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As mudanças do Brasil nos primeiros meses de governo Lula

Marco Zero Conteúdo / 04/04/2023
Lula, homem branco, de barbas branca e camisa branca de manga comprida está em uma biblioteca, de perfil, falando com Geraldo Alckin, homem branco, calvo, de óculos, vestindo paletó azul escuro, camisa branca e gravata rosa, segurando algumas pastas na mão de esquerda.

Crédito: Ricardo Stuckert/Presidência da República

por Cristiane Crelier e Sabrina Lorenzi, publicado originalmente pela Agência Nossa

O governo Lula ainda tem um longo caminho pela frente para reverter os retrocessos sociais, econômicos e ambientais dos últimos anos. Mas em apenas três meses já realizou expressivas mudanças que colocam o País numa rota de menos desigualdades, mais oportunidades e equilíbrio, na opinião de especialistas. 

O freio ao armamento descontrolado e a contenção aos atos antidemocráticos incentivados pelo governo anterior já são, para muitos, motivo de aprovação – no mínimo de alívio. Nos primeiros dias de governo escancarou a calamidade dos povos indígenas. Remontou o Ibama, colocando à frente do órgão um nome respeitado, assim como devolveu ao País o Fundo Amazônia, fundamental para capitalizar o combate ao desmatamento.

O diretor da 350.org para América Latina, Ilan Zugman, destaca ainda a volta do Conama, a criação do grupo interministerial com 19 pastas para combater o desmatamento. O especialista em gestão ambiental elenca ainda como pontos positivos que fortalecem o meio ambiente a escolha de Marina Silva para assumir a pasta, assim como a volta da cobrança de multas pelo Ibama. Mas Zugman também levanta uma questão negativa, talvez porque ainda não tenha dado tempo de realizar, como ele mesmo diz. 

“Ainda não há nada concreto para transição energética, pelo contrário, o que temos visto são planos em direção à exploração de mais combustíveis fósseis”, afirmou o especialista em gestão ambiental, referindo-se a declarações do presidente da Petrobras sobre a continuidade da Petrobras na ênfase de produção de petróleo e gás.   

Nas relações externas, o Brasil saiu diretamente do isolamento para visitas aos seus principais parceiros de longa data. Nas relações internas, promoveu pactos entre União e governadores, costurou alianças entre poderes para combater golpistas.

O carro-chefe nos seus governos anteriores foi rapidamente restabelecido: retomou seus principais programas sociais e lançou medidas para promover igualdades entre mulheres e homens, pretos e brancos. 

“É um governo generoso, que está se voltando para programas de relevância. A volta é muito bem-vinda, mas não pode ser vista como último passo da jornada. É preciso trazer a qualidade de volta a estes programas”, afirma o economista Marcelo Neri, um dos maiores especialistas em combate à pobreza do País, diretor da FGV Social.

Generosidade com lastro

Neri, defensor contumaz de políticas sociais, avalia que o governo acerta ao turbinar programas como o Bolsa-Família, mas precisa fazê-lo com responsabilidade fiscal. “Generosidade com lastro”, define,  “o que está se fazendo”, procurando fazer.

As propostas de Haddad para equilibrar as contas públicas sem aniquilar investimentos públicos, aliás, também compõem um pacote de mudanças significativas neste curto espaço de tempo. A substituição do teto de gastos pelo arcabouço fiscal anunciado nesta quinta-feira miram um país sem déficit já no ano que vem. 

Mas para oxigenar a economia num cenário desafiador de juros elevados, alta inflação e dificuldades de geração de empregos formais, o governo vai precisar mesmo “incluir o pobre no orçamento e o rico nos impostos”, uma promessa do presidente Lula que poderá ser cumprida na reforma tributária, a conferir. 

Se nos últimos dias do trimestre Lula passou por momentos difíceis ao lançar, sem provas, dúvidas sobre operação da Polícia Federal que protegeu, entre outras autoridades, o senador Sérgio Moro (o juiz desafeto que o encarcerou) de traficantes, o presidente eleito chega ao final deste trimestre com muito a ser comemorado, nas palavras da jornalista Miriam Leitão, em coluna do Jornal O Globo. 

