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Assentamento Paulo Jackson, em Ibirapitanga (BA). Crédito: Pedro Moraes / GOVBA
A expansão do auxílio emergencial a agricultura familiar e outras medidas de proteção à famílias camponesas foram vetadas mais uma vez pelo presidente Jair Bolsonaro. O projeto de lei 735/2020 foi aprovado no Senado no dia 5 deste mês e esperava a sanção do presidente, que vetou o projeto quase por completo e o sancionou como Lei 14.048, de 2020, na última segunda-feira (24).
Desde o início da pandemia, movimentos sociais e organizações do campo vem articulando com partidos de esquerda, no Congresso Nacional, para reivindicar assistência à agricultura familiar. Agora, a articulação deve se ampliar para viabilizar a derrubada dos vetos.
De acordo com o coordenador da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) em Pernambuco, Alexandre Pires, a expectativa mais otimista é que o assunto entre em pauta na Câmara Federal em meados de setembro, porque há vários projetos na fila. “O projeto andou muito tempo se arrastando na Câmara até ser votado. Mas as votações tanto na Câmara quanto no Senado foram rápidas. A gente acha que tem um ambiente favorável à derrubada.”.
Na tarde da última terça-feira (25), aconteceu uma reunião puxada pelo núcleo agrário do PT, em que estavam presentes o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) , assim como a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Confederação Naicional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf) e a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA). A reunião discutiu os próximos passos de mobilização em resposta aos vetos.
“Nós estamos considerando que ele vetou todo o PL, o que ficou é uma coisa insignificante.”, destaca Alexandre. O PL – 735/2020 é composto pelas proposições de vários projetos de lei que dispõem sobre “medidas emergenciais de amparo aos agricultores familiares do Brasil para mitigar os impactos socioeconômicos da Covid-19”, como diz seu próprio texto.
Entre as medidas vetadas estão o pagamento automático do programa federal Garantia Safra a todas agricultoras e agricultores aptos a receber, durante o período de calamidade pública, crédito do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – no valor de R$10 mil, com juros de 1% ao ano, cinco anos de carência e dez anos para pagar. Também foi vetada a prorrogação de um ano para o pagamento das dívidas dos agricultores familiares, além de descontos para a quitação de financiamentos e novas negociações.
No artigo 4º, o projeto sugere a instituição de um Fomento Emergencial de Inclusão Produtiva Rural, em que está prevista a implementação de cisternas e outras tecnologias sociais de acesso à água. À época da votação no Senado, o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), já anunciava alguns vetos sugerindo que as propostas não estendessem os benefícios até 2021, em entrevista à Agência Senado.
A presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), Cícera Nunes, alerta para o significado do auxílio para a agricultura familiar neste momento.
“Esse PL é fundamental para a vida das famílias agricultoras diante dessa pandemia, pois estabelece medidas preventivas e de apoio financeiro, como o pagamento de cinco parcelas de R$ 600,00, e mais uma parcela única de 2,5 mil por cada unidade familiar. Sendo que para a mulher esse auxílio para produção seria de R$ 3 mil.”, explica.
“Um recurso fundamental para agricultores e agricultoras familiares poderem produzir seus alimentos, garantirem seu sustento e a comercialização de seus produtos. Tudo vetado sob a alegação de que não havia uma estimativa de impacto no orçamento e financeiro. Além disso, o Projeto de Lei também colocava a prorrogação de pagamentos para dívidas.”, acrescenta.
Para justificar os vetos, o Governo Federal argumentou que a proposta de lei não apresentava as previsões de impactos orçamentários e financeiros das medidas, como citou Cícera. Nesta parte do texto o presidente ainda sugere que a categoria de agricultoras e agricultores familiares do país recorra ao auxílio emergencial já vigente como “trabalhador informal”.
Das 15 propostas do projeto, apenas uma foi acatada. Alexandre Pires analisa que o que restou do PL corresponde a R$ 2 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que está bem abaixo do valor reivindicado pelas organizações. “Nós estamos defendendo R$ 1 bilhão e o governo repassou R$ 500 milhões para este ano, mas ainda não destinou nada.”.
A preocupação dos movimentos e organizações é como as agricultoras e os agricultores teriam acesso ao auxílio emergencial vigente, já que ele vem sendo pago há quatro meses.
A Marco Zero vem acompanhando o assunto e trouxe em reportagem anterior relatos de agricultoras do interior de Pernambuco que estavam com as suas produções paradas, enquanto as prefeituras distribuíam merendas industrializadas, descumprindo a legislação relacionada ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O setor também anda sem notícias do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A reportagem mostra que a agricultura familiar não têm sido contemplada por políticas públicas específicas para o setor em tempos de pandemia da Covid-19.
A falta de assistência à agricultura familiar e de investimentos no setor podem causar consequências que vão para além da vida de quem mora no campo e produz alimentos. Questionado sobre a possibilidade de desabastecimento como impacto da pandemia e do posicionamento do Governo Federal a longo prazo, Alexandre Pires afirma que já há uma crise alimentar no país e na América Latina.
“A gente tem pactuado com essa leitura mais global de que com o momento que a gente vive da pandemia e a postura do governo do Brasil e de alguns governos da América Latina, há em curso uma crise alimentar muito forte, que vai se agravando e perdurando por um bom tempo. Esses apoios para agricultura são importantes porque é quem de fato garante os alimentos porque as grandes empresas vão garantir commodities para exportação.
Organizações internacionais também apontam um cenário de dificuldades para agricultura familiar. De acordo com pesquisa do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), divulgada no dia 28 de julho deste ano, a América Latina pode ter dificuldades no fornecimento de alimentos básicos. O Instituto realizou o levantamento entre os meses de maio e junho, ouvindo 118 organizações ligadas à agricultura familiar em 29 países da região.
Segundo o IICA, as principais dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar nesse período são:
A possibilidade de desabastecimento e o posicionamento do Governo Federal vão de encontro a abundância produtiva das famílias agricultoras neste ano. Organizações avaliam que o único ponto positivo de 2020 para a agricultura familiar, mesmo sem os programas federais para escoar e comercializar a produção, foram as chuvas.
“Tivemos o maior período chuvoso dos últimos anos. As chuvas possibilitaram o plantio e a produção de alimentos, além da estocagem. Algo que há muito tempo não víamos. Perdíamos muito por conta do longo período de estiagem. E com as chuvas armazenamos água para consumo humano e animal. As cisternas estão cheias, apesar de que com o volume de água, alguns açudes e barragens se romperam causando alguns estragos e deixando famílias desabrigadas.”, conta Cícera Nunes.
Maria Aparecida Pereira da Silva, da Direção Nacional do MST em Pernambuco, lembra ainda que a categoria da agricultura familiar foi a única a “ficar em isolamento mais contínuo nas suas roças, produzindo para se alimentar e alimentar o próximo”. “Em caso de uma crise alimentar no Brasil, os agricultores familiares e camponeses tem garantido a autossustentação e uma alimentação saudável.”, acrescenta.
Jornalista atenta e forte. Repórter que gosta muito de gente e de ouvir histórias. Formou-se pela Unicap em 2016, estagiou nas editorias de política do jornal impresso Folha de Pernambuco e no portal Pernambuco.com do Diario. Atua como freelancer e faz parte da reportagem da Marco Zero há quase dois anos. Contato: helenadiaas@gmail.com