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Batismo do segundo navio petroleiro construído no estaleiro Atlântico Sul para o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (PROMEF)
“Pá de cal na indústria naval brasileira”. É assim que o ex-CEO do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em Suape, Pernambuco, Harro Burmann, define o programa BR do Mar, que pode ser lançado pelo Governo Federal ainda este mês. O conjunto de medidas visa estimular a cabotagem (navegação entre portos nacionais) e desenvolver a indústria naval brasileira, mas flexibiliza a importação de navios. Na visão do executivo, é uma grande contradição.
Burmann deixou a presidência do EAS há menos de um mês. Ele assumiu o cargo em 2014, em meio à uma verdadeira tormenta na indústria naval brasileira. Ao custo da redução da força de trabalho, conseguiu melhorar indicadores de produtividade e negociar novas encomendas, depois do corte do pacote de navios da Transpetro, subsidiária da Petrobras. Não foi suficiente para evitar o declínio do empreendimento, que fechou as portas depois de entregar a última embarcação, no mês de junho, acumulando dívidas de mais de um bilhão.
Em junho, o EAS demitiu aproximadamente 100 pessoas. Era o que tinha sobrado dos aproximadamente mil trabalhadores que estavam no quadro funcional no começo deste ano. A planta industrial imponente, símbolo da retomada do setor naval no país durante os governos do PT, chegou a ter mais de seis mil funcionários durante o pico operacional. Entrou em colapso com a crise dos negócios ligados à Petrobras, assim como outros empreendimentos do setor. No ápice, a indústria naval brasileira chegou a ter 80 mil empregados. Hoje pouco mais de 15 mil funcionários estão ativos, nas contas do sindicato que representa as empresas, o Sinaval.
Ampliar a participação de navios de bandeira nacional na cabotagem seria uma alternativa para ressuscitar os empreendimentos. No ano passado o segmento movimentou 1,35 milhões de contêineres, mas ainda é pouco explorado pela indústria local, como reconheceu o próprio ministério da Integração em nota: “São poucos os casos de embarcações construídas em estaleiros nacionais para uso na cabotagem, excluindo petróleo”.
Burmann viu aí uma oportunidade. Ele tentou negociar encomendas neste mercado para manter as operações do EAS. No sentido contrário, o BR do Mar prevê o aumento de até 50% da frota nos afretamentos (contratações diretas dos armadores, responsáveis pelas operações) de embarcações estrangeiras para cabotagem e a suspensão de impostos sobre a importação de navios construídos no exterior. “Com certeza não desenvolverá a indústria naval nacional, nem vai gerar empregos, impostos ou benefícios para o país”, avaliou o executivo.
“BR do Mar não vai gerar empregos”, diz ex-presidente do estaleiro, Harro Burmann
O BR do mar está baseado em fundamentos equivocados, na percepção do ex-presidente do EAS. O principal deles é que o mercado de cabotagem está estagnado. “É um mercado que vem crescendo dois dígitos nos últimos cinco anos”, ressaltou. A escolha pela livre concorrência prevaleceu. O ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse em entrevista recente que as medidas previstas no “programa livram a cabotagem das amarras que visavam a proteção da indústria naval, mas tiravam seu potencial”. A intenção é transportar 2,7 milhões de contêineres por ano até dezembro de 2020, e aumentar em 40% a frota de navios destinados a essas operações, incluindo a participação dos importados, que geralmente têm preços mais competitivos que as embarcações nacionais.
Abrir o mercado para mais navios construídos fora do Brasil pode acabar gerando um oligopólio, diz Burmann, ao beneficiar mais as empresas que já estão consolidadas no mercado. Pelas regras do BR do Mar, os armadores poderão ampliar sua frota em até 50% com navios construídos lá fora. Ou seja, as que têm uma frota maior poderão trazer proporcionalmente mais navios importados para o Brasil.
O ministério da Integração não deu data para que as novas diretrizes comecem a valer. Informou que algumas ações e incentivos do BR do Mar exigem alteração legislativa, porém não se sabe ainda se as alterações serão validadas por medida provisória ou por projeto de lei. Diante da iminente mudança de regras no setor, Burmann reflete sobre a falta de uma política de Estado para a indústria naval com regras claras e perenes capazes de orientar os negócios. “Os mesmos técnicos que aprovaram os processos do Fundo da Marinha Mercante (FMM), principal financiador da construção de todos os estaleiros brasileiros anos atrás, foram os responsáveis pela redação do BR do Mar”, pontua. “Isso mostra que, na verdade, o Brasil não tem uma política industrial. Quando troca de governo, muda tudo”.
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Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).