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Crédito: Augusto Tenório/MZ Conteúdo
Por Augusto Tenório, especial para a Marco Zero
Quando Fabiano Duarte chegou à frente do Palácio do Planalto, na manhã deste dia 1º de janeiro, sentiu um gosto de vitória. Há pouco mais de um ano, o músico conhecido como “TromPetista” foi preso enquanto provocava o então presidente Jair Bolsonaro (PL) ao tocar melodias lulistas durante um passeio de blindados da Marinha. Agora, foi responsável por animar a espera dos colegas petistas, que aguardaram por horas a posse de Lula (PT), que ocorreu no fim da tarde.
“Fui preso, quebraram meu trompete… Agora é um sonho viver a posse, tive todo esse processo de luta, desde o impeachment de Dilma e prisão de Lula, a gente esteve na vigília, tocando nos aeroportos, rodoviárias etc. Ver isso acontecer é mágico. Quando garoto, estive na primeira posse de Lula, no dia 1º de janeiro de 2003. Trata-se do maior líder político da américa latina”, disse Fabiano Trompetista à MZ, entre pedidos de selfies e músicas, feitos por correligionários.
O músico foi um dos milhares de apoiadores e simpatizantes do PT a comparecer ao Eixo Monumental de Brasília enfrentando o alto calor da capital federal num domingo ensolarado. Mais de 40 mil pessoas tentaram entrar no espaço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Planalto para ver de perto o discurso do presidente Lula. A sensação térmica, aliada à falta de estrutura de banheiros e às filas quilométricas para recepção de água gratuita, fez com que parte do público abandonasse o local. A reportagem contou, em tempo, ao menos três pessoas passando mal e sendo atendidas. A maior parte dos desistentes retornou ao palco onde acontecem os shows do chamado Festival do futuro e acompanhou a posse pelo telão.
O local, desde as primeiras horas do dia, foi ocupado pelo vaivém de bandeiras de diferentes estados e, também, de manifestações culturais diversas. O público também teve participação: durante os quase dois quilômetros que separam a rodoviária do Plano Piloto e o palco do Festival do futuro, os apoiadores de Lula se dividiram entre palavras de ordem a favor de uma nova reforma trabalhista e dos chamados “revogaços” , por exemplo, e cânticos clássicos da esquerda, numa harmonia musical que foi de Chico Buarque a Juliano Madeirada.
A sede por manifestações culturais fez boa parte do público que caminhava em direção ao festival ser “desviado” a um palco alternativo, ainda sendo montado entre as vias que seguem em direção ao Congresso. A concentração de petistas com a bandeira de Pernambuco chamava atenção. Em meio ao burburinho, encontra-se o Som na Rural, um automóvel Rural Willys 1969 comandado por Roger de Renor.
Trata-se de uma velha conhecida para os pernambucanos, acostumados à promoção de cultura e lazer pelo som do automóvel em espaços públicos das principais cidades do estado. Pilotada por Roger e Nilton Pereira, a Rural 69 partiu do assentamento Normandia, em Caruaru, no dia 13 de dezembro. A viagem foi patrocinada por apoiadores, que bancaram o projeto através de uma campanha de doações via Pix.
“A gente precisava disso, ver de perto e celebrar a posse. Nesses quatro anos precisamos ser uma militância antifascista e isso é muito triste. Vir pra cá é uma celebração que precisávamos degustar a cada um dos 2.200 km que separam Brasília de Caruaru. Essa peregrinação é muito simbólica. Espero que possamos recuperar essa chance que a gente teve nos outros mandatos”.
Questionado se temia movimentos bolsonaristas no caminho e no dia da posse, Roger afirma que tomou algumas precauções. Dentre as medidas para evitar conflitos, o agitador cultural retirou da lataria da Rural os adesivos ligados à esquerda. Além disso, ele conta que, em cidades para além da Bahia, onde Jair Bolsonaro teve maior votação, evitava responder perguntas. “Para despistar, dizíamos sermos dois loucos indo à Chapada. Mas, de fato, somos dois malucos mesmo, indo à chapada da alegria”, brinca Roger, aos risos.
Nos dias que antecederam a posse, a incerteza sobre a segurança durante a cerimônia e os shows contrastou com o clima de festa na cidade. Apesar disso, a movimentação aconteceu normalmente. Para Mônica Omilajá, candomblecista, a sua presença nesse local é uma vitória por si só. “Estive em todas as posses do Lula e da Dilma. Os últimos quatro anos foram os mais difíceis da história recente do país, vimos sair do esgoto pessoas racistas, machistas e fascistas, que estavam do nosso lado”, diz, enquanto ajusta o turbante na sua cabeça e as pulseiras
Mônica afirma que os atos terroristas realizados em Brasília durante a diplomação a deixaram temerosa, mas o trabalho de Flávio Dino como então futuro ministro da Justiça, em conjunto com a cooperação do Governo Ibaneis Rocha, a tranquilizou. “Tenho 48 anos, quando criança lembro do governo Figueiredo. Acompanhei todo o processo das Diretas Já, considero muito importante essa vitória da democracia”, disse a moradora da capital.
Os mais jovens se movimentaram rumo à posse para celebrar, mas também para cobrar suas demandas. Não raramente, estudantes caminhavam segurando placas com exigências sobre mais vagas nas universidades, bolsas de estudo e recursos para a Educação. Gabriela Afonso tem 20 anos, mesma idade do primeiro Governo Lula, e integra a Juventude do PT do Rio Grande do Sul. Ela afirma ter começado a militância no movimento secundarista após a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018.
A jovem saiu com outros estudantes de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. “Após quatro anos nos quais aprendi a lutar pelos meus direitos, vir à posse é coroar uma jornada para se tornar militante”, diz. “Quando a gente era criança, a perspectiva era outra. Além de acesso a lazer, sonhávamos com o Ciência Sem Fronteiras e outros programas legais. Na nossa vez, tudo começou a ruir. Nos formamos lutando para manter o pouco que temos e derrubar as coisas ruins que passaram com Bolsonaro. Com Lula, teremos a mesma chance das gerações passadas, de construir, e não somente se defender de retrocessos”, completa.
Gabriela viajou com seus colegas, mas encontrou os pais em Brasília. Eles armaram uma barraca improvisada para se proteger do sol, mas a engenhoca não durou muito. A rua precisou ser liberada para a passagem de veículos das autoridades.
A temperatura dentro e fora do Congresso era divergente. No parlamento, o presidente Lula estava sentado sem constrangimento ao lado de Arthur Lira (PP-AL). O deputado federal presidente da Câmara, ex-aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deve ter sua posição renovada por mais dois anos, desta vez com apoio do PT, na eleição para a mesa diretora, a ser realizada no dia 2 de fevereiro.
Do lado de fora, manifestantes acompanhavam a transmissão da cerimônia no congresso. Quando Arthur Lira foi anunciado, ouviu-se vaias. O mesmo aconteceu com Augusto Aras. O Procurador Geral da República, criticado por atuar como defensor de Jair Bolsonaro durante o mandato do ex-presidente em busca de uma possível indicação ao Supremo Tribunal Federal. Apesar disso, possui boa relação com o PT e busca ser reconduzido ao cargo em setembro, quando chega ao fim seu mandato.
Outra autoridade vaiada, em menor intensidade, foi Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado. O parlamentar recebeu as críticas não por causa da sua atuação política, mas porque os apoiadores de Lula consideraram que o mineiro demorou demais a apresentação formal da solenidade, o que atrasou a fala do presidente eleito.
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