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Atrasadas, obras do rio Fragoso não irão solucionar os alagamentos em Olinda

Giovanna Carneiro / 14/05/2021
Jardim Fragoso, em Olinda, alagado

Crédito: Cortesia

“Perdi tudo pela segunda vez. Só deu tempo de pegar meus documentos e tirar os meus filhos de dentro de casa”. Andreia Neves, moradora do bairro de Jardim Atlântico, em Olinda, precisou sair de casa às pressas na noite da quinta-feira, 13 de maio. Com água na cintura, ela não conseguiu salvar os seus pertences e procurou abrigo na casa de uma amiga. “Guarda-roupa, cama da minha filha, o berço do meu filho, minha geladeira nova, fogão, está tudo lá na água, não presta mais nada”, desabafou.

Como ela disse, essa não é a primeira vez que Andreia enfrenta as consequências dos alagamentos que acontecem no entorno do Rio Fragoso. Em 2019, a moradora passou pela mesma situação e, além de perder os pertences, teve parte da estrutura de sua casa danificada. E os transtornos estão longe de acabar. “A gente [moradores do Jardim Fragoso] procurou tanto a Prefeitura quanto a Cehab há meses, mas o problema é que eles deixam para resolver tudo quando a chuva já está acontecendo e depois dizem que, por causa da chuva, não dá para fazer nada. E por que não fez quando ainda estava sol? ”, questiona.

De acordo com a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac), a estação pluviométrica de Jardim Atlântico registrou 167 mm de chuva entre as 9h da quinta-feira, dia 13 de maio, e as 9h desta sexta-feira, 14 de maio. Na manhã de quinta-feira, a agência havia alertado para as continuidades de chuvas intensas, com potencial para ultrapassar 150mm, nas regiões da Mata Sul, Mata Norte e Região Metropolitana do Recife.

Os alertas da Apac sempre tiram o sono dos moradores das proximidades do Rio Fragoso. É o caso de Eliane Alves, que está ilhada em seu apartamento no Jardim Atlântico. “As pessoas que moram no térreo já estão com água nas canelas, está impossível de sair”, declarou. Próximo ao prédio onde Eliane vive está o Bar do Zito, estabelecimento que pertence ao seu irmão e que foi atingido e danificado pelas inundações mais uma vez. “Desde 2016 é assim, sempre que chove ele perde tudo”.

A fim de resolver os alagamentos nos bairros cortados pelo curso do rio, a Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab) e a Prefeitura de Olinda executam a obra de intervenção e requalificação do rio Fragoso – ou canal do Fragoso, como denominam as autoridades. Iniciadas em 2013, as obras tinham previsão para acabar em 2016, porém, cinco anos depois ainda não se sabe quando serão finalizadas e os moradores seguem em situação de risco com a chegada das chuvas.

Eliane Alves afirma que a situação até piorou depois do início das obras. “Eu moro aqui há 33 anos e antes não era assim, a água do canal não chegava na minha casa. Desde 2016, depois dessas obras, as coisas pioraram e muito, eu digo que moro dentro do canal”, declarou.

Jardim Fragoso, em Olinda, alagado

Mais uma vez, Jardins Fragoso e Atlântico foram tomadas pelas águas do rio Fragoso. Crédito: Cortesia

Obras podem não ser a solução

“O projeto está preocupado em melhorar a malha viária, a diminuição dos alagamentos está em segundo plano, aí é onde está o problema”, declarou o ambientalista Alexandre Moura. Morador de Jardim Atlântico, em Olinda, Alexandre enfrenta as consequências dos alagamentos e acompanha de perto as obras no rio Fragoso.

O questionamento apresentado pelo ambientalista diz respeito ao fato das obras estarem inseridas no projeto maior da criação da Via Metropolitana Norte, um sistema viário que prevê a integração entre a PE-15, em Olinda, e a PE-01, em Paulista. A obra está dividida em quatro etapas e custou R$ 451,8 milhões, somados recursos federais e estaduais.

Junto com outros moradores de bairros da região, ativistas e acadêmicos, Alexandre integra o Fragoso Resiste, um coletivo que monitora os impactos ambientais e os efeitos das obras do rio Fragoso nos alagamentos causados pela chuva.O coletivo questiona a falta de estudos dos impactos ambientais que as obras causam para o município de Olinda e defendem que as propostas apresentadas pelo projeto não são capazes de solucionar os alagamentos.

“Analisando o projeto do canal, observa-se que a concepção foi realizada para a construção da avenida que sairá da ponte do Janga margeando o canal e terminará na PE-15. Para a avenida, o canal funcionará bem. Porém, para resolver os problemas de alagamento nas áreas baixas da bacia hidrográfica, a solução é mais complexa e exige um estudo detalhado de cada local”, declarou, Jaime Cabral, professor de Engenharia e coordenador do Grupo de Recursos Hídricos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Cabral participou de um mapeamento da geometria do canal do Fragoso. O estudo atestou que a área do entorno no canal é muito baixa e, por isso, diversos pontos de alagamento continuarão existindo mesmo após a finalização das obras do canal. O professor explicou que, para o levantamento foi utilizado um modelo computacional que trabalha com as equações matemáticas da conservação da massa e da quantidade de movimento com uma boa precisão.

