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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Na segunda-feira (12), Micael (nome fictício), jovem, gay e morador de uma cidade do sertão de Pernambuco foi vítima de violência sexual. Como todo cidadão provido de direitos, procurou a delegacia da região, mas ao contrário dos demais que foram recebidos naquele plantão, ele não teve sua denúncia registrada. O escrivão encheu o rapaz de perguntas, sugerindo que não valeria a pena prestar queixa.
Marcado pela violência física e pela negligência praticada por um agente do estado, Micael só conseguiu protocolar um boletim de ocorrência virtual no dia seguinte, depois que uma amiga entrou em contato com o Movimento LGBT Leões do Norte, no Recife. Um representante da entidade então orientou o jovem a fazer o relato da agressão por meio do aplicativo Rugido.
A plataforma lançada no último dia 29 de janeiro – Dia Nacional da Visibilidade Trans – permite que qualquer pessoa faça uma denúncia de episódios de violação de direitos contra um membro da comunidade LGBTQIA+. O app, que pode ser baixado em aparelhos eletrônicos com sistema android ou acessado no endereço denuncie.rugidolgbtqi.com.br, oferece um formulário simples para o relato da violência.
Com essa iniciativa pioneira no Nordeste, o usuário precisa apenas fornecer informações como nome completo, nome social, idade, e-mail e telefone para contato. Também é importante informar a identidade de gênero e a orientação sexual, em seguida, se o fato aconteceu ou está acontecendo contra si ou a vítima trata-se de outra pessoa. O caso deve ser relatado com o máximo de detalhes, incluindo nome do local onde ocorreu e o anexo de arquivos de imagem (fotos ou vídeos) se houver.
Em menos de 100 dias em funcionamento, foram mais de 100 downloads e até esta quarta-feira (14) o Rugido recebeu 19 denúncias. Além de episódios de LGBTfobia por questões religiosas e de ameaças, a plataforma registrou pedidos de ajuda sobre adoção por parte de casais homoafetivos e também em relação ao serviço público de saúde mental. Em todas as situações o sigilo é garantido.
“O Rugido é uma ferramenta de exercício da cidadania da população LGBT, que há muito tempo demandava por um serviço que prestasse acolhimento para garantir uma denúncia qualificada, ou seja, com todos os elementos necessários para o registro formal de uma queixa. Nós recebemos esses relatos e fazemos o encaminhamento para o órgão responsável, mas também acompanhamos o desenrolar do processo”, explica Marcone Costa, integrante da equipe pedagógica do Leões do Norte.
Entre janeiro de 2018 e junho de 2020, a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS) contabilizou 2.871 pessoas LGBTQIA+ vítimas de violência. Segundo o relatório do governo, os delitos mais cometidos contra essa população foram ameaça, lesão corporal, injúria e violência doméstica ou familiar. Todos os 185 municípios do estado, mais Fernando de Noronha, registraram algum tipo de violação, sendo a maioria dos casos dentro da casa da vítima e na via pública.
Na avaliação de Costa, a realidade pode ser muito mais assustadora do que os números oficiais revelam, o que torna o app Rugido ainda mais importante para o público LGBTQIA+. “Há uma clara subnotificação, ainda mais durante a pandemia. A SDS só contabiliza os casos de violência que geraram boletins de ocorrências, mas, como sabemos, existe um despreparo das delegacias para o acolhimento da pessoa LGBT vítima de violência, o que acaba fazendo com que muitas vítimas sequer procurem a polícia”, afirma.
O aplicativo Rugido, que conta com o apoio da Rede LGBT do Interior de Pernambuco, da Escola de Formação Quilombo dos Palmares e do Fundo Brasil, também oferece ao usuário um canal de notícias, dados sobre homicídios de pessoas LGBTQIA+ e uma lista com endereços e telefones de locais que ofertam serviços gratuitos de saúde e de assistência social.
Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com