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Após desastre ambiental, pescadores e pescadoras do Recife discutem soluções em audiência pública

Raíssa Ebrahim / 25/11/2019

Foto: Raissa Ebrahim

A pesca movimenta R$ 2,4 milhões por ano na Ilha de Deus, um dos 10
territórios tradicionais pesqueiros do Recife, localizado na bacia do
Pina, no bairro da Imbiribeira. No entanto, as famílias que tiram o
sustento das águas não veem essa riqueza ser transformada em qualidade
de vida nem em serviços públicos decentes. Não há, por exemplo,
assistência à saúde para as mulheres pescadoras, o ensino público não
tem educação contextualizada e o saneamento básico não é adequado para a
região.

A cidade, cuja economia se desenvolveu dando as costas para o rio,
não tem políticas públicas específicas para locais como Ilha de Deus,
Vila Imbiribeira, Vila São Miguel, Vila Tamandaré, ponte do Limoeiro,
Caranguejo-Tabaiares, Brasília Teimosa, Bode, Coque e Coelhos. São, ao
todo, cerca de 10 mil pescadoras e pescadores que seguem na luta para
serem reconhecidos e contemplados pelo poder público local.

O vazamento do petróleo, que atingiu os nove estados do Nordeste e
também o Espírito Santo, foi mais um agravante e continua, há quase três
meses, afetando a atividade pesqueira, mantendo freezers cheios de
pescados congelados, enquanto falta comida na mesa. Por conta do risco
de contaminação, os consumidores pararam de comprar. No entanto, mais
grave do que o desastre socioambiental é a falta de informação e a
ausência de auxílio.

Parte da comunidade pesqueira do Recife se reuniu, na tarde desta
sexta-feira (22), na sede da Ação Comunitária Caranguejo Uçá, na Ilha de
Deus, para debater a situação da pesca no Recife, numa audiência
pública externa puxada pelo mandato do vereador Ivan Moraes (PSOL). O
evento também apresentou dados da pesquisa realizada no território, uma
demanda do Caranguejo Uçá em parceria com a Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).

O levantamento foi feito entre julho e agosto deste ano em 217 dos
271 domicílios da Ilha de Deus. As mulheres foram 76% das entrevistadas,
comprovando que são elas que, na maioria das vezes, estão à frente dos
lares, apesar de ainda continuarem recebendo pelas vendas menos do que a
média dos homens. Confira os principais dados da pesquisa no final
desta matéria.

Como não poderia ser diferente, as cobranças em torno do desastre do
petróleo tomaram boa parte da audiência. “Queremos trabalhar e vender
para sustentar nossa família, não queremos esmola nem que ninguém nos
sustente. O governo até agora não fez nada, nós queremos o que é nosso
de direito. Cadê as análises dos pescados e as soluções para as
comunidades pesqueiras?”, questionou a pescadora Ana Mirtes, da
Organização Social Poupança Comunitária, da Ilha de Deus.

Enquanto há trabalhadoras e trabalhadores à beira da fome, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não depositou o pagamento
de um salário mínimo a que havia se comprometido. O Governo do Estado,
apesar de ter dito que tomaria providências caso o Governo Federal
continuasse omisso, também não deu sinais de soluções, de acordo com a
categoria.

Primeiro, o Governo Federal anunciou a antecipação do seguro-defeso, que só contemplaria uma parte das pessoas que vivem da atividade pesqueira. Em Pernambuco, por exemplo, o seguro só vale para quem pesca lagosta, menos de 400 pessoas. Depois, o governo voltou atrás revogando a portaria e anunciando a ampliação do auxílio, que não chegou até agora.