O estudo incluiu duas projeções de qual seria o impacto das chuvas em dois cenários: o primeiro, com o tempo de retorno de dois anos após a obra concluída e o outro com o tempo de retorno de 100 anos. O cálculo é feito com base na média acumulada dos prazos de precipitação das chuvas. O modelo computacional indica que a os alagamentos ao longo do rio irão continuar, apesar das obras.

Projeção das enchentes Olinda dois anos após o final das obras do rio Fragoso. Créditos: Coletivo Fragoso Resiste

No cenário projetado 100 anos depois, os alagamentos seriam ainda maiores. Crédito: Coletivo Fragoso Resiste

“A altitude do terreno é só ligeiramente maior do que o nível da maré alta, de modo que as águas escoam muito lentamente em direção ao mar. Alguns trechos eram antigos manguezais que foram aterrados e são locais muito vulneráveis aos alagamentos. Além disso, a crescente urbanização da bacia vai deixando os lotes cada vez mais impermeabilizados, então a água de chuva não consegue se infiltrar no terreno e vai se acumulando nos locais baixos”, concluiu o professor.

Ainda de acordo com Jaime Cabral, uma das medidas que podem solucionar, ou pelo menos diminuir, os alagamentos em alguns bairros de Olinda é a construção das lagoas de retenção. Porém, esta etapa das obras, que é de responsabilidade da Prefeitura de Olinda, ainda não foi entregue. “A ideia da Lagoa de retenção é boa. Ela funciona segurando a água da chuva num local perto da PE-15 evitando que a água chegue nos bairros mais baixos e produza alagamento”, explicou.

O projeto em torno do rio Fragoso é dividido entre a Cehab e a Prefeitura de Olinda. A Cehab entregou a primeira fase do projeto em março de 2020 com o revestimento de 2,3 quilômetros do rio e a construção de oito pontes. De acordo com a Companhia, a lagoa de retenção, que é de responsabilidade da Prefeitura de Olinda, deveria ter sido entregue no mesmo período.

A licitação para a realização da lagoa de contenção do Fragoso só foi realizada pela prefeitura na última segunda-feira, 10 de maio, mais de um ano depois da conclusão da primeira etapa entregue pela Cehab. Ainda assim, não há prazo para finalização das obras. Em 2017, o Tribunal de Contas do Estado, por meio de um processo de auditoria especial, passou a vistoriar e acompanhar a execução da obra no entorno do rio Fragoso.

“Não é um canal, é um rio”

“Uma das reivindicações do Fragoso Resiste é pela denominação correta do local. Não é um canal, é um rio”, afirmou o ambientalista Alexandre Moura. Em 2016, as chuvas fortes do inverno resultaram em mais um drama para a população olindense e os debates sobre as obras no rio Fragoso foram fortalecidos.

Em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o Alexandre defendeu a criação de uma área verde de lazer, o Parque Jardim Atlântico. A aprovação do projeto de revestimento e concretagem das margens do Fragoso impossibilitaram a proposta do ambientalista que agora luta, junto com o coletivo, para conseguir a implantação de parques lineares.

“A criação dos parques lineares nada mais é do que a implantação de equipamentos como quadras, academias, praças, nos trechos da margem do rio que ainda não foram revestidos, que ficam mais próximos da foz”, declarou Alexandre. De acordo com ele, esses parques podem ajudar a preservar uma área verde dos bairros, além de proporcionar lazer para a população.

O ambientalista aponta para o erro que é se referir ao rio como um canal e como isto pode impactar no meio ambiente. “Desde que deram início as obras começaram a se referir ao rio como um canal, mas são definições e funções muito diferentes”, declarou Alexandre.A diferença não é só semântica, mas, no dicionário, rio é definido como um curso de água natural, mais ou menos torrencial, que corre de uma parte mais elevada para uma mais baixa e que deságua em outro rio, no mar ou num lago. Já o canal é um sulco ou vala corrida, natural ou artificial, por onde corre água.

Integrantes do coletivo Fragoso Resiste estão tentando realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa ou na Câmara de Vereadores de Olinda para expôr os questionamentos sobre a obra do Rio Fragoso, além de exigir um estudo oficial e detalhado sobre os impactos ambientais e as possíveis soluções que o projeto trará para o problema dos alagamentos.

Chuva das últimas 24 horas

A Marco Zero Conteúdo recebeu diversos vídeos, imagens e queixas de moradores sobre os transtornos causados pelas fortes chuvas que ocorreram nas últimas 24 horas. Alagamentos nos bairros de Casa Caiada, Jardim Atlântico, Fragoso, que impedem a passagem de automóveis e pedestres e danificam estruturas.

Jardim Fragoso, em Olinda, alagado

Depois de prontas, obras devem piorar as enchentes com o passar do tempo. Crédito: Cortesia

Em nota, a Prefeitura de Olinda afirmou que está seguindo um planejamento estratégico traçado pela Operação Inverno com ações de retirada da vegetação de baronesas, limpeza dos 27 canais que cortam a cidade e suporte na limpeza das ruas da cidade com trabalho de máquinas e funcionários.

Devido ao alerta emitido pela Apac, que prevê a ocorrência de fortes chuvas também nesta sexta-feira, a recomendação é que a população procure a Defesa Civil em casos de emergência. O número para contato com a Defesa Civil de Olinda é 0800 281 2112.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.