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Polícia mata adolescente negro com tiro de fuzil. Família pede justiça

Débora Britto / 20/10/2020

Foto: Jéssica Lopes

No último sábado (17), por volta das 19h, Lucas da Luz Marques da Rocha, um jovem negro de 17 anos, estava com colegas numa escadaria próxima à sua casa quando foi atingido por um tiro de fuzil disparado pela Polícia Militar de Pernambuco. Ele morreu cerca de quatro horas depois no Hospital Otávio de Freitas. O caso aconteceu no Alto da Colina, no bairro de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, e revoltou a família e comunidade.  

Segundo relata a família, no momento em que a polícia chegou havia outras pessoas na rua, inclusive um tio de Lucas havia passado minutos antes e cumprimentado o garoto. Moradores não viram confronto, nem reação do grupo de jovens, mas contam que a polícia já chegou atirando. 

Depois de ser baleado, o horror continuou. Ainda de acordo com a família, os policiais arrastaram o menino até a viatura para levar ao hospital. Durante a ação, moradores fotografaram a viatura policial que fez a abordagem e relataram que os policiais estavam violentos e agressivos. 

A dor e tristeza de perder uma pessoa amada de forma brutal se intensificaram depois que a família soube que Lucas havia sido incriminado pela polícia, que afirmou que ele reagiu à abordagem e estaria com uma arma. A família, no entanto, afirma que Lucas não era envolvido com grupos ligados ao tráfico. 

Na manhã desta terça (20), familiares, amigos e ativistas realizaram um ato em protesto contra o assassinato de Lucas e pedindo por justiça. Eles fecharam a BR 232 por cerca de 40 minutos, quando a Polícia Rodoviária Federal chegou para dispersar a manifestação. Em seguida, três viaturas da PM também chegaram, mas não houve repressão. O desejo da família é denunciar o que aconteceu e limpar o nome de Lucas. 

Horas de incerteza e dor

Lucas da Luz tinha 17 anos e estava na escadaria perto de sua casa quando foi morto com um tiro de fuzil no tórax. Foto: Acervo Pessoal

Às 19h30 do sábado, a irmã de Lucas, Renata da Luz, chegou ao hospital para buscar informações sobre o estado do irmão. Foi lá que ela descobriu que a polícia informou à equipe médica que Lucas teria apenas batido com a cabeça quando, na verdade, ele foi alvejado com um tiro de fuzil no tórax e passou cerca de 20 minutos sem respirar enquanto era levado pela viatura até o hospital. 

Lucas chegou a passar por uma cirurgia, mas não resistiu. Segundo Renata, às 23h25 o cirurgião informou o óbito e explicou o que foi feito para tentar salvar a vida do adolescente. Nesse momento, ele chegou a dizer que se soubessem logo no início que ele havia ficado sem respirar por 20 minutos o atendimento poderia ter sido diferente. 

Família não conseguiu fazer boletim de ocorrência

No sábado à noite, a mãe de Lucas tentou registrar a denúncia do assassinato do filho no DHPP (Departamento de Homicidios e Proteção a Pessoa), mas não conseguiu realizar o boletim de ocorrência. Ela foi informada por um agente de que a ocorrência ainda não estava disponível, mas ao ligar para o 190 ela foi orientada a ficar na delegacia porque o processo já estava disponível. Segundo Renata, o agente que atendeu a mãe foi impaciente e grosseiro com ela. “Ele ficou no telefone com o homem do 190 e disse para ela sentar e esperar. Mas depois ele entrou, saiu e foi embora”, conta. Nesta terça, a família iria de novo tentar registrar o boletim de ocorrência no DHPP, desta vez acompanhada por advogados. 

Ainda no sábado, a mãe de Lucas também viu os rapazes que estavam com ele chegarem na delegacia. Segundo seu relato, quando o carro da polícia chegou ninguém falou com ela. Os meninos ficaram detidos, mas depois foram liberados sem ser ouvidos pela polícia. 

Este é outro fato contraditório apontado pela família. Os rapazes foram liberados no dia seguinte sem qualquer acusação, apenas o adolescente assassinado foi incriminado. Renata vê outras incoerências nas versões contadas pelos policiais. 

“Também disseram que ele reagiu. Mas como ele reagiu? Se tivesse reagido teriam feito exame nele, mas no hospital não foi nenhum agente da polícia civil para ver o que tinha acontecido. Lá no IML só acusou o tiro de fuzil, mas ele estava com marca de coronhada na cabeça e arranhado, como se tivessem batido nele. E bateram porque tem testemunhas que viram os policiais batendo nele, arrastando ele de todo jeito pela camisa. A perna dele ficou para fora na hora que botaram no carro, jogaram de qualquer jeito”, conta, revoltada. 

Protesto nesta terça (21) pede por justiça pora Lucas. Foto: Jéssica Lopes

Revolta e pedido de justiça

Para Renata, nada justifica a ação policial que matou seu irmão além do racismo e despreparo. “A gente quer justiça, a gente acha que isso foi discriminação racial para chegar atirando assim desse jeito. Não sabe se ali tinha um pai de família, se tem alguma criança no meio. A gente sente revolta e quer justiça porque a gente não quer mais nenhuma família passando por isso, a gente já tá chorando demais. A dor da gente é muito grande, é uma perda enorme”, diz.

Renata lembra que Lucas era um menino tranquilo, conhecido por todos no bairro e brincalhão. “Ele nunca teve passagem pela polícia, não tinha intriga nem era envolvido com nada. Policial nenhum tem direito de chegar atirando sem saber quem é quem. Eles disseram que ele estava vendendo drogas, disseram que deram tiro para cima. Como é que pode ser tiro para cima de pegou no tórax dele?”, questiona. 

Com auxílio de ativistas, a família também buscou ajuda da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia legislativa de Pernambuco para acompanhar o caso. O temor é de que os policiais envolvidos não sejam investigados.  

Reposta da Polícia Civil

Em resposta à reportagem, a Polícia Civil informou que “o inquérito policial foi instaurado e o caso está sendo conduzido pelo delegado Marconi Lustosa, da 13ª Delegacia de Homicídios, que se pronunciará ao final do procedimento policial”. 

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.