“Só para citar um detalhe, na próxima sexta-feira, não acordaremos com os quartéis ofendendo os fatos e comemorando a ditadura militar. Diversas áreas mudaram para melhor, da política externa à proteção dos indígenas, da ação ambiental à política cultural”.

Resumo de 10 ações do governo 

  • Mais equidade salarial e cotas na administração pública

A diversidade e o aumento da proteção e do espaço para grupos sociais que são mais atingidos por oportunidades desiguais são temas que têm tido grande foco neste governo, que teve início com número recorde de mulheres liderando ministérios. No último dia 21, o presidente Lula anunciou um pacote de medidas afirmativas. Entre estas está a criação do programa Aquilomba Brasil, que atuará na promoção dos direitos da população quilombola e a assinatura de um decreto que prevê reserva de 30% das vagas em cargos da administração pública para pessoas pretas.

Além disso, no dia 8 de março, o governo federal já havia anunciado a regulamentação de cota também para mulheres vítimas de violência, de 8%, nas contratações públicas na administração federal direta, autarquias e fundações. No mesmo dia, Lula prometeu enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei visando garantir igualdade salarial para homens e mulheres que exercem a mesma função. Em caso de disparidade de rendimentos, a medida deverá prever multa de dez vezes o valor do maior salário pago na empresa.

  • Aposentados e pensionistas no centro das atenções

Aposentados e pensionistas do INSS também estiveram no centro das atenções, o que até já foi motivo de uma das primeiras crises entre o governo e as instituições financeiras. Preocupado com a taxa de endividamento desse público, que já atinge cerca de 22% dos beneficiários da previdência, onde mais de oito milhões de pessoas têm contrato ativo de empréstimo consignado e cerca de 1,8 milhão já chegaram ao limite de utilização (45% do benefício), o governo chegou a aprovar, no dia 13 de março, um novo limite de juros para esse público, de 1,70% por mês. A medida, porém, acabou precisando ser revista, depois que os bancos anunciaram a suspensão nas linhas de crédito consignado do INSS. O sistema bancário alega que, com a taxa reduzida não há viabilidade econômica nas operações, o que seria, inclusive, proibido por lei como forma de garantir a saúde do sistema financeiro.

Já os problemas operacionais do INSS, por enquanto, se mantêm. A fila da perícia médica já atinge cerca de um milhão (996.867) de pessoas, 20% a mais que no mesmo período do ano passado (828 mil) e o maior patamar em quatro anos. Falhas no sistema Dataprev são algumas das maiores dificuldades enfrentadas. No dia 16 de março, os ministérios da Previdência Social e da Gestão e Inovação em Serviços Públicos debateram, em Brasília (DF), a priorização de ações tecnológicas estruturantes para otimização dos sistemas operacionais da Dataprev utilizados pelo instituto. O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, informou, na ocasião, que o governo está investindo em inovação e infraestrutura para qualificar o processamento anual dos requerimentos. Porém, ainda nenhum prazo para mudanças foi ainda anunciado.

  • Aumento real do salário mínimo e correção da tabela do IR

A redução do poder de compra da população é mais um dos obstáculos que o governo federal precisa transpor. Uma medida provisória editada em dezembro, pelo governo anterior, elevou o salário mínimo para R$ 1.302, valor que considera a variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), acrescido de ganho real de 1,4%. O Congresso Nacional, no entanto, aprovou na proposta orçamentária para 2023 o valor de R$ 1.320.  E, no dia 16 de fevereiro, o presidente Lula confirmou que esse novo valor passará a vigorar, a partir do mês de maio.

Na ocasião do anúncio, o presidente afirmou ainda que divulgará também em maio a nova faixa de isenção do Imposto de Renda, que deverá passar de R$ 1.903,98 para R$ 2.640, com progressão de alíquotas até chegar a R$ 5 mil. Promessa de campanha de Lula, a atualização da tabela do IR, que era costumeira durante os governos anteriores do PT, não é feita há 7 anos. A última correção foi realidade em 2015.

  • Aplicativos de transporte e delivery e a precarização do trabalho

A regulação do trabalho feito por meio de plataformas digitais é um dos aspectos que estão no centro das polêmicas envolvendo o novo governo federal. Desde janeiro de 2022, Uber Eats, James Delivery e Alfred Delivery deixaram o mercado nacional e, recentemente, o 99 Food do Brasil anunciou sua saída do Brasil. 

