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Aumenta número de crianças e adolescentes vítimas de bala perdida no Grande Recife

Débora Britto / 14/01/2021

Foto: Pixabay/Divulgação

Sem aulas e sem projetos sociais, culturais e esportivos, crianças e adolescentes estiveram dentro de casa boa parte do tempo em 2020, mas isso não quer dizer que estiveram fora de perigo. No ano em que a pandemia do novo coronavírus mudou radicalmente a vida de muitas pessoas, a violência letal por bala de fogo vitimou 11 crianças e 93 adolescentes na Região Metropolitana do Recife – destes, duas crianças e 57 adolescentes morreram. Os dados são do Fogo Cruzado Recife, que a Marco Zero teve acesso com exclusividade.

Comparado com o ano de 2019, o número de crianças baleadas (10) aumentou 10% e o de adolescentes baleados (109) diminuiu 15%. Apesar da sutil redução no grupo de adolescentes (Idade entre 12 anos e 18 anos incompletos), o contexto em que jovens são alvos de balas não mudou.

Um dado que chama atenção, de acordo com a leitura do Fogo Cruzado, é a quantidade de vítimas de balas perdidas. No Grande Recife, das crianças e adolescentes baleados, 64% das crianças (7) e 8% dos adolescentes (7) foram vítimas de bala perdida.

No entanto, para Deila Martins, coordenadora executiva do Gajop, organização parceria do Fogo Cruzado e que trabalha no monitoramento de políticas de segurança pública, bala perdida é termo que não dá conta do contexto da violência letal contra crianças e adolescentes. “A gente usa o termo bala perdida, mas infelizmenteela tem uma direção”, afirma.

O perfil de quem é alvejado é a reprodução da lógica da violência em geral: homens, negros e jovens numa faixa etária de 13 a 16 anos.”A principal característica dessa violência é que se referem principalmente a adolescentes do sexo masculino, negros, e moradores da periferia. São adolescentes que muitas vezes estão à margem das políticas públicas. Eles não estão inseridos em projetos sociais,e pelos casos que a gente vem acompanhando muitos não estão matriculados nas escolas e não estão tendo suporte de políticas de prevenção à violência”, explica.

Bala perdida com destino certo

Uma vez desassistidos por políticas públicas, esse é o perfil de quem mais morre por armas de fogo. Dos 93 adolescentes baleados em 2020, 7 foram vítimas de bala perdida no Grande Recife: destes, um morreu e seis ficaram feridos. Em 2019 o número de crianças e adolescentes vítimas foi menor: cinco crianças e um adolescente foram vítimas de bala perdida na RMR – destes, uma criança morreu.

Equipamentos públicos com serviços para a juventude e famílias, como Compaz, foram fechados durante período longo. Na avaliação de Deila, a falta de alternativas e a dificuldade das famílias manterem as crianças dentro de casa agravaram a exposição a situações de violência.

“Muitos serviços foram fechados e a abertura foi gradual, como vários outros equipamentos sociais. Os CREAs deixaram de fazer atendimento presenciale isso impacta principalmente aqueles adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa em meio aberto, que são adolescentes que muitas vezes já tiveram a trajetória marcada pela violência. Então, eles precisam de um atenção especial e essa atenção ficou precarizada no contexto da pandemia”, exemplifica.

Prevenção no município

Com a pandemia, os sistemas de assistência e ocupação destinados a crianças e adolescentes fecharam as portas ou reduziram drasticamente o atendimento. Deila, no entanto, destaca o papel fundamental de atuar na prevenção à violência que os municípios deveriam assumir, mas nem sempre o fazem.

“Quando a gente pensa CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais) a gente sempre pensa no papel do Governo do Estado, mas a gente precisa compreender a política de segurança pública em um aspecto mais amplo, e quando se trata de crianças e adolescentes muitos dos recursos para combater e, principalmente, prevenir estão nos municípios”, defende.

Essa violência está vinculada à presença ou ausência de políticas nos municípios. Segundo ela, pelo que é possível analisar dos dados levantados pelo Fogo Cruzado, que monitora notícias e recebe informações por meio de aplicativo e rede de parceiros, um diagnóstico preciso das localidades ajudaria a combater esse tipo de violência com inteligência e ações integradas. “Os recursos para prevenção da violência, que é o que de fato vai incidir na redução do número de homicídios de adolescentes, precisa acontecer com investimento municipalnos equipamentos sociais”.

Políticas públicas

Deila reconhece que 2020 foi um período muito difícil em todas as áreas e não foi diferente para o campo da prevenção na segurança pública.A implementação e o controle de políticas públicas ficaram mais complicados.

Apesar de os dados do Fogo Cruzado apresentarem uma redução no grupo de adolescentes alvejados por arma de fogo, o número ainda é alto e incompatível com uma sociedade que tem, na Constituição Federal, a criança e adolescente como prioridades.

“Do que a gente tem conhecimento houve iniciativa municipal provocada pelo COMDICA (Conselho Municipal de Defesa e Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Cidade do Recife) em fortalecer rede de atenção e de proteção para criança e adolescente. Foi formado um comitê com presença de vários atores, não só municipais, mas da sociedade civil. Essa é uma iniciativa importante de destacar porque é um trabalho em rede, que é o que a gente precisa fortalecer”, pontua Deila.

Mas, na sua avaliação, um ponto ainda negligenciado é a construção de planos municipais de redução da violência letal contra crianças e adolescentes. “É preciso ter um diagnóstico mais específico do perfil da vítima da violência, dos equipamentos disponíveis e das dificuldades enfrentadas para que seja desenvolvido um plano Municipal de redução da violência letal.Isso é algo que não existe aqui em Pernambuco em nenhum município”, afirma.

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AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.