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Realizadores pintam muro em frente à Ancine contra a censura
Por Mateus Moraes, especial para a Marco Zero Conteúdo
Apesar de 2020 estar apenas começando, os produtores de conteúdo audiovisual já têm diversas preocupações relacionadas ao que está por vir. Os ataques contra a sétima arte que aconteceram ao longo de 2019, que variaram entre corte de verbas e de incentivos, censura, extinção do Ministério da Cultura, mudanças no Conselho Superior do Cinema e desestabilização da Agência Nacional do Cinema (Ancine), impactaram na produção de filmes e séries nacionais fomentadas, principalmente, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
O corte e
congelamento das verbas públicas que financiavam os projetos de
produção audiovisual podem asfixiar o cinema nacional, por se
tratar de uma das artes mais caras, que demanda e mantém uma ampla
cadeia produtiva nas diversas etapas de produção, distribuição e
exibição. A escassez de recursos eleva também as pressões e
tensões entre os produtores. O mercado do audiovisual não está em
consenso.
Produtores reclamam
da falta de espaço e de uma certa burocracia nos editais, que,
avaliam, acabam beneficiando nomes com mais visibilidade no mercado.
O atraso de 11 meses na liberação do FSA em 2019, a proposta do
governo Bolsonaro de cortar 43% do fundo em 2020 e a não formulação
do Plano Anual de Investimentos (PAI) da Ancine são fatores que
podem elevar ainda mais o tensionamento no mercado audiovisual.
A paralisação das ações da Ancine é grave. A diretoria do órgão é composta por cargos, mas apenas dois estão ocupados – no dia 15 de janeiro, o presidente Bolsonaro indicou a servidora da Ancine Luana Rufino, uma conservadora católica, para ocupar uma dessas cadeiras que ficou vaga por todo o ano de 2019. O não preenchimento das diretorias comprometeu a liberação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, cuja previsão para o ano passado era de R$ 724 milhões. Os primeiros desembolsos só aconteceram em novembro. Segundo a Secretaria Especial da Cultura, “o FSA apoiou 591 projetos, com investimento total de R$ 467.106.089,47, dos quais R$ 396.062.199,61 já foram desembolsados”.
Para o produtor
cultural João Vieira Júnior, o Fundo Setorial (criado em 2006, no
Governo Lula) é um acerto por ser mantido pelo próprio setor e
proporcionar a decentralização da produção audiovisual. Com
distribuição de verbas públicas mais democrática, produtores do
Norte e do Nordeste conseguem acessar o dinheiro e, consequentemente,
fomentam a produção de material audiovisual em sua região. “Antes
disso, 90% era feito no eixo Rio-São Paulo. Acho que o corte nesse
benefício traz um risco muito sério de que pequenas e médias
produtoras desapareçam”.
Além dos cortes de
incentivo, 2019 também foi marcado pela censura no audiovisual. A
suspensão por decreto presidencial de um edital que previa ajuda de
custo para produções com conteúdo LGBTQI+ repercutiu de forma
negativa. O ato gerou a saída do então secretário especial de
Cultura do Ministério da Cidadania, Henrique Pires. “Eu tenho o
maior respeito pelo presidente da República, mas eu não vou
chancelar a censura”, disse Pires em entrevista ao G1.
“Eu mesmo participei de alguns editais como parecerista da comissão de seleção e vi projetos que foram aprovados serem vetados por Bolsonaro por envolverem questões LGBT e homoafetivas. Isso é inaceitável”, critica o cineasta e diretor Camilo Cavalcante.
Em Pernambuco, há
um programa que fomenta o desenvolvimento do cinema local e que deve
ser o principal aporte financeiro para os produtores audiovisuais do
Estado em 2020, considerando os cortes e a lentidão na libertação
dos recursos federais: o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura –
Funcultura.
Recentemente, o fundo lançou dois editais que, somados,
disponibilizam quase R$ 20 milhões para o setor. Marlom Meirelles,
cineasta e membro do Conselho do Audiovisual, entidade da sociedade
civil que dialoga com o Governo do Estado a fim de discutir políticas
públicas relacionadas ao segmento, conta que “o dinheiro
disponibilizado pelo Funcultura
dá uma melhor perspectiva de trabalho”, embora não seja
suficiente para atender a necessidade de todos que querem produzir
filmes em Pernambuco.
Meirelles
também afirma que a pluralidade de ideias e de perspectivas são
favorecidas por meio de políticas públicas que fomentam a produção
de conteúdo audiovisual. “.
Hoje,
Pernambuco é referência. A gente vê que, por exemplo, mais
mulheres têm acessado o fundo. Isto é política pública e isto faz
com que as produções tenham visões e temas diversos. Quando estas
políticas deixarem de ser de interesse do governo, a gente vai ver
as mesmas pessoas produzindo filmes e filmes com a mesma temática”.
Desde o 10º edital de programa do fomento do audiovisual do Funcultura, é estabelecido como regra que os projetos inscritos na categoria Formação devem destinar “pelo menos 50% das vagas para estudantes de escolas públicas, mulheres, negros(as), indígenas e pessoas deficientes” e que “será aprovado no mínimo 20% de projetos de obras audiovisuais de profissionais negros e indígenas”, além de outros incentivos para grupos historicamente deixados à margem das produções cinematográficas exercerem papéis de destaque dentro das equipes profissionais.
