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Buzinas, moedas no chão, xingamentos, lentidão, insegurança: a rotina do motorista sem o cobrador

Marco Zero Conteúdo / 05/12/2019

Fotos: Nattasha Pollyane/MZ Conteúdo

por Nattasha Pollyane

Como é a rotina de um motorista de ônibus que passou a acumular as
funções de cobrador? Para responder a essa pergunta e tentar entender as
razões dos protestos dos motoristas nesta quinta-feira (05) que, contra
as empresas de ônibus, pararam os veículos no centro do Recife e outros
pontos importantes da Região Metropolitana, a Marco Zero embarcou em
alguns ônibus de linhas onde a tradicional dupla motorista-cobrador foi
desfeita.

Para começar, fomos aos terminais de Joana Bezerra e de Xambá, em
Olinda, para conversar com motoristas e entender um pouco os critérios
do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Pernambuco
(Urbana-PE).

No terminal Joana Bezerra, ficamos sabendo que, dali, no horário de
pico, após às 16h, só partem veículos com a equipe completa, pois os
trajetos são extensos e percorridos em avenidas com trânsito intenso, a
exemplo da avenida Agamenon Magalhães.

A segunda tentativa no Terminal Integrado Xambá, na avenida
Presidente Kennedy, foi bem sucedida. Lá, no final de tarde da
terça-feira, 3 de dezembro, foi possível encontrar 11 entre 18 linhas
que realizam as viagens sem o cobrador fazendo a integração para
diferentes bairros de Olinda e alguns do Recife.

Os minutos de indecisão para escolher um ônibus
foram preenchidos pelo desabafo de um motorista da empresa Caxangá, cujo
nome será preservado para evitar retaliações: “Os empresários querem
lucrar muito em cima do nosso trabalho. É mais econômico para eles pagar
R$ 135 a mais a um motorista do que pagar R$ 1076 ao cobrador. O
problema é que esse a mais para o motorista é ter que: abrir porta,
fechar porta, tirar cadeirante, passar troco, sem contar risco de ser
assaltado e escutar xingamento porque leva tempo para fazer tudo isso. O
motorista precisa focar no que está fazendo”.

Depois desse relato, embarcamos num ônibus da linha TI Xambá/ Caixa
D’água, com saída do terminal às 16h40 min. Completamente lotado, sem
fiscais para impedir os fura-fila e com o amontoado de passageiros que
se aglomeram para entrar nos veículos seguimos viagem. A via de saída do
TI é a Avenida Beberibe, e logo foi possível perceber o quanto o
motorista precisa tomar cuidado no trânsito, com pedestres e vendedores
ambulantes que cruzam as ruas sem respeitar ônibus, carros de passeio ou
qualquer regra de trânsito.

De Xambá ao miniterminal de Passarinho, em Caixa D’água, na periferia de Olinda, são 25 paradas, a maior parte delas na Estrada D’água. São 25 vezes em que o motorista precisa passar troco acompanhado de um buzinaço quase permanente, pois é difícil para carros fazerem a ultrapassagem numa via de asfalto sem conservação e mal sinalizada. Ao todo, são 35 minutos de barulho e irritação.

Motoristas protestaram parando ônibus em vários pontos da Região Metropolitana

De volta ao terminal Xambá, ao cair da tarde, embarcamos numa segunda
linha, desta vez com destino ao bairro da Encruzilhada. Com uma
caixinha de som sintonizada em uma emissora qualquer, a viagem começou
mais tranquila.

Dessa vez o percurso seria praticamente o dobro do anterior, 47
paradas. Tempo suficiente para testemunhar a vida do motorista se tornar
um verdadeiro caos.

Ao longo da avenida Beberibe, a medida que o ônibus se aproximava da
Encruzilhada, mais passageiros subiam. O veículo não chegou a lotar, mas
a parte da frente, entre a porta dianteira e a cadeira vazia do
cobrador, essa sim, ficou abarrotada.

O motorista levava de 30 a 40 segundos para passar cada troco. De vez
em quando, uma moedinha caía. Sem ter como olhar quem passava pela
catraca, muito menos o retrovisor, ele improvisava para fazer a
liberação dos passageiros, “cantando” em voz alta: “primeira pessoa,
segunda pessoa…”

Outro momento que requer a atenção extra do motorista é quando os
passageiros pedem parada. Em linhas normais, com a presença do cobrador,
a dupla combina entre si um sinal para avisar quando alguém está para
descer (o mais comum é um toque de moeda numa das barras de alumínio). O
coletivo só volta a circular após o cobrador sinalizar. Sem cobrador
isso não é possível e o nível de segurança diminui.

O motorista que acompanhamos foi gentil ao pedir para as pessoas se
afastarem do retrovisor, mas quase nunca há espaço para que os
passageiros se desloquem. Apesar da gentileza, o profissional não deixou
de escutar xingamentos vindos da parte de trás do veículo:
passageiros cansados da lentidão.

O trajeto entre Encruzilhada e Xambá dura cerca de 45 minutos com
equipe de motorista e cobrador, de acordo com uma passageira que o faz
diariamente. Nessa terça-feira, sem cobrador, demorou uma hora e meia.
Àquela altura, já não se escutava a música da caixa de som, só buzinas e
reclamações.

Apesar dos ônibus sem cobrador serem cada vez mais numerosos, não é
toda linha nem em quaisquer horários que o motorista acumula as funções.
Os critérios usados pelas empresas são de veículos que fazem maior
parte do trajeto em vias retas, e linhas com menor demanda.

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.