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Como é viver na cidade que mais ameaça a juventude no Brasil

Mariama Correia / 14/12/2017

“O futuro é tão incerto que eu sou mesmo um covarde de acreditar na utopia dessa liberdade (…) Mataram mais cinco ontem, só o Cabo (de Santo Agostinho) que sentiu”.

Os versos do poema escrito pelo jovem Fabrício Pereira, 20 anos, morador do Cabo de Santo Agostinho, expressam uma realidade que ele conhece bem. Ser jovem (dos 15 aos 29 anos) no município apontado como o pior do Brasil no ranking de vulnerabilidade da juventude à violência  é um exercício diário de resistência.

O medo real de se tornar mais um número nos assustadores índices da quinta cidade em quantidade de homicídios do estado – 156 de janeiro a outubro, de acordo a Secretaria de Defesa Social (SDS) – acompanha homens e mulheres diariamente. Nesse ambiente de insegurança, atividades rotineiras como frequentar a escola, ir ao trabalho ou sair com os amigos se tornam escolhas arriscadas. “A gente nunca sabe se volta para casa vivo ou com todos os pertences”, diz o autor do poema que citamos.

“Muitas vezes eu me sinto aprisionado na minha própria casa, porque não posso sair para todos os lugares, nem em certos horários”, comenta Eullys Alves, 24 anos, estudante de engenharia e morador do Cabo.

Para muitos moradores do município, sobretudo jovens negros de periferias, a própria polícia, que deveria ser sinônimo de segurança, é mais uma fonte de preocupação. “A gente chama jovem negro de periferia de ‘freio de viatura’, porque estamos sempre vulneráveis à violência e, muitas vezes, a maior ameaça vem de quem devia nos proteger”, diz o estudante de marketing Edson Gomes, 20 anos. Ele mesmo já chegou a ser alvo de abordagens violentas dos policiais. “Apontaram uma 12 (espingarda de grosso calibre) para mim só porque estava fazendo um grafite, embora eu tivesse todas as autorizações legais para fazer aquela intervenção”, narra.

“A juventude do Cabo está desacreditada”, argumenta Yanez Freitas, 18 anos, estudante de direito. “A gente não tem espaços culturais e de lazer, quando fazemos alguma manifestação artística nas praças a polícia interfere usando sprays de pimenta, como já aconteceu. Uma vez, durante uma manifestação cultural na praça principal da cidade, fomos surpreendidos por um tiroteio no meio de uma perseguição policial. Foi aterrorizante”, recorda.

TRÁFICO

Aumento da criminalidade, preconceito, violência policial, desemprego, falta de oportunidades. A equação que levou o Cabo de Santo Agostinho à situação atual envolve muitos fatores e não é fácil de resolver. O tráfico de drogas, por exemplo, é um dos maiores ceifadores das vidas dos jovens.

Deavilis Jerônimo tinha apenas 17 anos quando foi morto a tiros, em julho de 2016, no bairro da Cohab no Cabo de Santo Agostinho, onde morava, conta o pai dele, o vigilante Eronildo Jerônimo da Silva. “A polícia só tomou meu depoimento na hora e disse que me chamaria depois para ir à delegacia, mas nunca chamou”.

Ex-jogador de capoeira, o jovem assassinado queria se alistar no Exército e também gostava de cantar no coral da igreja. “Ele se envolveu com drogas. A família tentou ajudar, mas não conseguimos. Os sonhos dele foram interrompidos precocemente e os meus foram junto”, lamenta o pai, dizendo que casos como o do filho não costumam ser investigados pela polícia. “Nossa família foi destruída. O pai dele bebe todos os dias, a mãe ficou doente, a irmã não sai do quarto. Ele era um homem alto, mas por dentro era um menino, tanto que seu apelido era bebezão”, conta a tia de Deavilis, Rosineide Jerônimo.

DADOS

De acordo com os dados da SDS de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), o número de vítimas no Cabo de Santo Agostinho de janeiro a outubro deste ano já superou o número de janeiro a dezembro do ano passado, com 156 vítimas, três a mais do que em 2016.

O Cabo de Santo Agostinho ocupa a 2.282ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros segundo o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Os dados são de 2010, último levantamento feito pelo IBGE, mas é importante considerar que, de lá para cá, a economia da cidade mudou bastante e sofreu impactos pela desmobilização de Suape.

GOVERNO

A Prefeitura do Cabo foi contatada pela reportagem, que solicitou entrevistas e dados sobre ações de enfrentamento à violência no município, mas não recebeu retorno até o momento.

Em resposta à reportagem, a SDS informou que não pode detalhar “qual o efetivo policial do município e quantos novos policiais foram contratados, por questões estratégicas”.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).