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Crédito: Inês Campelo/MZ
Diversas comunidades do Recife onde há pontos de risco ainda não sabem o que fazer nem para aonde ir em caso de um desastre como o que aconteceu nas chuvas de 2022. Muitas dessas famílias ainda estão de luto, sequer conseguiram reconstruir suas vidas e agora aguardam uma orientação pública e ampla da Prefeitura do Recife para saber como agir em caso de grandes volumes de chuvas este ano.
Quem vive em áreas de risco aponta que somente mensagens de WhatsApp e sirenes não são suficientes se a população não souber que rotas de fuga pegar e onde e em que condições as famílias ficarão abrigadas.
Apesar de ter divulgado, em coletiva de imprensa, na semana passada, um plano de ações com várias melhorias em relação ao ano passado, caso haja uma nova calamidade, o prefeito João Campos (PSB), às vésperas do início do trimestre mais chuvoso na cidade (de abril a junho), ainda não publicou o Plano de Contingência com relação às chuvas de 2023. É esse o documento que define que medidas serão adotadas antes, durante e depois de eventos adversos.
O assunto foi tema da audiência pública intitulada “Antes que chova”, nesta quarta-feira (29), na Câmara do Recife, por iniciativa do vereador Ivan Moraes (PSOL). A audiência contou com a presença de diversos vereadores e vereadoras e lotou o plenarinho com pessoas que vivem nas comunidades e representantes da sociedade civil. O mandato avaliou o Plano de Contingência do Recife de 2022 (o mais recente disponível) e expôs o que precisa ser melhorado para que mais vidas nem bens não se percam este ano, caso aconteça uma nova catástrofe.
Ao todo, 3.874 pessoas ficaram desabrigadas, 831 desalojadas e 43 morreram durante o último período chuvoso no Recife, de acordo com o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID). A preocupação existe também porque, em 2022, a gestão só acionou o plano contra tragédia dois dias após o alerta de alto risco emitido pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão federal ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
“A gente convida a Defesa Civil e os demais órgãos a atuarem com participação da comunidade. Não se mexe na casa de ninguém sem a participação do dono. E se a gente está em área que alaga e é área de risco, nos coloquem num lugar melhor, nos indenizem para morar num lugar que tenha qualidade de vida, para que eu não precise mais ver as roupas dos meus filhos sendo jogadas fora por conta da lama, para que eu não precise sofrer por não ter uma cama para dormir porque eu perdi tudo”, disse Priscila França, do Fórum Popular do Rio Tejipió. Ela é moradora do Ipsep, na zona oeste, bairro que historicamente alaga quando chove.
Segundo a secretária executiva de Planejamento e Gestão por Resultados, Pâmela Alves, presente na audiência, o plano está pronto e será publicado pelo prefeito na semana que vem. Entre os pontos prometidos, estão uma central de operações, tecnologia para aprimorar o monitoramento em tempo real, 16 mil cestas básicas, kits de limpeza, lençóis e colchões (em caso de necessidade), melhora no sistema de alerta e mais abrigamentos.
“Temos que entender que Recife é uma cidade que corre muito risco de inundações e deslizamentos, por isso é preciso que todas as comunidades estejam preparadas para dialogar e se comportar numa ocasião de um evento climático que pode ser desastroso”, pontuou Ivan.
Entre as lacunas verificadas no Plano de Contingência, estão a falta de registros de grupos de trabalho com participação das instituições públicas e sociedade civil, a falta de órgãos essenciais em casos de desastres, como Cruz Vermelha, ONGs, Polícia Científica, IML e igrejas, o quantitativo de profissionais por órgãos envolvidos no plano nem o detalhamento de suprimentos, a não ser as 600 cestas básicas e os 1,5 mil colchões que foram distribuídos em 2022.
Além disso, apontou o estudo, não estão definidos os recursos materiais, a exemplo de veículos, para as situações de emergência. Apenas 32 mil das mais de 206 mil pessoas em áreas de risco recebem alerta em caso de desastres, caso o plano de 2022 seja mantido para este inverno. Também não estão definidas rotas de fuga por comunidade, bem como a sinalização cabível nas áreas nem ações e atendimentos específicos para animais, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência.
As ações em educação, informação e preparo da população ainda são insuficientes, na avaliação do vereador Ivan. “Eu entendo as prioridades da prefeitura, as intervenções específicas e que está sendo investido um dinheiro recorde em ações que precisam mesmo ser feitas antes que chova. Mas tem a parte de preparar as comunidades para o evento climático e nós entendemos que isso ainda está muito aquém na cidade”, destacou o parlamentar, lembrando que o Recife é uma das capitais mais vulneráveis do mundo às mudanças do clima.
Levantamento do mandato aponta que 80% dos R$ 50 milhões anuais orçado para comunicação são usados pela Prefeitura da Cidade para comunicação institucional, ou seja, para que a gestão mostre seus feitos para a sociedade. Os outros 20% ficam para a chamada comunicação educativa, aquela que ensina as pessoas a como lidar com a política pública, seja nas redes sociais, nas rádios ou através de materiais impressos. “O elemento comunicação é imprescindível”, destacou Ivan Moraes.
Durante a audiência, também cobrou-se que a prefeitura disponibilize para a população o sistema que aponta quais e onde estão todos os principais ponto de risco da cidade que precisam de intervenção no momento, assim como quais as áreas mais importantes que necessitam de grupos formados e rotas de fuga.
“Esse documento não pode ser um instrumento que está na transparência passiva, aquela que você pergunta e a prefeitura responde. É um instrumento que precisa estar na transparência ativa”, reivindicou. “Já pensou se todo mundo que precisar saber como está sua comunidade fizer um pedido de informação?”, provocou o vereador da oposição.
Garantindo que a Defesa Civil tem capacidade para atender a todos que precisem, o coronel Cássio Sinomar, chefe do órgão no Recife, se comprometeu, ao final da audiência, a formar as comunidades que solicitarem informações sobre o que fazer na época de chuvas em áreas de risco nos momentos mais críticos.
Por outro lado, o coronel não deu indicativos de que irá acatar a recomendação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) de criar Núcleos de Proteção e Defesa Civil nas comunidades.
“Percebemos neste momento e em outros momentos de escuta do Ministério Público uma grande demanda das comunidades por informação e por participação. A gente sabe que a comunidade, por mais que a Defesa Civil chegue rápido, é a comunidade que vai estar lá primeiro”, disse Rejane Centelhas, integrante do Grupo de Atuação Conjunta Especializado Chuvas, do MPPE.
De acordo com ela, existe uma previsão legal para criação desses núcleos nas comunidades, algo que demanda aplicação de recursos vultuosos. Demanda mais mobilização de pessoal. “A gente entende que é uma ação, entre as mais simples e de baixa complexidade, em comparação com as outras, que pode suprir essa lacuna de informação, pode ser um canal de capacitação, de diálogo entre as comunidades e o poder público e a Defesa Civil”, frisou.
Sobre os alarmes sonoros na cidade em áreas de risco, a secretária executiva Pâmela colocou que isso está em estudo, considerando a possibilidade de instalação de sistema semelhante ao Rio de Janeiro, que não só toca uma sirene, mas que indica o que fazer, com diferentes entonações de voz.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com