A situação do pescado

OMinistério da Agricultura anunciou
no último dia (11) que os exames mostraram que os pescado de áreas
atingidas pelo petróleo estariam próprios para consumo. Porém, as
amostras de peixes e lagostas não foram retiradas do mar especificamente
para esses testes, mas coletadas em estabelecimentos registrados no
Serviço de Inspeção Federal (SIF), ou seja, diretamente de peixarias,
entre os dias 29 e 30 de outubro, nos estados da Bahia, do Ceará, de
Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

Logo após a nota do ministério, um dos pesquisadores veio à público dizer que “não era bem assim”,
que não era possível afirmar o que estava dizendo o governo Bolsonaro. O
Governo de Pernambuco, em parceria com a Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE) e a PUC Rio, publicará, nos próximos dias, uma
análise mais ampla, de peixes e crustáceos pescados artesanalmente em
vários pontos do litoral do estado.

No entanto, pesquisadores que defendem o princípio da precaução já
apontam que o material ainda não deve ser suficiente, uma vez que não
contempla todas as localidades nem teve uma periodicidade de coleta. A
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) tem defendido que nenhum nível
dehidrocarbonetos policíclicos aromáticos (frações mais pesadas do
petróleo)é seguro e qualquer nível de contaminação é danoso. “Estamos
numa crise gigantesca de informação sobre a contaminação. Em que portas
vamos bater para dizer ‘olha, vamos ali na bacia do Pina fazer exames
para ver se tem benzeno’?”, provocou o deputado Ivan.

“Por que o estado não decretou situação de emergência de saúde pública? Por que tem um turismo forte aí por trás, que tem poder político e econômico, que está fazendo pressão”, criticou Laurineide Santana, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). Segundo ela, as vendas tiveram uma queda brusca em torno de 90% por conta do crime do petróleo. Exaltando a luta das mulheres da Ilha de Deus, Laurineide fez um apelo denunciando que pescadoras e pescadores seguem desamparados.

Política pública coletiva para as águas

“Quem viveu a década de 1980 sabe o que era a luta com a fome batendo
à porta. As coisas mudaram graças, sobretudo, à força das mulheres”,
lembrou Edson Fly, um dos coordenadores do Caranguejo Uçá. “Tem muita
gente batendo cabeça e sem interesses reais em organizar pescadores e
pescadoras. Muita gente pegando a onda da mancha do petróleo para
subjugar mais uma vez as comunidades tradicionais. Não podemos deixar
que as pessoas tirem proveito dessa situação”, protestou, lembrando a
soberania e segurança alimentar das populações pesqueiras.

“A gente quer um rio em que haja praias do Capibaribe, Jardim do
Baobá e contemplação. Mas sobretudo um rio vivo e saudável, uma política
para as águas que tenha finalidade pública e coletiva”, reforçou
Rodrigo Lima, biólogo e também integrante do Caranguejo Uçá.

“Os indivíduos que deveriam estar aqui não tiveram coragem de nos
encarar, de escutar a real e encarar mulheres como Laurineide”, criticou
Fly. A Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) não enviou ninguém do
primeiro escalão para compor a mesa da audiência pública externa. Isso
comprometeu os encaminhamentos a serem acordados ao final do evento,
pois as representantes das pastas de Saúde, de Assistência Social e de
Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação que
compareceram tinham atuações restritas.

Como encaminhamentos possíveis, ficou acordado que o será desenhado pelo mandato de Ivan Moraes um Projeto de Lei para regulamentação dos territórios pesqueiros no Recife, semelhante ao que aconteceu no Congresso Nacional, em Brasília, como parte do Grito da Pesca 2019, nesta quinta (21). Pescadores e pescadoras artesanais entregam 200 mil assinaturas em defesa de seus territórios para a Comissão de Legislação Participativa. O Projeto de Lei de Iniciativa Popular que regulamenta e protege esses lugares foi entregue junto com assinaturas.

Além disso, serão confeccionadas placas e certificados assinados pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para atestar que as famílias
praticam a pesca tradicional. As representantes da PCR se comprometeram a
desenvolver ações voltadas para a saúde das trabalhadoras da pesca,
assim como chamar o Sebrae para desenvolver ações de incremento da
cadeia produtiva da pesca a partir da inovação.

Audiência Pública em Brasília durante Grito da Pesca 2019 (crédito: Andressa Zumpano)

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com