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Crédito: Coletivo Acauã
O Acauã foi criado por jovens jornalistas e estudantes de Comunicação do campus de Caruaru da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Campina Grande, para preencher lacunas de informação em municípios considerados desertos ou quase desertos de notícias, com pouca ou nenhuma cobertura de imprensa local no sertão e agreste de Pernambuco.
A princípio, a produção do coletivo se concentrará nas cidades de Betânia e Flores (Sertão do Moxotó e Sertão do Pajeú, respectivamente), Santa Cruz do Capibaribe, Cachoeirinha e Caruaru, no Agreste. O Acauã já integra o Mapa da Mídia Independente e Popular.
Uma das integrantes do grupo é a repórter da Marco Zero, Géssica Amorim, autora do texto inaugural do Coletivo Acauã. Além dela, os demais responsáveis pela iniciativa são Cladisson Rafael, Márcio Correia, Maryane Martins e Mayara Bezerra.
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Publicado originalmente no Coletivo Acauã
A goma produzida pela agricultora faz tanto sucesso, que, para vendê-la, dona Gera não precisa nem ir até a cidade, os clientes é que vão até ela, na zona rural. Por mês, as vendas chegam a ultrapassar os 250 quilos do produto. O dinheiro que recebe é utilizado para custear despesas básicas da casa, pagar a conta de energia e as mensalidades do plano de internet que a agricultora adquiriu há pouco mais de um ano.
Dona Gera do Beiju cresceu trabalhando em casas de farinha, plantando, colhendo, raspando, moendo e lavando a massa da raiz, para extrair o amido e produzir a goma que hoje vende em casa. O seu plantio de macaxeira, que mantém com a ajuda do marido, é orgânico. Eles não fazem uso de nenhum tipo de agrotóxico ou adubo químico no cultivo da raiz. Quando necessário, utilizam apenas esterco animal para a adubação do solo.
Trabalhando no roçado, Antônio cava as covas na terra e Dona Gera planta as manivas, que são pedaços do caule da planta da macaxeira. O casal também trabalha junto na colheita e em outras tarefas da propriedade, mas, na casa de farinha, o trabalho fica por conta da agricultora. Da raspagem da raiz, até a pesagem e embalagem da goma.
A propriedade do casal tem pouco mais de 25 hectares e, em boa parte do terreno, dona Gera e seu Antônio também cultivam milho e algumas frutas, mas a principal cultura é a da macaxeira. E o cultivo é dos dois tipos: da macaxeira mansa e da macaxeira brava.
A mansa é aquela que compramos na feira e cozinhamos em casa. Essa, Gera e Antônio plantam e colhem para consumo próprio. Já a brava, é mais utilizada para a produção da goma, da farinha e outros derivados. Por possuir um alto teor de ácido cianídrico, esse outro tipo de macaxeira não deve ser consumido sem antes passar por alguns procedimentos de lavagem, moagem, separação e secagem. É que o ácido cianídrico é uma substância que, quando consumida, toma o espaço do oxigênio no sangue, podendo causar náuseas, tonturas, asfixia e até levar à morte, dependendo da quantidade ingerida.
O escritor mineiro Guimarães Rosa, na década de cinquenta, já falava sobre as propriedades e variedades da macaxeira, em Grande Sertão: Veredas:
“(…) Melhor, se arrepare: pois num chão, e com igual formato de ramos e folhas, não dá mandioca mansa, que se come comum, e a mandioca-brava, que mata? Agora, o senhor já viu uma estranhez? A mandioca doce pode de repente virar azangada — motivos não sei; às vezes se diz que é por replantada no terreno sempre, com mudas seguidas, de manaíbas — vai em amargando, de tanto em tanto, de si mesma toma peçonhas. E, ora veja: a outra, a mandioca-brava, também é que às vezes pode ficar mansa, a esmo, de se comer sem nenhum mal. (…) Arre, ele (o demo) está misturado em tudo” (2001, p. 27)
Dona Gera do Beiju tem um grande respeito pela terra e pelo seu trabalho. “Aqui, nós vivemos da agricultura e com a agricultura vamos permanecer. A agricultura, pra mim, é barriga cheia. Tenho o maior prazer em ser agricultora, de ter condições de colocar o alimento na minha casa, sem ter o trabalho de ir lá no mercado comprar. Nasci e me criei nesse sistema e irei permanecer nele”.
A agricultora diz que nunca quis fazer outra coisa na vida, além de lidar com a terra. “Eu estudei até a quarta série. Ainda fiz curso de corte e costura, artesanato. Sempre busco o conhecimento, ainda que pouquinho, de uma coisa aqui e outra ali, mas nada é como a agricultura. Eu acho que nasci pra ser agricultora mesmo”.
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