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Assustada e revoltada, comunidade LGBT exige ações concretas de proteção da UFPE

Débora Britto / 27/03/2018

Na segunda-feira (26), diversas estudantes, ativistas e movimentos participaram do ato-aula “Somos Todxs Dália” contra a lgbtfobia e em repúdio ao ataque à estudante Dália Celeste, acontecido na última sexta-feira (23), dentro do campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O choque com o caso se tornou rapidamente em mobilização por resposta efetivas de proteção à comunidade LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais. O evento aconteceu entre os prédios do Centro de Educação e Centro de Filosofia e Ciências Sociais, perto de onde Dália sofreu a agressão por dois homens ainda não identificados.

Os sentimentos de medo e impotência se misturam aos de revolta. As falas de solidariedade e acolhimento à Dália, que já registrou boletim de ocorrência no fim de semana, também cobraram medidas urgentes da universidade para acompanhar a investigação e rever a política de segurança para a comunidade LGBT. Durante o espaço, estudantes aproveitaram para denunciar tentativas e casos de estupros e de violência contra lésbicas e gays que não chegaram a despertar atenção porque muitas pessoas sequer têm coragem de prestar queixa.

Henrique Costa, mestrando de Serviço Social na UFPE e integrante da ONG Boa Vista, uma das pessoas que abriu a aula pública, foi enfático ao cobrar a responsabilidade da Reitoria da UFPE para realizar ações preventivas contra LGBTfobia no campus, destacando que o contexto de violências no campus é uma realidade da qual pouco se fala. “O caso de Dália não é isolado na UFPE. A gente não pode cair no discurso punitivista e dizer que a culpa é só do agressor de Dália. É claro que o sujeito tem culpa, mas a universidade tem que fazer a mea culpa”, disse.

Para o estudante, apesar da Diretoria LGBT ser um avanço e um “espaço de resistência” na universidade, a instituição tem um histórico de negligência com a comunidade LGBT que precisa ser revisto. “Não há uma atenção por parte da reitoria em considerar essa diretoria”, diz. “A gente tem uma diretoria e uma política que é reconhecida nacionalmente, mas que do ponto de vista material e do cotidiano a gente não se sente assegurado nos nossos direitos, na nossa integridade física”, explica, deixando claro a importância do órgão e de uma formação qualificada de profissionais da universidade. Segundo ele, é preciso dar um passo atrás e voltar às ações da política para a população LGBT que foram prometidas pela atual gestão e não chegaram a acontecer.

“A gente que instituição que nos proteja, a gente quer estado que garanta nossa existência, a gente quer reitoria – que foi eleita pela população LGBT – que garanta nossos direitos. Nós sempre nos cuidamos, mas jogar para nós a responsabilidade por uma atitude transfóbica, que é estrutural, é desonesto. Os nossos poderes de agência contra essa violência é infinitamente menor do que essa instituição pode fazer”, cobrou.

“Eu sou Dandara Viva” 

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Estudante Dália Celeste

Emocionada, mas firme, Dália fez referência à Dandara dos Santos, travesti cearense que foi espancada e morta e teve o nome levado aos jornais porque uma filmagem da violência que sofreu mobilizou a sociedade. “Eu sofri agressão porque eu existo, eu não fiz nada”, disse, e destacou a sorte de sobreviver ao ataque e agora poder falar por ela e por outras pessoas trans que se foram. “Eu estou falando por mim e por todas essas mulheres e rapazes, essa população LGBT. Esse caso não foi o caso de Dália, foi o caso de várias mulheres. É um caso de transfobia, é a realidade do que passamos diariamente”, afirmou.

Além da agressão verbal e física, ela também foi assediada sexualmente, por meio de uma apalpada, durante a agressão. Agora, pelas redes sociais vem sofrendo ataques por ter a força de se levantar contra a violência da qual foi vítima. Resiliente, promete que não vai desistir até obter justiça. “A gente sempre espera a notícia de outras pessoas”, diz ela, que até o ataque não se sentia insegura dentro do campus. Sobre o que espera da sociedade e da UFPE, ela quer um olhar específico para as mulheres negras, trans e periféricas como ela.

“Eu não vou pedir para ninguém abrir os olhos, porque eles já enxergam, mas passam pano porque é sempre melhor calar do que falar sobre. Eu só quero que seja feita algum procedimento. que sejam tomadas atitudes e que parem de tentar tapar o sol com a peneira. Dessa vez tentaram me calar, eu não calei e hoje vão me ouvir”.

Diretoria LGBT 

À frente da Diretoria LGBT da UFPE, a professora Luciana Vieira esteve presente no evento e respondeu às críticas sobre segurança explicando que não pode responder pela assunto na universidade, mas que para o evento o departamento foi notificado e esteve presente. “No evento, a cultural, a gente teve todo o suporte da segurança”, afirmou.

Segundo ela, a política institucional para a população LGBT também prevê a formação do corpo de funcionários – inclusive os terceirizados – para lidar com a comunidade LGBT. Em janeiro foi realizada capacitação de 300 servidores. A segurança é um dos grupos que ainda deverá passar pela capacitação. “Foi nesse momento (da agressão) que a gente estava desenhando a agenda da capacitação. A nossa gestão tem como meta capacitar a universidade inteira”, diz.

