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Chuvas trazem de volta a leptospirose, endemia que se junta à pandemia

Helena Dias / 27/06/2020

Crédito: SPDM

A chegada das chuvas de inverno é também a época de recorrência de casos da leptospirose, doença endêmica que tem como principais fatores de risco para a contaminação pela bactéria leptospira a condição precária de saneamento básico e as enchentes. Locais com pouca infraestrutura, como é o caso da maioria dos bairros periféricos, alagam com facilidade em tempos de chuva.

Em 2019, foram notificadas 32 mortes por leptospirose em Pernambuco, num total de 1.107 casos notificados, dos quais 245 foram confirmados e 155 continuam sob investigação. Este ano, já são 136 casos notificados e três óbitos.

Num contexto em que o sistema de saúde já opera acima de sua capacidade por causa da pandemia de covid-19, a possibilidade de chegada dos casos de leptospirose deverão sobre carregar ainda mais as equipes das enfermarias e Unidades de Tratamento Intensivo.

Sintomas parecidos

Para complicar, os sintomas iniciais da doença podem ser confundidos com os da dengue e da própria covid-19.

No estado, o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) é referência no atendimento aos casos de leptospirose. De acordo com o infectologista, Filipe Prohaska, que atua no hospital, os pacientes que adquirem a doença chegam ao hospital por meio da Central de Regulação de Leitos. Mas, nesse momento estão sendo direcionados para os hospitais Otávio de Freitas, Barão de Lucena e Getúlio Vargas, pois a situação ainda é de sobrecarga por conta da pandemia.

“O que ocasiona a leptospirose não é somente chuva, é diferente da dengue que tem uma ligação direta. Para você ter leptospirose, geralmente tem a ver com a combinação de chuva e maré ou água acumulada como acontece quando os esgotos transbordam. Os sintomas são de febre e dor no corpo são muito confundidos com dengue, até porque os exames também são parecidos. O que chama atenção é a dor na batata da perna, mas o que faz a pessoa procurar o serviço de saúde é quando começa a ter falta de ar e tossir.”

A leptospirose é uma infecção aguda causada por uma bactéria do gênero Leptospira, que pode ser transmitida ao ser humano por meio do contato direto da pele com a urina de animais contaminados e da exposição à água contaminada.

Os principais transmissores da doença no Brasil são os ratos, muito presentes em meios urbanos. A bactéria chega até a corrente sanguínea através do contato com a pele e a mucosa.

A recomendação é que, ao suspeitar da doença, deve-se procurar o serviço de saúde e relatar o contato de exposição ao risco. A automedicação não é recomendada.

Tempo de incubação após a exposição de risco: varia de 1 a 30 dias

Sintomas na fase precoce da doença: febre, dor de cabeça, dor muscular (principalmente nas panturrilhas), falta de apetite, náuseas e voomitos.

Manifestação da doença na fase tardia:
Síndrome de Weil – tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragias
Síndrome de hemorragia pulmonar – lesão pulmonar aguda e sangramento maciço
Comprometimento pulmonar – tosse seca, dispneia, expectoração hemoptoica
Síndrome da angustia respiratória aguda – SARA
Manifestações hemorrágicas – pulmonar, pele, mucosas, órgãos e sistema nervoso central

Sempre que houver contato com água suja ou lama, a indicação é lavar bem a área do corpo com água limpa e sabão.

O hipoclorito de sódio a 2,5% (água sanitária) mata as leptospiras e deve ser usado para desinfetar reservatórios de água (um litro de água sanitária para cada 1.000 litros de água do reservatório), locais e objetos que entraram em contato com água ou lama contaminada (um copo de água sanitária em um balde de 20 litros de água).

Fonte: Ministério da Saúde e SES-PE

Felipe recomenda que, em caso de exposição à água acumulada, a pessoa deve lavar o mais rápido possível a área do corpo que passou por contato arriscado. Questionado sobre a qual seria a política pública mais eficaz para combater a leptospirose, ele afirma que seria o acesso a saneamento básico de qualidade como prevenção.

“Essa é uma doença de quem não tem saneamento básico, a gente tem leptospirose endêmica em Pernambuco por causa disso. Nós conseguimos ter uma porcentagem de saneamento menor do que a do Rio de Janeiro, que é um estado com uma grande quantidade de favelas. Você tem uma cidade (Recife) que é abaixo do nível do mar, somada a um rio que de certa forma já alaga independente de chuva forte”, acrescenta.

CASOS DE LEPTOSPIROSE EM PERNAMBUCO

2019
Notificados: 1.107 (confirmados: 245)
Sob investigação: 155
Mortes: 32

2020
Notificados: 136 (confirmados: 16)
Sob investigação: 51
Mortes: 3

A reportagem da Marco Zero procurou a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES) para saber quais medidas o Governo do Estado está tomando em relação ao período de ocorrência da leptospirose no contexto da pandemia. Em nota, a pasta não citou estratégias específicas e chamou atenção para uma diminuição de casos em comparação ao ano 2019, mesmo o Hospital Universitário Oswaldo Cruz afirmando que os casos estão sendo remanejados para outras unidades.

“(…) Até o dia 06.06, foram notificados 136 casos suspeitos da enfermidade no Estado, sendo 16 confirmados, 69 descartados e os demais em investigação. No mesmo período de 2019, foram notificados 443 casos, uma diminuição de 69%. A Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) reforça que mantém o monitoramento constante da situação do Estado e prestar apoio técnico aos municípios. (…)”

Crédito: Agência JC Mazella/Arquivo

A nova lei do saneamento básico

A infectologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco (Fiocruz-PE), Tereza Lyra, ressaltou a importância da população ter acesso às informações sobre as recentes mudanças no atendimento à leptospirose no estado, principalmente por ser uma doença endêmica. Para ela, as questões que cercam a leptospirose estão ligadas diretamente com o projeto de lei 4.162/2019, o novo Marco Legal do Saneamento Básico, aprovado no Senado Federal na última quarta-feira (24) e que facilitaria a privatização de empresas estatais de saneamento.

“Tem tudo a ver. A questão das arboviroses, por que estão aumentando na periferia? Porque as pessoas não tem água todo dia e tem que acumular. Quando elas acumulam ficam mais vulneráveis ao Aedes Egypit e também à leptospirose. O que essa lei vai significar para essa população que já sofre com tudo isso nessa precariedade? Sem ser lucrativo, será que vão querer resolver?”, explica.

Com a PL 4.162/2019, o Brasil caminha no sentido oposto a vários lugares como é o caso das capitais Berlim, Budapeste, Buenos Aires, La Paz e Paris, que depois de terem privatizado seus sistemas de água e saneamento básico acabaram por reestatizar.

Segundo o próprio Ministério da Saúde brasileiro, algumas profissões estão mais expostas à leptospirose como é o caso de trabalhadores em limpeza e desentupimento de esgotos, garis, catadores de lixo, agricultores, veterinários, tratadores de animais, pescadores, militares e bombeiros.

AUTOR
Foto Helena Dias
Helena Dias

Jornalista atenta e forte. Repórter que gosta muito de gente e de ouvir histórias. Formou-se pela Unicap em 2016, estagiou nas editorias de política do jornal impresso Folha de Pernambuco e no portal Pernambuco.com do Diario. Atua como freelancer e faz parte da reportagem da Marco Zero há quase dois anos. Contato: helenadiaas@gmail.com