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Com recursos do estado de Pernambuco, PMs youtubers ganham fama e dinheiro com vídeos monetizados

Marco Zero Conteúdo / 19/09/2023
Dois policiais com fardas camufladas em tons de cinza, com capacetes, mantêm rendida uma pessoa cuja imagem está borrada, em um ambiente de aparente pobreza.

Crédito: captura de imagem YouTube

por George Lucas

O policiamento e a preservação da ordem pública já não são mais o único papel da Polícia Militar de Pernambuco. Ao menos não extraoficialmente. Agora, alguns policiais militares adicionam à sua rotina os cortes, as edições, os roteiros e demais atribuições de um YouTuber para gravarem suas próprias operações. E essa prática contribui para a  espetacularização do crime e a naturalização da violência e do racismo.

Se antes apenas programas sensacionalistas de TV utilizavam do crime e de operações policiais para conquistarem pontos de audiência, agora os policiais da PMPE fazem o mesmo em seus canais do YouTube. Assim como aqueles programas, os canais de policiais pernambucanos, como Águia 95 (914 mil inscritos), Águia em Ação (320 mil inscritos), Olhos de Águia (241 mil inscritos), criam bordões, vinhetas, trilhas sonoras dramáticas e utilizam do deboche com a imagem de cidadãos abordados e detidos para atingir a popularidade. Nos vídeos, que alcançam milhares de visualizações não apenas no YouTube, mas também em outras plataformas e redes sociais, fica explícito o racismo enraizado nas atividades do dia a dia de um policial. As operações concentram-se na periferia e a maioria das pessoas abordadas pelos policiais é negra.

Questionamos à Polícia Militar se as filmagens são realizadas usando câmeras da própria PMPE, que, a priori, serviriam para assegurar tanto a vida da população quanto a do policial ao registrar as operações, servindo como prova para contrariar falsas denúncias. A corporação não confirmou o uso de câmeras da instituição, mas confirmou que a prática tem incomodado o comando. Em e-mail enviado para a MZ, a assessoria de imprensa da PMPE informou que “o fato de policiais militares estarem fazendo uso de vídeos monetizados em redes sociais está sendo monitorado pela Secretaria de Defesa Social, através da Corregedoria Geral da SDS”.

Em um vídeo do canal Águia 95, por exemplo, uma equipe do batalhão das Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) entra na casa de uma senhora. Na casa, também funcionava uma barbearia, onde foram abordados jovens que estavam portando maconha. A proprietária da residência, revoltada com a invasão de sua propriedade, não demonstrou simpatia à ação dos policiais e acabou ridicularizada pelo dono do canal, que na edição distorceu a imagem da mulher com uma música de apologia às drogas. Para entrar em residências ou estabelecimentos comerciais é preciso mandado judicial, exceto quando há fundadas razões, justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, de que está ocorrendo situação de flagrante delito, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal, em 2015.]

Canais de PMs têm edição profissional. Crédito: Captura de imagem do YouTube

O Águia 95 não publica apenas vídeos do policial Afonso Henrique, dono do canal, mas também de outros seus colegas de farda. Afonso, inclusive, não parece se importar muito em postar registros de operações com delitos e falas polêmicas dos próprios policiais. 

Em um vídeo de uma operação de mandado judicial, ao prender um fugitivo, um policial, identificado por Afonso como Águia 66 (na Rocam é comum que os policiais ganhem apelidos como esse), debocha ao prender o infrator. “E se eu jogasse ele daqui, hein? Pode não, os direitos humanos não deixam”, disse o PM, segurando um preso em cima de uma laje.

Afonso também não tem constrangimento em demonstrar seu posicionamento político. No dia 30 de junho deste ano, em sua conta do Instagram, onde tem 140 mil seguidores, o PM mostrou-se contrário à decisão do STF em deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível, por conta da disseminação de fake News no processo eleitoral. Para criticar a ação, o PM postou um trecho do filme Tropa de Elite, aonde o personagem Capitão Nascimento fala a clássica frase “O sistema é Foda”. Dentre as hashtags, estava a tag #bolsonaro.

Oex-presidente Jair Bolsonaro, por sinal, é claramente favorável a operações policiais com alto índice de mortes e uso de truculência por parte dos PMs. Em 2022, ele deixou de incluir no balanço anual de violações de Direitos Humanos a violência policial. 

Do Youtube Para a Política

Brasil afora, outros policiais também aproveitam e criam sensacionalismo em registros de suas operações para ganhar fama. O PM Gabriel Monteiro, do Rio de Janeiro, ficou famoso nacionalmente com vídeos que variam de suas ações policiais, fiscalizações em universidades públicas, e até ações “altruístas” com crianças carentes, o que o fez atingir a marca de 6 milhões de inscritos em seu canal do Youtube. Gabriel, com o poder massivo das redes, acabou eleito vereador, sendo cassado e preso, em 2022, por estupro.

O delegado da Cunha, esse não militar, mas policial civil paulista, também entrou na política. Ele foi eleito deputado federal por São Paulo em 2022 graças a fama conquistada com filmagens de operações para seu canal de mais de 3 milhões de inscritos. O delegado se envolveu em polêmica ao simular um resgate de sequestro em 2021 e postá-lo como ação policial verdadeira no Youtube.

Lucro nas redes

Monteiro e Da Cunha não são os únicos casos de policiais que utilizaram de suas profissões nas redes para se elegerem e consequentemente mudar de vida. Graças aos likes e seguidores conquistados na internet por meio de vídeos das operações em que participam, vários policiais adentraram na política, ou até montam seus próprios empreendimentos, como é o caso de André Coelho, também da PMPE.

André, em entrevista ao Chapuletada Podcast, declarou que gravar a rotina de um policial era um de seus principais motivadores para entrar na PMPE. Ele também não ocultou o motivo de sua reprovação na primeira tentativa de entrar na organização: “agressividade excessiva”. 

Hoje na PMPE, André tem um podcast onde entrevista PMs. A sua rede principal é o instagram, onde tem 50 mil seguidores e ganha relevância com vídeos de treinamentos policiais, abordagens, interrogatórios e ações de criminosos. Com os insights das postagens sensacionalistas de seu insta, André ganha possíveis alunos para seu curso de PM, naturaliza a violência policial e ganha dinheiro com isso.

Os canais não escondem que são monetizados, com anúncios sendo veiculados rotineiramente ao longo dos vídeos. Alguns, como o Águia em Ação, promovem sorteios de iPhone11 para quem doar 25 centavos, além de ter lins de patrocinadores na descrição dos vídeos, como é o caso de uma loja de acessórios para câmeras.

Por 25 centavos, policial da Rocam faz sorteio de iPhone 11 pelo YouTube. Crédito: captura de imagem do YouTube

OBS: O texto foi corrigido às 10h32 min do dia 20 de setembro. Onde se lê “uso de violência excessiva” como motivo de reprovação do PM André Coelho no concurso público, o termo foi substituído por “agressividade excessiva”, trecho retirado de sua fala no podcast.

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