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Em Recife quem decide o que é uma apresentação cultural são os guardas de trânsito. É bem verdade que, por dois anos e sete meses, não foi assim. Em fevereiro de 2014, quando o produtor cultural Roger de Renor foi proibido pela CTTU de apresentar o Som na Rural sob a escultura do caranguejo da rua da Aurora, ficou decidido que a liberação de cada evento aconteceria após análise conjunta das secretarias de Turismo, Mobilidade Urbana e Fundação de Cultura. Agora, isso faz parte do passado.
Bastou começar a campanha eleitoral para que a CTTU voltasse a decidir sozinha que a Rural de Roger – que põe o veículo em defesa de causas pouco simpáticas à coalizão encabeçada pelo PSB, a exemplo do Fora Temer e contra o impeachment – não é um equipamento cultural, mas sim um veículo qualquer e não pode estacionar no “passeio público”, nome que a burocracia municipal dá ao calçadão da Aurora ou ao trecho de rua fechado entre o Paço Alfândega e a igreja da Madre de Deus.
Eis o argumento do diretor de controle de Trânsito, Agostinho Maia: sobre a Rural incide o IPVA, portanto, é só um veículo automotor mesmo. Sem mais.
A Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife foi procurada, mas não respondeu ao e-mail enviado e, por uma semana, ignorou os telefonemas dados para lembrar que precisávamos da posição da instituição. Em razão disso, não há a versão da “outra parte”, no caso a responsável pela proibição. Fiquemos com relato unilateral de Roger de Renor.
Segundo ele, a mudança de atitude da prefeitura foi percebida no sábado, 27 de agosto, quando uma guarnição de agentes de trânsito da CTTU tentou apreender a Rural durante uma apresentação para três mil pessoas no já mencionado espaço entre o Paço Alfândega e a igreja da Madre de Deus. O motivo foi mesmo apresentado em 2014: o carro estava “estacionado” onde não devia, não importando se havia aparelhagem de som, discotecagem, uma banda tocando, luzes e cores. O guarda também era o mesmo.
Roger diz ter apresentado todas as autorizações concedidas por todos os órgãos públicos, incluindo PM, Fundação de Cultura, Dircon, Secretaria municipal de Meio Ambiente e a própria secretaria de Mobilidade, a qual a CTTU está subordinada.
“Não adiantou nada. O guarda disse que aquilo não valia nada, que a Rural tem placa, paga IPVA e seria guinchada. Depois, recuou. Teve medo da reação do público. A galera já estava impaciente”.
Por coincidência, o Som na Rural acontecia ao mesmo tempo em que, na igreja vizinha, casavam-se Andrea de Paula e Marcus Travassos. A moça vem ser filha do deputado federal André de Paula. A cerimônia foi bastante prestigiada, até o governador Paulo Câmara estava lá enquanto os Djs Sangue no Olho e Branquinho Borba, e os músicos Van Furacão e MC Lurdinha faziam a festa bem ao lado.
No dia seguinte, recomeçou a peregrinação de Roger pelos órgãos públicos. Em todos, recebeu a orientação de procurar a CTTU. Lá, o diretor de Trânsito Agostinho Maia disse que o problema era com ele mesmo, pois ninguém tinha competência para autorizar um evento com um veículo. Se fosse um trio elétrico, tudo bem. E ainda orientou Roger a procurar o Detran para dar à Rural o status de trio, coisa que o produtor achou “um pouco demais”.
Segue abaixo, a transcrição do email enviado para a CTTU às 11h10min do dia 9 de setembro e reenviado, a pedido da jornalista Marcela Pinilla, às 13h33min do dia 12 de setembro:
Conforme contato por telefone, estou fazendo matéria para o site Marco Zero Conteúdo (http://marcozero.org/) sobre a proibição, por parte da CTTU, do Som da Rural acontecer em praças públicas.
Para isso, gostaríamos de conversar com o senhor Agostinho Maia, Diretor Geral de Controle do Trânsito. Ontem, ele manteve diálogo com o produtor cultural Roger de Renor e confirmou a proibição.
Para o senhor Agostinho, gostaríamos de fazer algumas perguntas, que solicitamos que sejam repassadas para ele caso exista algum impedimento para um diálogo direto:
1) A decisão de proibir o Som na Rural em praças públicas partiu unilateralmente da CTTU ou foi uma decisão colegiada, envolvendo outros setores da prefeitura?
2) Em qual legislação a CTTU se baseia para impor essa proibição?
3) É papel da CTTU definir quando um veiculo automotor exerce a função de equipamento cultural? A CTTU tem alguma definição para equipamento cultural?
4) Porque, durante dois anos, o Som na Rural aconteceu regularmente em espaços públicos como a praça da Independência e a calçada do Forte das Cinco Pontas?
5) Por fim, a proibição exatamente nesse momento tem alguma motivação eleitoral, já que o produtor cultural Roger de Renor manifesta seu voto e seu apoio a candidatos de oposição a Geraldo Júlio?
Quem é e o que faz Roger de Renor?
É um agitador e produtor cultural que, há quase 30 anos, quebra paradigmas e a rotina da vida cultural pernambucana lançando novas bandas e promovendo o debate sobre políticas culturais.
Quais seus trabalhos mais importantes?
No início dos anos 90, mantinha um bar chamado Soparia, espaço cativo das bandas do movimento manguebeat. Depois, levou o ambiente do bar para um programa de televisão ao vivo, o Sopa Diário, lançando novas bandas e promovendo debates com personagens sem espaço na mídia tradicional.
O que é o Som na Rural?
A iniciativa começou com um programa na TV pública financiado por leis de incentivo à cultura. Junto à velha perua da Ford, devidamente decorada e equipada, artistas se apresentavam e conversavam com o público que se formava em torno do carro. Hoje, o projeto é autônomo, prescinde da televisão. A ideia é ocupar espaços públicos com shows, preenchendo vazios urbanos e espalhando ideia de que povo na rua é que garante segurança.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.