser necessária sim. No Brasil, ainda faltam primeiras doses, não podemos comparar com os Estados Unidos, por exemplo. Mas a terceira dose já é uma necessidade, principalmente para quem tomou coronavac, que tem uma eficácia mais baixa, lá no começo do ano”, afirma.

País exemplo da vacinação contra a covid-19, Israel foi o primeiro do mundo a adotar, nesta semana, uma terceira dose de vacinas de mRNA (Pfizer e Moderna) em todos acima de 60 anos, já a partir de domingo. Por lá, a eficiência das vacinas nesse grupo caiu de 97% para 81%, em relação às doenças graves. “É consequência tanto da delta quanto de uma queda natural nos títulos de anticorpos das vacinas. E para neutralizar a delta, precisa de uma concentração mais alta de anticorpos. Felizmente, mesmo não prevenindo a infecção, as duas doses da vacina conseguem combater a doença. É uma questão da saúde publica. A nível individual a pessoa vacinada pode ter uma doença leve, mas transmitir para outras, que podem ser não vacinadas ou mais vulneráveis”, explica.

Enquanto Israel aplica a terceira dose e tem mais de 60% da população vacinada com as duas doses desde maio, o país da África com maior percentual de vacinados é Botsuana e tem apenas 5,3% da população imunizada. A Indonésia, com média acima de 1,5 mil mortes por dia, é hoje o epicentro da pandemia do coronavírus. Por lá, apenas 7,1% da população recebeu as duas doses.

Essa desigualdade mundial no acesso às vacinas pode prolongar ainda mais a pandemia. “Enquanto estiver ocorrendo centenas de milhares de casos pelo mudo, vamos ter novas variantes toda semana, todo dia, com maior ou menor transmissibilidade. A delta não vai ser a última”, diz o virologista, que acredita que a vacinação deverá ocorrer todo ano ou a cada dois anos.

Vigilância genômica
Para saber se uma nova variante está em circulação, só existe um jeito: sequenciar o genoma do vírus. Isso é feito em algumas redes de pesquisa no Brasil e ganhou força neste ano, com mais investimentos dos governos. É um trabalho que não é simples.

Uma dessas redes é formada pelas unidades da Fiocruz., que recebe material recolhido dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública dos Estados (Lacens). Quando é algo urgente, como aconteceu com o navio filipino que ancorou no Porto do Recife, é sequenciado apenas um pedacinho do vírus, que já dá a informação sobre a variante. É um resultado mais rápido, que geralmente sai em 3 ou 4 dias.

A estratégia usual envolve o sequenciamento genético do vírus inteiro, feito em uma máquina específica, e que leva cerca de uma semana, fora o tempo de análise desse material. A Fiocruz-PE tem sequenciado semanalmente até 300 amostras, chegando a 500 quando é necessário.

Como a delta vai se comportar no país da gama?

Enquanto o mundo se preocupa com a delta, no Brasil a história é outra. O Rio de Janeiro já tem um calendário prevendo abertura total ainda em novembro. Para setembro, shows, estádios de futebol e boates já poderão funcionar, com metade da capacidade. Em Pernambuco, na mesma coletiva em que anunciou os primeiros casos de delta no estado, em meados de julho, o governo flexibilizou o funcionamento de bares e restaurantes, sem fazer distinção entre espaços abertos e fechados. O Recife já quer se planejar para o carnaval 2022 e pipocam na internet ingressos para festas de réveillon.

A organização Mundial da Saúde (OMS) já afirmou que, por conta da alta transmissibilidade, a delta deve se tornar a cepa dominante no mundo. O mesmo, porém, foi dito para gama, em março, e não se concretizou.

Por ora, o Brasil tem São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná com transmissão comunitária da variante delta. Foram confirmados laboratorialmente 247 casos e quatro mortes no país. Em Pernambuco, foram três casos identificados, todos no navio filipino que ancorou por aqui em meados de julho. Um dos estrangeiros faleceu. Nenhum dos contactantes em terra dos infectados positivou para a delta.

Reforço contra a variante delta: mais de 200 mil doses de vacinas contra a Covid-19 chegaram a Pernambuco na terça-feira (27). Crédito: Aluisio Moreira/SEI

A cepa dominante no Brasil segue sendo a gama, anteriormente chamada de P1 e identificada primeiramente em Manaus. Até agora, não há nenhum país em que a gama já tenha sido desbancada pela delta.

“Em países em que a alpha (a variante do Reino Unido) era dominante, a delta substitui essa linhagem rapidamente, em cerca de um mês, um mês e meio. Ainda está em aberto como será o comportamento da delta no Brasil. Até agora, ela não está se espalhando tão rápido como ocorreu em outros países, dominados pela alpha. Não temos ainda a resposta para o fato de que aqui está mais devagar”, conta o pesquisador da Fiocruz-PE Gabriel Wallau, que trabalha com vigilância genômica.

Como a gama não se espalhou muito pelo mundo, ficou mais restrita à América do Sul, e como a delta ainda não se espalhou por essa região, ainda não há dados de outros países de se e como a delta pode se tornar predominante em regiões onde a gama predomina.

Não há dúvidas, porém, de que a delta é a mais transmissível das variantes. As características genéticas da população do país, porém, podem entrar nessa equação. “O vírus não funciona sozinho, ele interage com o hospedeiro. Vai ter sempre essas duas entidades, que vão ser levadas em consideração, que podem aumentar ou não a prevalência de uma ou outra variante na população. Como será o comportamento da delta entre a população brasileira ainda é uma pergunta em aberto”, diz Wallau.

Com o Brasil, ainda sem nem um quinto da população vacinada com as duas doses, a chegada de uma nova variante pode fazer estragos. “A questão óbvia do Brasil é que o relaxamento das restrições é muito mais rápido do que a melhora dos dados epidemiológicos. O Brasil está com média de mortes acima de 7 mil semanalmente e o patamar de casos em 50 mil diários. São dados elevados, mas a população parece que se acostumou, os governantes não se importam mais. O brasileiro pode não rejeitar a vacina, mas rejeita às outras medidas de prevenção. E para se prevenir da delta, além da vacinação, é repetir tudo que todo mundo está careca de saber: máscaras, distanciamento, higienização… “, avisa o virologista Ernesto Marques.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com