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Agricultores e povo Kapinawá ocupam prédio do governo em mais um protesto contra eólicas

A imagem mostra um grupo de pessoas em uma sala, segurando cartazes e faixas. O cartaz principal, em letras grandes e pretas, diz KAPINAWÁ É CONTRA A ENERGIA EÓLICA. Ao fundo, há uma faixa preta com letras vermelhas e brancas que diz EÓLICAS NÃO. As pessoas estão vestidas de maneira variada, algumas com roupas tradicionais e chapéus de palha.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Os problemas provocados pela implantação de parques eólicos nas comunidades rurais levaram dezenas de famílias agricultoras e indígenas do povo Kapinawá a ocuparem, por prazo indeterminado, a sede da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), no bairro das Graças, na zona norte do Recife, nesta segunda-feira, 17 de fevereiro.

Mais uma vez, o objetivo da ocupação é denunciar os impactos dos empreendimentos eólicos, principalmente perda de territórios, remoções forçadas, contratos abusivos e danos ambientais e à saúde das famílias que vivem próximas aos aerogeradores.

Apesar de a pauta de reivindicações ser direcionada a diversos órgãos governamentais estaduais e federais, o principal foco da pressão dos manifestantes é o Governo de Pernambuco.

De acordo com João do Vale, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a instrução normativa apresentada pelo governo Raquel Lyra (PSDB) no ano passado para as eólicas “é um pacote de mentiras” por não prever “a distância dos aerogeradores para as residências, o que é um grande crime, uma grande violência”. “Não tem como ninguém conviver perto de uma torre eólica, mas o Governo do Estado fechou os olhos para isso”, critica.

A maioria das famílias que já enfrenta os impactos dos parque instalados vive na zona rural dos municípios de Caetés e Venturosa. Já os Kapinawá estão sob ameaça da chegada de um empreendimento território indígena.

Entre as principais exigências das famílias está a revogação das licenças de operação dos complexos Ventos de Santa Brígida, Ventos de São Clemente e Serra das Vacas, com a solicitação da paralisação das atividades até que sejam implementadas medidas efetivas de reparação, compensação e mitigação dos danos causados às comunidades. Além disso, o grupo exige a suspensão dos novos processos de licenciamento de empreendimentos.

Perda de audição, ansiedade e outros males

Um dos agricultores que participam da ocupação é Wallison José da Silva, de 31 anos. Ele contou que perdeu parte da audição por causa da proximidade dos aerogeradores de sua casa, em Venturosa. “Eu fiz exame de audiometria que constatou que perdi audição por conta das torres. Além disso, meu menino também vem sofrendo muito com crises de ansiedade”, queixou-se.

O filho dele tem apenas 10 anos e está tomando medicação para ansiedade, além de precisar de acompanhamento psicológico.

Os efeitos também se fazem sentir nos animais da criação da família: “Os porcos ficam tão estressados com aquele barulho que eles ficam se comendo, se mordendo. Tipo um canibalismo.” No caso das vacas, a produção de leite caiu de dez litros para, em média, seis litros a cada ordenha. As galinhas deixaram de pôr ovos.

A imagem mostra um grupo de pessoas em um ambiente interno, possivelmente um escritório ou uma recepção. No centro da imagem, há uma grande faixa preta com letras vermelhas e brancas que diz EÓLICAS MATAM. Atrás da faixa, há duas pessoas sentadas em uma mesa de recepção, uma delas usando um jaleco branco. Acima da mesa, há um grande painel com o logotipo ADEPE e o texto Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco.

Ocupação na Adepe não tem prazo para terminar

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Caetés é prioridade para o governo

Quem falou com a Marco Zero em nome do Governo de Pernambuco foi o presidente da CPRH, José de Anchieta dos Santos. Segundo ele, no caso dos Kapinawá, o licenciamento é de responsabilidade federal, do Ibama, por se tratar de terras que fazem parte de um parque nacional.

Ele assegurou que, quando o tema são as eólicas, a prioridade da governadora Raquel Lyra é resolver os problemas iniciados pelo parque eólico da empresa Cubico Sustainable Investments em Caetés, no Agreste pernambucano, instalado em 2015.

“As questões sociais assumiram um protagonismo e uma importância muito grande nesse processo. A gente tem que respeitar as populações para que esses impactos não continuem e não venham a ocorrer em futuros parques. A gente quer resolver o assunto Caetés, que é a principal reivindicação do movimento”, falou.

Em sua fala, fica evidente que o governo quer separar Caetés dos demais parques ainda em processo de licenciamento: “O problema de Caetés é uma coisa mais antiga, de dez anos. A gente já esteve lá com as comunidades cinco vezes, mapeou todos os impactos, fez um relatório, fez uma nota para as empresas tomarem providências. Agora, estamos avaliando as providências que as empresas teriam tomado”, detalhou o gestor.

Anchieta dos Santos discorda da acusação de que o governo não está preocupado em estabelecer uma distância entre os aerogeradores e as residências: “Se você ler a instrução, ela diz que as distâncias serão definidas a partir de estudos que vão avaliar realmente qual é o ponto correto de instalação das torres em relação às casas.” Ou seja, pela isntrução normativa, a distância, na prática, seria definida caso a caso.

Em relação à revogação de licenças, Anchieta afirma que isso não seria tão fácil. “Não é uma medida simples. São energias que estão no mercado regulado, isso teria uma série de consequências”, defende.

AUTORES
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.

Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com