Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Com Raquel em silêncio, governo mantém nas ruas PMs flagrados agredindo mulher no Sertão

Marco Zero Conteúdo / 10/11/2023

Por Jorge Cavalcanti*

O governo do estado manteve na atividade de patrulhamento os policiais militares que acabaram sendo filmados enquanto agrediam uma mulher. O caso aconteceu no município de Triunfo, no Sertão do Pajeú, a 355 quilômetros Recife, na madrugada do sábado (4). As imagens viralizaram nas redes e foram divulgadas por blogs, portais e emissoras de TV em Pernambuco. Até o momento, publicamente, a governadora Raquel Lyra (PSDB) não se pronunciou sobre a violência policial contra mulher registrada em vídeo. Nele, é possível ver que a vítima recebe uma sequência de, pelo menos, 17 golpes, entre socos, tapas e pontapés.

O vídeo tem 30 segundos de duração. As imagens são fortes e mostram que a vítima estava desarmada e, no momento da agressão, já havia sido imobilizada contra o chão. Cinco policiais militares a cercam e quatro deles participam da violência de forma ativa. Pela análise das imagens, fica evidente que os agentes ignoram o protocolo de uso progressivo da força, previsto no Código de Processo Penal Militar.

Diante da repercussão do caso, na terça-feira (7), provocadas por veículos de comunicação, a Polícia Militar e a Secretaria de Defesa Social (SDS) divulgaram posicionamento por meio de nota à imprensa. Abaixo, veja a íntegra.

PM-PE

A Polícia Militar, através do comando do 14° BPM, sediado em Serra Talhada, determinou a instauração do procedimento investigatório de todos os policiais envolvidos na ocorrência. A corporação reafirma que é contra qualquer forma de violência contra a mulher.

Corregedoria da SDS

Os cinco policiais militares envolvidos na agressão a uma mulher na cidade de Triunfo já foram identificados e as diligências estão em andamento para que as medidas disciplinares sejam tomadas.

Para a regulamentação da atividade policial, o Código de Processo Penal Militar determina que “o emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga”, diz o texto do artigo 234. Este mesmo Código prevê o uso de força letal, mas apenas em situações específicas e excepcionais. “Só se justifica quando absolutamente necessário para vencer a resistência ou proteger a incolumidade do executor da prisão ou a de terceiro”.

Mulheres no governo, silêncio sobre a agressão

Pela primeira vez na história, Pernambuco tem duas mulheres como governadora e vice-governadora. A estrutura institucional da SDS também tem mulheres em postos de comando e destaque, como Simone Aguiar na Chefia de Polícia Civil e Mariana Cavalcanti de Sousa na Corregedoria-Geral da pasta. Tanto Raquel quanto Priscila são ativas no uso das redes sociais como ferramenta de comunicação, mas não as usaram para censurar a agressão à vítima, uma mulher cisgênero e mãe de uma criança. 

Para a doutora em sociologia Ana Paula Portella, as imagens registradas deveriam ser suficientes para o afastamento preliminar dos PMs das ruas. “Nas situações previstas em lei, a contenção não deve ser feita dessa maneira. Há técnica para isso. Fica evidente que estes agentes não estão prontos para o exercício da função. E quem garante que esse tipo de coisa não vai acontecer novamente?”, questiona. Portella é também pesquisadora e autora de Como morre uma mulher? A tese de doutorado foi premiada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes como a melhor da América Latina em 2016.

Para a advogada Maria Clara D’Ávila, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), em muitos casos o afastamento preliminar é necessário para que a investigação aconteça sem interferências, como intimidação de testemunhas e destruição de provas. “Casos de agressão como esse de Triunfo são corriqueiros, a exceção é justamente serem flagrados em vídeos. Por isso, é importante que o governo do estado informe quais medidas devem ser adotadas para a não repetição”. 

Maria Clara tem experiência no acompanhamento de casos de violência policial, inclusive a letal, da fase de inquérito conduzida pela Polícia Civil à tramitação do processo na Justiça até chegar ao Tribunal do Júri, onde são julgados crimes dolosos contra a vida. 

Caso acontece após “Missão acolhimento” da SDS

O vídeo em que quatro policiais agridem uma mulher no Sertão pernambucano foi gravado oito dias depois da Secretaria de Defesa Social realizar, no auditório da sede da pasta, no Recife, processo de qualificação para o melhor atendimento às mulheres que sofreram qualquer tipo de violência. O secretário Alessandro Carvalho esteve presente no primeiro dia da formação, que envolveu ao menos 70 policiais civis e militares.

O Fórum de Mulheres de Pernambuco também analisou as imagens da agressão e comentou o momento inédito que o estado vivencia, com mulheres em cargos até então ocupados por homens. “Ainda que a sociedade esteja falando mais sobre as questões de gênero e cobrando do Estado a atualização dos seus processos, apenas ter mais mulheres em determinadas funções, por si só, não garante o incremento social que a gente precisa. Representatividade é importante, mas muitas vezes esbarra em limites, estruturas e interesses”, avalia cientista social Natália Cordeiro, integrante do Fórum.  

Em abril, SDS afastou das ruas PMs envolvidos

O caso ocorrido no município de Triunfo é semelhante a outro caso também flagrado em vídeo, desta vez no município de Primavera, na Mata Sul. Na madrugada do dia 15 de abril, uma cabeleireira foi agredida por dois PMs, do lado de fora de um clube onde um show era realizado. À época, o caso ganhou repercussão nacional e o governo respondeu de maneira diferente: afastou das ruas por 120 dias o cabo e o sargento envolvidos na violência. 

O ato foi publicado no boletim geral da SDS e previu também o recolhimento das armas e utensílios de trabalhos dos agentes, que tiveram os nomes divulgados. À época, pela primeira vez desde a criação da pasta, a Defesa Social era comandada por uma mulher. No final de agosto, Carla Patrícia entregou o cargo, voltou à função de delegada da Polícia Federal, sendo substituída pelo atual secretário.

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

Uma questão importante!

Se você chegou até aqui, já deve saber que colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52).

Apoie o jornalismo que está do seu lado

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.