A novidade do edital aberto em 2019-2020 está na produção de longas e de produtos para TV, onde 50% dos recursos irão para realizadoras mulheres e diretores/diretoras negros e negras e/ou indígenas.
Apesar das
mudanças, ainda há várias críticas em relação à abrangência
da diversidade do Funcultura. Vários grupos e coletivos têm se
organizado para garantir de fato maior participação e protagonismo
na produção audiovisual em Pernambuco. O Mulheres do Audiovisual de
Pernambuco (MAPE) é um exemplo concreto.
“Eu acho que a gente avançou e tem avançado com relação à paridade entre homens e mulheres dentro do Funcultura. No edital passado, em 2018, a gente teve 49%, se não me engano, de projetos aprovados por mulheres em funções “cabeça-de-chave” (roteirista ou diretora) e isso foi massa. Mas, quando a gente fez o levantamento desses projetos, a gente percebeu que eram projetos de desenvolvimento ou com orçamentos menores. Os grandes orçamentos continuavam nas mãos dos homens. Então a gente começou a pautar também essa paridade dentro do orçamento geral”, explica Déa Ferraz, integrante do MAPE.
Outro grupo que se
propõe a discutir a real democratização do acesso ao fundo
disponibilizado pelo Estado é o Coletivo Negritude do Audiovisual de
Pernambuco. Segundo Igor Travassos, integrante do coletivo, o
Funcultura chegou a ter 47% de negros e negras dirigindo obras
audiovisuais. O problema, continua Igor, é que “percebemos que se
criou esse dado a partir dessa política, mas, quando a gente ia para
onde estavam localizadas essas pessoas, a gente estava nos
curtas-metragens. Quando a gente ia ver a questão de orçamento, a
gente continuava pegando menos dinheiro no total geral e quando a
gente fala sobre democratização a gente também fala no direito de
repartir a grana, né?”.
O Funcultura é um mecanismo de referência no fomento às artes audiovisuais e também a outras formas de cultura, porém a maior abrangência de diversidade do programa é uma realidade recente. As cotas existentes nos editais atualmente abertos – 12º (retroativo de 2019) e 13º Editais do Funcultura Audiovisual – foram o ponto inicial dessa política pública. Iniciativas como estas tentam tornar o Funcultura mais acessível e, consequentemente, mais democrático.
A luta pela democratização do audiovisual em Pernambuco vai além da pressão sobre o poder público para garantir cotas nos editais do Funcultura. Vários coletivos têm se unido para a realização de debates e para a formação específica para a produção de projetos que concorram aos editais públicos. Realizado no bairro do Xambá, em Olinda, o movimentaLAB é uma ação conjunta do MAPE, Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas de Pernambuco/Associação Pernambucana de Cineastas (ABD/APECI), Negritude do Audiovisual PE, Frente Brasil Popular, Centro Cultural Grupo Bongar, Federação Pernambucana de Cineclubes (Fepec), Movimenta Cineclubes e Movimentação Popular.
Esse
movimento serve como um laboratório de elaboração de ideias a
partir de conversas em grupo e da exposição de trabalhos que já
foram aprovados no Funcultura anteriormente. Uilma Queiroz,
integrante do MAPE e uma das pessoas que estão participando do
movimentaLAB como monitora, explica que “a forma como ele (o
edital) é colocado já direciona quem vai ganhar. Semana passada a
gente teve uma fala de alguém aqui que disse ‘a galera da
periferia, muitas vezes, nunca leu um livro. Elaborar uma dissertação
que convença as pessoas da sua ideia, nesse contexto, é quase
impossível’”.
Dividido
em seis etapas, o movimentaLAB surgiu a partir do Movimenta Cine
Clube, uma ação do MAPE, ABD/APECI e da Frente Brasil Popular, que
foi a criação de cineclubes nas comunidades da Região
Metropolitana do Recife. De espectadores, as pessoas nas periferias
queriam passar a realizadores. Produzir seu próprio cinema, sua
própria experiência audiovisual, com a identidade local. Esse
laboratório de projetos veio depois de vários coletivos discutirem
e chegarem na ideia de facilitar o acesso a editais públicos.
Presente
nas três etapas de formação que aconteceram até o momento, Viq
Ayres é uma das pessoas que está aproveitando o movimentaLAB para
lapidar ideias que possam disputar uma verba do Funcultura. Ao
explicar que sempre viu o cinema como algo inalcançável por achar
que os editais de fomento à cultura eram formados por “panelinhas”,
diz que o laboratório é uma oportunidade para aprender e perder
esse medo. “Deixou de ser um bicho de 7 cabeças. Estou tendo mais
disposição pra botar as caras. Aqui a gente fala sobre detalhes
técnicos, fazemos o passo a passo para conseguir tirar o Cadastro de
Produtor Cultural (CPC), analisa o formulário de inscrição e
refina as ideias que temos para os nossos projetos. Tá rolando
real!”, comemora Viq.
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