A política para a população LGBT, no entanto, ainda espera pela formalização dentro da universidade como uma política institucional. Segundo Luciana, devido a questões burocrática e de tempo. “A gente tem que garantir que a política LGBT seja institucional e não de gestão A ou B. A UFPE não está fora do que estamos vivendo no Brasil”, explicou, mostrando preocupação com o cenário do avanço conservador que está presente também na universidade.

Recentemente, a Diretoria LGBT foi denunciada ao Ministério Público Federal (MPF) por supostamente dar privilégios a estudantes LGBT – a diretoria tem bolsistas que trabalham nas ações educativas e preventivas. Ela vê nesse processo um possível ataque de grupos organizados lgbtfóbicos que desejam fragilizar o órgão e a comunidade LGBT.

Como continuidade da mobilização, a Diretoria LGBT chamou novo evento para discutir quais ações precisam ser tomadas daqui para frente. A reunião deliberativa sobre casos de LGBTfobia na UFPE acontecerá na próxima terça-feria (3), às 14h, em frente ao CFCH, no campus Recife. Luciana explica que a ideia é ouvir estudantes e movimentos para construir propostas para a segurança da comunidade. “A ideia é que a diretoria seja essa canal do que a gente pode fazer – a partir da escuta – para melhorar a segurança da universidade”.

Rotina de medo e adoecimento

ok“O que Dália está fazendo agora não é só um ato de coragem, mas um ato de risco”, disse um estudante trans durante o evento. A declaração sintetiza o sentimento partilhado por muitas e muitos estudantes LGBT que preferiram não se identificar. Com medo de represálias e perseguições, o ambiente em que deveriam se sentir seguros para construir conhecimentos e reflexões sobre o mundo tem sido uma ameaça à saúde mental – e física – de várias pessoas.

A estudante de filosofia Gabriela Oliveira, 20 anos, estava no evento cultural e presenciou grupos, segundo ela, com atitude suspeitas e hostis especialmente com mulheres lésbicas e trans. Sua companheira, naquela mesma noite, foi abordada por um homem que a constrangeu e pressionou com insinuações. “Eu não me sinto segura nem dentro de casa. Diante disso, eu não sei se posso dizer que eu me sinto segura em algum lugar. Mas existem momentos e ambientes que eu esqueço da insegurança ao meu redor e a Federal definitivamente não é um desses lugares”, revela a estudante, que na convivência com o medo, evita até andar de mãos dadas com a namorada dentro do campus.

Para Morsi Barbosa, 18 anos, estudante de História, a sensação, a partir de agora, é de puro medo. Apesar dos avanços, a agressão após um evento construído pela comunidade LGBT acende um alerta para o futuro: mesmo com a Diretoria LGBT, como proteger de fato as pessoas trans no campus? “Existiam muitas pessoas que estavam intimidando pessoas LGBT (na sexta-feira). O sentimento que fica é que nem naquele ambiente que foi construído por nós, pessoas LGBT, a gente podia se sentir segura. Enquanto eu estava lá, antes do assédio verbal que Dália sofreu, eu me senti intimidada”, conta.

Chegar e sair da universidade diariamente é conviver com a insegurança também no entorno do campus que, segundo ela, é muitas vezes hostil às pessoas trans. “Tenho medo de, às vezes, passar um batom, de colocar uma saia para vir para a faculdade. Eu tenho que respirar fundo para vir. Isso porque a gente pensa que a universidade é um universo diferente. Na rua isso é muito pior”, revela. “Já não basta a gente estar com toda a pressão da saúde mental dos estudantes e ainda ter que lidar com essas coisas”.

Cobrança externa

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Colegas do pré-vestibular solidário fizeram manifestação de apoio a Dália

Muitas organizações e movimentos para além do estudantil estiveram no ato, com falas, apoio e cobrança à universidade por ações que mudem o cenário de insegurança instalado no campus. Foi o caso da Amotrans (Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco), NATRAPE (Nova Associação de Travestis e Transsexuais de Pernambuco), Fonatrans-PE (Fórum de Pessoas Travestis e Transexuais Negras e Negros), Conselho LGBT de Pernambuco, ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Grupo FRIDA (Unicap) e outros. Como continuidade da mobilização, a Diretoria LGBT chamou novo evento para discutir que ações pecisam ser tomadas daqui para frente. A reunião deliberativa sobre casos de LGBTfobia na UFPE aocntecerá na próxima terça-feria (3), às 14h, em frente ao CFCH, no campus Recife.

O que diz a UFPE

De acordo com nota publicada no site institucional , a Susperintendência de Segurança Institucional da UFPE (SSI) foi informada pela Diretoria LGBT e planejou a segurança do evento por meio da Diretoria de Operações da SSI, segundo ela “tendo atuado no evento quatro setores da segurança: Grupo Tático Operacional (GTO), Divisão de Investigação e Perícia (DIP), Diretoria de Fiscalização e Controle Urbano e a TKS vigilância”.

Além disso, também informam que o setor de investigação da SSI está acompanhando de perto as investigações de forma integrada com a Política Civil para identificar os agressores da estudante. “Estamos trabalhando de forma integrada com a Polícia Civil desde que tomamos conhecimento do ocorrido, na noite da sexta-feira”, afirmou o superintendente de Segurança Institucional, Armando Nascimento.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.