Uma comissão criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro deste ano debate a criação de regras para o segmento, com vistas a uma redução das condições precárias de trabalho a que motoristas e entregadores, por exemplo, são submetidos. Assim, o governo vem empenhando esforços para formalizar um novo pactoentre os trabalhadores e as empresas.

  • Fundo Amazônia

No primeiro dia de governo, Lula determinou a retomada do Fundo da Amazônia, programa que financia projetos de fiscalização e redução do desmatamento. Criado em 2008, o fundo estava parado desde abril de 2019 porque o governo Bolsonaro quis tirar sua gestão das mãos do BNDES, o que não foi aceito pelos países doadores, responsáveis pelos aportes no fundo.

A reinstalação do comitê gestor do fundo pelo BNDES foi anunciada em meados de fevereiro pelo presidente da instituição, Aloisio Mercadante, ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Na ocasião ela afirmou que o governo recebeu sinalização de interesse da França, da Espanha, da União Europeia de doarem recursos. Estados Unidos também manifestaram interesse em participar. 

O fundo recebeu em fevereiro R$ 1 bilhão da Noruega e R$ 200 milhões da Alemanha. No total, o Fundo Amazônia acumulava R$ 5,4 bilhões até fevereiro, com R$ 1,8 bilhão já contratado. Atualmente o Fundo apoia 102 projetos com ênfase no combate ao desmatamento, que podem ser conhecidos na página do fundo 

  • Resgate dos Yanomami

Na primeira semana de governo, a ministra Sonia Guajajara articulou uma força tarefa em prol do povo Yanomami. Foi decretada situação de emergência sanitária e envio de força tarefa do SUS. A primeira ação concreta foi a visita ao território onde começaram a ser entregues cerca de cinco mil cestas básicas aos indígenas, além da assistência médica de emergência.  

A crise sanitária e humanitária dos Yanomami resultou – segundo o governo federal – na morte de ao menos 570 crianças. Vitimadas por desnutrição, malária, pneumonia, verminose e, sobretudo, por omissão das autoridades, que haviam sido avisadas da calamidade, estimulada pela ação de garimpeiros ilegais, contaminando águas com mercúrio e interceptando a pouca ajuda que era enviada à população indígena.  

Foi criado Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das populações em território Yanomami, coordenado pela Casa Civil  da Presidência da República e com a participação do Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Saúde, Ministério da Defesa, entre outras pastas.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino determinou a abertura de inquérito policial para apurar o crime de genocídio e crimes ambientais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Quatro deputados federais do PT ainda protocolaram uma representação criminal na Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro, a ex-ministra Damares, os ex-presidentes da FUNAI Franklimberg Ribeiro de Freitas e Marcelo Xavier por suspeita de crime de genocídio. 

Atendimento aos Yanomami mobilizou diversas áreas do governo. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

  • Restrição a armas

Também no primeiro dia de governo, Lula revogou decretos de Bolsonaro que facilitavam o acesso a armas de fogo, restringindo a compra  e de munição para caçadores, colecionadores e atiradores, cancelando também novos registros de escolas de tiros até que o Estatuto do Desarmamento seja reeditado.

Lula suspendeu os registros para aquisição e transferência de armas de fogo por caçadores, colecionadores e atiradores. As licenças estão suspensas até que o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003) tenha uma nova regulamentação. No documento, Lula institui um grupo de trabalho para tratar do assunto. O texto estabeleceu 60 dias para que todas as armas de uso permitido e de uso restrito registradas após as normas de Bolsonaro fossem cadastradas no Sistema Nacional de Armas (Sinarm).

O Decreto nº 9.785, feito por Jair Bolsonaro em 2019, permitia que colecionadores adquirissem até cinco armas de fogo de cada modelo, os caçadores podiam possuir até 15 e os caçadores até 30 . Com o Decreto de Lula, será consentida a posse de três armas de fogo de uso permitido.

  • Relações exteriores

Do isolamento ao protagonismo, o Brasil começou uma reviravolta nas relações exteriores desde o dia primeiro de janeiro. O presidente Lula em menos de dois meses já foi recebido pelo chefe do país mais poderoso do mundo, e, por pouco, não se encontrou com o líder da segunda maior economia global. 

