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“Crechebilidade” da Prefeitura do Recife oculta rodízio de crianças nas creches e aulas online para bebês

Jeniffer Oliveira / 30/05/2024
A foto mostra as mãos de uma criança brincando com um grande bloco vermelho de construção. O bloco parece fazer parte de um conjunto de brinquedos semelhantes. O cenário sugere uma área de brincadeira interna ou uma sala de aula, conforme indicado pela decoração colorida e os móveis ao fundo. O foco está na interação da criança com o brinquedo

Créditos: Marcos Pastich/PCR

Com um conteúdo patrocinado no Instagram, a Prefeitura do Recife se vangloria de ter dobrado o número de vagas em creches da rede municipal, no que os publicitários chamam de “crechebilidade”. Realmente, o número de vagas foi mais que duplicado, em relação ao período em que o prefeito João Campos (PSB) assumiu a prefeitura do Recife. Em 2021, o número era 6.439 para toda a rede. Hoje, são mais de 13,5 mil vagas na rede.

No entanto, a qualidade dessas vagas e das creches da rede têm sido questionadas por mães, pais, adultos responsáveis e pelo Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (Simpere). Para chegar a esse número, o programa Infância na Creche, investiu R$ 150 milhões e realizou aproximadamente 200 obras de forma simultânea.

O programa também prevê “construção de novas creches com foco na expansão na infraestrutura própria; ampliação e requalificação de unidades já existentes; parcerias com instituições sem fins lucrativos, atuando em conjunto com unidades comunitárias vinculadas a ONGs, Fundações e Cooperativas Educacionais; e projeto de parceria público privada (PPP), que vai viabilizar a construção de novas creches”.

Essas obras, entretanto, estariam atrapalhando o pleno funcionamento das unidades e a rotina das crianças. Para a professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Evelyne Medeiros, que tem um filho de dois anos matriculado na Creche Municipal CEAPE, no Engenho do Meio, o desejo de conseguir uma vaga virou frustração. A instituição está passando pela reforma de duas salas que, de acordo com a professora, deveria ter acabado há um ano, antes mesmo do filho dela ser matriculado.

O fato leva a uma solução curiosa, para dizer o mínimo: aulas remotas para bebês.

Os pais são orientados a colocar vídeos e trabalhar algumas atividades em casa. O que foge do sentido da creche que é um equipamento público essencial no desenvolvimento em todos os aspectos, emocional, cognitivo, físico e social, além de possibilitar que pais e responsáveis consigam trabalhar e dar conta das demandas da vida adulta sabendo que o filho está em um espaço seguro.

“As professoras passam atividades para que os pais desenvolvam com as crianças dentro de casa e exigem que tirem fotos dessas atividades para que conte como frequência. Eu fiquei impressionada com isso, porque existe todo um debate em relação ao sentido pedagógico de aulas remotas, principalmente para bebês”, afirma Evelyne.

Só neste mês de maio, foram 16 dias sem aula na creche do Engenho do Meio, mas há a promessa de conclusão dos serviços ainda essa semana. “Que decepção, né? Porque é muito difícil, eu fico imaginando as mulheres que não tem outras alternativas, não têm sequer condições de ter apoio de qualquer pessoa”, lamenta a professora. No caso dela, divide o tempo com o marido e, quando necessário, pagam um hotelzinho particular.

A história se assemelha a de outras mães da mesma creche. Na região de Engenho do Meio, estão muitas mulheres que trabalham ou estudam na UFPE, enfrentando o desafio de estudar, trabalhar e cuidar da maternidade. É o caso da biomédica Ana Carla Silva, que atualmente está finalizando o doutorado pelo programa de Biociências e Biotecnologia do Instituto Aggeu Magalhães, na Fiocruz Pernambuco.

“Do que adianta anunciar novas vagas se os pais ficam na mão durante duas semanas no mês, todo mês? Se os pais não podem trabalhar, porque de repente não tem aula?”, questiona Ana. Aqui, ela mora com o marido e com o filho de um ano e oito meses e não têm rede de apoio, com isso sua rotina fica ainda mais desafiadora.

“Botamos nossos filhos na creche, porque precisamos trabalhar e é um absurdo a gente chegar e não ter a creche. Como é que a gente fala isso para o empregador ou para um chefe? É um assunto, eu acredito, complexo, porque as famílias têm muitas realidades, muitas famílias diferentes e muitas realidades diferentes. Mas se as famílias deixam seus filhos na creche é porque precisam”, destaca Ana.

Sindicato acompanha outros casos

O rodízio das aulas não é um caso isolado da creche Municipal CEAPE, segundo a diretoria do Simpere.

“Depois de dois anos pandêmicos que proibiu de estarmos presencialmente na escolas e creches, a gente lamenta muito que o governo municipal tenha optado por colocar em reforma mais de 100 escolas, desde 2022, sem ouvir as comunidades escolares, sem ter um planejamento com os gestores, coordenadores, professores e familiares, de uma forma que as reformas acontecessem sem prejudicar o atendimento presencial”, afirma Jaqueline Dornelas, uma das coordenadoras do Sindicato.

O problema foi discutido com a gestão municipal nas mesas de negociação e levada ao Ministério Público de Pernambuco. Outros exemplos são apresentados em diferentes regiões da cidade. No bairro de Santo Amaro, na área central do Recife, uma creche e uma escola de educação infantil passaram o ano de 2023 inteiro com aulas online devido às reformas, voltando a funcionar apenas em abril deste ano.

Isso reflete naquilo que as mães do CEAPE questionam: a dificuldade de se manter no mercado de trabalho. “Hoje, a prefeitura tira do mercado de trabalho essas mães por não oferecer creche, que é responsabilidade da rede municipal, então a gente continua cobrando que a educação municipal aconteça de forma presencial”, afirma Anna Davi, que também é coordenadora do Simpere.

“Muitas mães estão tentando transferir os seus filhos dessas unidades que estão em reforma. Educação infantil e creche não comportam a modalidade à distância”, completa Anna.

Mas o problema não dura apenas durante as reformas, segundo as dirigentes sindicais. Na Região Político Administrativa VI (RPA6), que abrange os bairros de Boa Viagem, Brasília Teimosa, Imbiribeira, Ipsep, Pina, Ibura, Jordão e Cohab, há pelo menos 12 escolas com rodízio de salas por causa do calor, pois a rede elétrica não suporta os aparelhos de ar-condicionado instalados.

E isso se estende a outras RPAs. De acordo com Anna Davi, “mesmo com esse período tão longo de reformas, ou seja, com a ausência de aulas presenciais, houve problemas com a climatização e com os ares-condicionados dessas escolas, como a rede elétrica não estava preparada para essa climatização, não suporta os aparelhos”.

A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com a Prefeitura do Recife, no entanto, foi informada que não havia um prazo para receber uma resposta, pois a demanda estava em apuração. Até o fechamento desta matéria, não recebemos retorno.

AUTOR
Foto Jeniffer Oliveira
Jeniffer Oliveira

Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.