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Acordo judicial garante 912 hectares de usina na Mata Sul para 130 famílias de agricultores

Acordo entre AGU e Agrocupecuária Mata Sul encerrou conflito no assentamento São Gregório

Inácio França / 10/04/2024
Esta foto mostra uma construção abandonada, que é visível através de uma abertura entre árvores com troncos e galhos retorcidos. O edifício é a Usina Estreliana, e está em um estado de deterioração. Suas várias janelas estão vazias, e as paredes parecem desgastadas. O terreno ao redor do edifício é coberto de grama verde e vegetação rasteira. O céu acima está claro, com algumas nuvens dispersas, indicando um dia ensolarado.

Crédito: Raphael Júlio/Acervo pessoal

Cento e trinta famílias agricultoras que vivem e trabalham há três décadas nos 912 hectares do assentamento São Gregório, situadas no município de Gameleira, na Zona da Mata Sul de Pernambuco, não correm mais risco de serem despejadas. As terras, agora, são oficialmente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). É o que garante acordo celebrado pelo até então proprietário da terra, a empresa Agropecuária Mata Sul, e a Advocacia-Geral da União (AGU) que foi homologado pela Justiça Federal e colocou fim à ameaça de reintegração de posse sofrida pelos agricultores.

“O acordo põe um ponto final num processo que se arrasta há cerca de 30 anos em assentamento consolidado na Mata Sul que conta com diversas benfeitorias feitas pelos parceleiros e pelo poder público”, explicou a procuradora federal Marília de Oliveira Morais, da procuradoria-regional Federal da 5ª Região. O processo de desapropriação da área havia sido anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por uma questão formal: a notificação dos proprietários pelo Incra para realizar a vistoria de produtividade foi feita no mesmo dia da visita ao imóvel.

“Inúmeras medidas judiciais foram adotadas pela AGU, mas, em setembro de 2016, transitou em julgado a decisão contrária ao Incra e, desde fevereiro de 2018, há mandado de reintegração de posse para a retirada das famílias do imóvel”, relatou a procuradora federal.

Com a pandemia, as reintegrações de posse foram suspensas em todo o país em razão da decisão do Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828. Posteriormente, com o fim da pandemia, o STF determinou a criação de comissões regionais para buscar soluções alternativas e consensuais dos conflitos fundiários coletivos.

Após nove meses de negociação, foi celebrado acordo entre o Incra e o atual proprietário, permitindo a conversão da desapropriação por interesse social em desapropriação indireta com a aquisição do imóvel pelo Incra, mediante pagamento de indenização.

Fraudes em leilão

Em 2023, o Ministério Público do Trabalho (MPT) denunciou os donos da Usina Estreliana, a família Albuquerque Maranhão, de fraudar leilões para não pagar dívidas trabalhistas. O caso foi publicado pelo site de jornalismo independente Repórter Brasil. Nos leilões investigados pelo MPT, Os engenhos São Gregório e Alegre I foram arrematados pela empresa Negócio Imobiliária S/A, que passou a se chamar Agropecuária Mata Sul.

De acordo com o MPT, entre os sócios da Negócio, na época do leilão, figurava uma ex-funcionária da Estreliana, Regina Célia Giovannini Lima Torres. Esta mulher também trabalhou em outras três empresas ligadas à usina e foi sócia de uma quarta organização cujo procurador era Guilherme Cavalcanti de Petribu de Albuquerque Maranhão, um dos donos da Estreliana.

Com isso, os donos da Estreliana teriam arrematado em leilão suas próprias terras e deixou de pagar R$ 51 milhões para mais de 1.600 funcionários. Ao mesmo, tempo a empresa de fachada passou a exigir o despejo dos agricultores.

Açúcar e sangue

Meio século antes dos Albuquerque Maranhão serem acusados de fraudar leilões, o antigo proprietário da Usina Estreliana, comandou pessoalmente o assassinato de cinco trabalhadores rurais que o procuraram para cobrar.

Em 7 de janeiro de 1963, centenas de canavieiros, incluindo suas esposas e filhos, se dirigiram até a sede da Estreliana para cobrar o pagamento do 13º salário, chamado de “abono de natal” pelos trabalhadores. Cinco homens – Ernesto Batista do Nascimento e seu filho, João Batista, Israel Batista do Nascimento, Zacarias Batista do Nascimento e Antônio Farias da Silva – se adiantaram para negociar com o usineiro, o deputado federal José Lopes de Siqueira Santos.

No entanto, os agricultores nem tiveram tempo de apresentar a reivindicação. Foram executados a tiros de espingarda e fuzil pelo usineiros e dois capangas. Só não houve mais mortes porque as outras pessoas saíram correndo e esconderam-se no mato, longe do alcance das armas.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.