Lula e Joe Biden celebraram juntos a vitória da democracia, após o extremismo de direita que marcou a história mais recente antes de suas vitórias nas urnas. Economia e clima também foram alvo da pauta. Clima, aliás, foi e continuará sendo o tema prevalente do governo, um dos principais diferenciais deste governo em relação ao anterior para se aproximar do mundo.  Lula também visitou os vizinhos Argentina e Uruguai. No final de março, teve de adiar viagem à China por orientação médica, pois sofreu de pneumonia.

Lula condenou a invasão russa e negou envio de munição à Ucrânia, um pedido feito pela Alemanha. Lula sugeriu ainda a criação de um comitê pela paz,  um grupo de países que possam negociar. “O Brasil não tem interesse em passar munições para que elas não sejam utilizadas na guerra entre Ucrânia e Rússia. Brasil é país de paz. 

  • Bolsa-Família, Minha Casa, Minha Vida

Um dos pontos altos do governo foi a retomada do Bolsa-Família, que havia sido extinto pelo governo Bolsonaro em época eleitoral, substituindo-o pelo Auxílio Brasil. O programa de Bolsonaro, contudo, não apresentava caráter de programa social, mas sim de ajuda financeira.

“A diferença entre os dois projetos é enorme. O Bolsa Família é um programa social permanente, já o Auxílio Brasil é (era) uma ajuda financeira pontual. O Bolsa Família envolve diversas dimensões da vida, como por exemplo a saúde, a educação, a preparação para a saída do programa e para a entrada no mercado de trabalho, além da dimensão do auxílio financeiro que é transformada em compra de alimentosl”, explica o professor de economia e ex-diretor do IPEA, João Sicsú.

No Bolsa-Família, os beneficiários precisam obedecer a condicionalidades para receber. Na área de saúde, as crianças têm de cumprir o calendário de vacinação e realizar acompanhamento do estado nutricional (peso e altura) e as gestantes devem realizar o pré-natal. Na área de educação, as crianças e adolescentes precisava frequentar a escola e cumprir uma frequência escolar mensal mínima. O benefício começa a ser pago com o valor de R$ 600, como prometido na campanha. Em março, começa a transferência dos R$ 150 extras para cada criança com menos de 6 anos.

Em 14 de fevereiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, anunciou a retomada do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), com a entrega de 2.745 unidades habitacionais. A meta é contratar, até 2026, dois milhões de moradias. Uma das principais novidades do programa é o retorno da Faixa 1, agora voltada para famílias com renda bruta de até R$ 2.640 (em vez de R$ 1.800). Nos últimos quatro anos, a população com essa faixa de renda foi excluída do programa. Agora, a ideia é que até 50% das unidades financiadas e subsidiadas sejam destinadas a esse público. Historicamente, o subsídio oferecido a famílias dessa faixa de renda varia de 85% a 95%.

Outras novidades do Minha Casa, Minha Vida são a ampliação da inclusão da locação social, a possibilidade de aquisição de moradia urbana usada e a inclusão de famílias em situação de rua no programa. Os novos empreendimentos estarão mais próximos a comércio, serviços e equipamentos públicos, e com melhor infraestrutura no entorno.

Simone Tebet e Fernando Hadadd anunciaram projeto de novo arcabouço fiscal. Crédito: João Cruz/Agência Brasil

  • Âncora fiscal e teto de gastos

Nos primeiros meses de governo, o ministro da Fazenda Fernando Haddad se movimentou para resolver problemas centrais herdados pelo governo anterior, como a bomba fiscal alavancada por medidas eleitoreiras e a insatisfação de governadores que tiveram seus orçamentos fortemente afetados por essas medidas. 

Em seguida Haddad fez peregrinação no Congresso para apresentar parcialmente suas propostas para substituir o teto de gastos atual por um conjunto de medidas que permita ao País investir mais sem causar déficit em suas contas.

As regras anunciadas na semana passada por Haddad e pela ministra Simone Tebet, do Planejamento, limitam aumento de gastos a 70% do crescimento da receita, bem como estabelece teto e piso para o incremento de gastos.

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