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Moradores da Cidade Tabajara, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, aguardam desde 2011 pela construção de uma praça em uma das poucas áreas verdes do bairro. Naquele ano, viram a promessa ser oficializada por meio de uma placa que anunciava o investimento federal: R$ 2,6 milhões para a construção de mini áreas de lazer em 10 bairros da cidade. Porém, até hoje nem um banco ou uma simples mesa de dominó chegaram a ser erguidos pelo poder público. A manutenção da área é feita pela própria população.
Há duas semanas, os moradores foram surpreendidos com a chegada de um caminhão da Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Abreu e Lima, liderada pelo presidente Roberto José, cheio de tapumes para cercar o terreno onde deveria ser uma praça. Para dar lugar à igreja, árvores frondosas precisariam ser derrubadas.
Houve protesto. Revoltadas, algumas pessoas arrancaram os tapumes para conter o início das obras. Neste fim de semana, parte da população se reuniu em mutirão para melhoria do local como forma de seguir ocupando e reivindicando o espaço.
Durante duas gestões — Renildo Calheiros (PCdoB) e Lupércio Nascimento (PSD) —, a Cidade Tabajara esperou para que a obra anunciada na placa se transformasse em realidade. Enquanto as opções públicas de lazer se deterioravam, a quantidade de igrejas evangélicas se multiplicou e os fundamentalistas adentraram a gestão municipal. Agora, na gestão da prefeita Mirella Almeida (PSD), sucessora de Lupércio, a população de Tabajara luta para ver o sonho coletivo de ter uma área de lazer, sem perder espaço para mais um templo.
O que era para ser um projeto poliesportivo em formato de T, em alusão à “Tabajara”, em frente ao posto de saúde, hoje existe apenas uma quadra e uma pista de skate deterioradas. No ano passado, a prefeitura derrubou algumas árvores da praça, que foram replantadas pelos próprios moradores.
O morador Pedro Rogério relata que representantes da Assembleia de Deus de Abreu e Lima informaram que a prefeitura havia doado o terreno para a construção de uma nova unidade da igreja. “Mas não tivemos uma audiência pública, a população não foi ouvida. Nós queremos pelo menos o documento mostrando que a Prefeitura de Olinda doou o terreno para a igreja”, cobrou Pedro no dia do protesto.
“A gente conversou com o pessoal e perguntou se eles tinham alguma autorização. Eles disseram que tinham autorização e que a gente procurasse o Ministério Público”, detalhou à reportagem.
“A gente pediu então para que eles parassem a obra, aí eles ligaram para a prefeitura. Estiveram aqui funcionários da Secretaria de Gestão Urbana e da Secretaria de Meio Ambiente e Planejamento Urbano. A Defesa Civil já estava presente aqui quando vieram colocar os tapumes. A gente disse que só queria a documentação, ninguém tinha. E até agora não apresentaram”, relata Pedro.
Em resposta à Marco Zero, a Prefeitura de Olinda confirmou que recebeu um pedido formal da Igreja Assembleia de Deus para a doação do terreno e informou que o pedido está em análise pela Procuradoria Geral do Município. “O parecer sobre a viabilidade jurídica do processo será emitido em breve, e as partes envolvidas serão notificadas assim que a análise for concluída”, disse a nota oficial.
A gestão também informou que a igreja não tinha autorização para cercar a praça e também não há autorização para a derrubada de árvores no terreno, uma vez que o processo de doação não foi oficializado. Disse ainda que os funcionários municipais presentes no local “estavam apenas para dirimir o conflito, não tendo como objetivo acompanhar a instalação de tapumes”.
“Os planos para o local ainda estão sendo avaliados, e a Prefeitura segue à disposição para mais esclarecimentos, assim que o processo avançar”, complementou a equipe da prefeita Mirella. “A Prefeitura de Olinda está dialogando com os moradores e as partes interessadas. A situação continua sendo analisada pela Procuradoria Geral do Município, e a Prefeitura segue comprometida em garantir transparência no processo e em manter as partes envolvidas devidamente informadas”, frisou a nota.
A reportagem solicitou entrevista com um representante da Assembleia de Deus de Abreu e Lima na semana passada, mas não obteve retorno.
Um abaixo-assinado online endereçado ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e à Prefeitura de Olinda reivindica, entre vários pontos, a construção da praça, transparência e investigação imediata sobre o destino do investimento de R$ 2,6 milhões para a construção de praças e espaços de lazer em 2011.
“Isso é um absurdo. Somos um bairro bastante carente, a gente já sofre por falta de saúde e educação. A gente não tem um lugar digno para as nossas crianças brincarem, esse é o único espaço verde em que já existe um projeto e a gente não vai perder esse espaço para a prefeitura de jeito nenhum”, reforça Pedro.
“Eu prefiro a praça para as nossas crianças e os nossos idosos caminharem do que a igreja. O bairro já tem muita igreja, o bairro precisa mais de praça”, diz Irineu William, trabalhador da área de tecnologia de informação, que costuma passear com o filho pequeno e interagir com as pessoas idosas no local.
A aposentada Aleide Mirada também dá sua opinião: “Isso aqui é uma área de mata verde, é um lazer para a gente de idade. Às vezes, a gente vem com as compras lá de baixo e o único lugar que a gente chega para respirar é aqui. Eles querem acabar com uma coisa que serve para o povo. A gente vem de tarde, bota os meninos para brincar. Não estou de acordo, a igreja pode comprar um terreno”.
A vereadora de oposição Eugênia Lima (PT) tem feito cobranças à gestão olindense e se reuniu, no dia 30 de janeiro, com os moradores para tratar da questão. Segundo ela, no entanto, a prefeitura ainda não deu qualquer retorno.
No final de semana, comunidade realizou mutirão para limpar o terreno
Crédito: Arnaldo Sete/Marco ZeroVencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com