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Crédito: Instagram @ptpernambuco
por Vítor Aguiar
Toda moeda tem dois lados. Nas eleições de 2022, a atual governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB) adotava uma postura de independência em relação à disputa nacional entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL), atraindo críticas tanto de sua adversária Marília Arraes quanto da militância e dos eleitores do PT. Agora, são os petistas de Pernambuco que vestem os confortáveis trajes da neutralidade ao assumirem a postura de “independência” a respeito do governo de Raquel, algo visto até por quadros do partido como ausência de posição.
Para o senador Humberto Costa, uma das principais lideranças da legenda no estado, “independência, pelo menos na minha visão, não é um posicionamento claro”. Já no quarto mês, ultrapassada a marca dos 100 dias de governo, a posição do PT continua vaga, afirmando que precisa reunir a direção para definir sua postura frente à gestão de Raquel – criticada até poucos meses atrás por evitar posições sobre a disputa presidencial.
Críticas petistas às posições semelhantes adotadas por aliados ou adversários são frequentes na história do partido. Nos anos 1990 e 2000, quando PT e PSDB polarizavam o cenário nacional, as posturas “em cima do muro” e o uso de eufemismos para atenuar eventuais posicionamentos ou opiniões ganharam apelido: “tucanar”, referência ao mascote do partido que hoje tem Raquel como vice-presidente nacional. O PT, claro, era um grande crítico da prática.
Agora, mesmo tendo ocupado o palanque oposto nos dois turnos da eleição de 2022, a legenda é a única entre os partidos mais à esquerda do espectro que ficou na bancada independente na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), ao invés da oposição, como PSB e PSOL, por exemplo. Mas, no Recife, a situação é oposta: após dois anos afastado da gestão de João Campos, o PT entrou na base governista da administração do PSB no município.
E as duas situações também refletem o cenário nacional e o futuro da legenda.
Rivais ferrenhos de outrora, petistas e tucanos adotaram discursos moderados desde o segundo turno do ano passado. Desde a saída de Bruno Araújo (PE) da presidência, foram raros os comentários mais exaltados entre as legendas. No Paraná já há um diálogo entre os dois partidos, com o tucano Michele Caputo – ex-deputado estadual e ex-secretário de Saúde do estado – nomeado pelo presidente Lula ao conselho da Itaipu Binacional. Os poucos momentos de atrito ocorreram longe de Pernambuco.
Por aqui, no fim de março, Lula chegou a sair em defesa aberta de Raquel Lyra, vaiada em evento com o presidente, no Recife. “Quando vocês estavam vaiando a governadora, vocês estavam me vaiando. Ela não está aqui porque quis, mas porque foi convidada”, discursou o presidente.
Essa relação pacífica vem sendo o cenário mais comum a nível nacional. E a postura é condizente com o momento do braço pernambucano da legenda, que não figura na oposição nem na situação. Hoje, o partido integra a bancada independente da Alepe. Essa alternativa foi criada em 2019 e “estreia” nesta legislatura – para a sorte da legenda e de outros partidos, como Solidariedade e PL.
Questionado do porquê dessa postura, o deputado estadual João Paulo, líder do PT na Alepe, afirmou que o diretório estadual do partido não conseguiu entrar em decisão com PV e PCdoB para uma posição – os três partidos integram a Federação Brasil da Esperança e precisam se mover de forma conjunta nessas questões. “Eu defendi a tese da oposição, mas como não houve entendimento na federação, a opção que foi possível foi a de independência”.
O deputado também frisou que a decisão final será tomada pela comitiva estadual, não pela cúpula em Brasília ou pela bancada da Alepe em si. A relação amistosa agrada ao PT nacional, e, mesmo que o braço estadual decida fazer oposição, ela deve ser comedida, como garantiu o senador Humberto Costa:
“Os movimentos que ela (Raquel Lyra) fez, até o presente momento, inclusive no campo político, reforçam essa ideia de que nós devemos nos colocar no campo da oposição (…) Mas não é uma oposição imutável, depende muito dos passos que o governo estadual vai dar. Não é uma oposição radical, que não tem diálogo. É uma oposição propositiva, que possa discutir as propostas”.
Costa vê o PT em uma oposição natural ao governo. “O que eu tenho defendido é que o resultado eleitoral naturalmente colocou o PT no campo da oposição. Perdemos no primeiro turno, quando apoiamos a candidatura de Danilo (Cabral, PSB). Perdemos no segundo turno, quando apoiamos a candidatura de Marília (Arraes, Solidariedade)”.
Enquanto isso, o partido segue na neutralidade no estado. Na visão de João Paulo, a Alepe ainda vive um momento de composição partidária ganhando forma. Ele citou a PEC aprovada na terça-feira (11), liberando os deputados para legislar sobre matéria financeira e aumento das emendas, algo que “não se conseguiu nos 16 anos do PSB”.
“O governo ainda não consolidou uma base como tinha o PSB na casa. Com essa dificuldade, há muitas áreas de interseção. E com a nova eleição da mesa e de Álvaro Porto (PSDB, presidente da Alepe), ele assumiu com o conjunto de deputados, uma postura de independência do poder legislativo”.
O deputado também projetou quando ele acredita que essa divisão deve ganhar uma forma mais definida em sua leitura. “Essa coisa vai se definir um pouco mais para frente, com a aproximação do processo das eleições municipais. Eu acredito que vai mexer um pouco no tabuleiro”.
Depois de anos afastado do PSB no Recife, o reencontro aconteceu há pouco mais de um mês. No início de março, o PT passou a integrar a base governista de João Campos (PSB), com dois secretários municipais: Ermes Costa, na Habitação, e Oscar Barreto, no Meio Ambiente.
A entrada fora aprovada pelos petistas em fevereiro, gerando resolução do diretório municipal: “Consideramos que o convite do Prefeito João Campos para compor seu governo pode representar uma construção programática para se contrapor às forças da extrema-direita organizadas localmente”. Além disso, a resolução também indicou o cenário nacional como um fator chave para a reaproximação. “Assim como ratificar a frente ampla consolidada em nível nacional pelo PT e pelo PSB, representada pelo Presidente Lula e pelo Vice-Presidente Geraldo Alckmin”.
E foi justamente o cenário nacional que impulsionou o PT do Recife à aliança. Se o PSDB começa a se desenhar como um aliado em potencial em alguns cenários, o PSB já é um aliado estratégico de primeira linha para o Governo Federal. E o apoio no principal cargo ocupado pelos socialistas em um de seus estados mais estratégicos representa bastante para o PSB.
Isso também mexe no discurso socialista. Quando eleito, em 2020, João Campos afirmou ao UOL, em novembro de 2020, que não existiria indicação política do PT: “Um compromisso com as pessoas do Recife é que, no meu governo, durante os quatro anos, não haverá indicação política do PT para ocupação de espaços”. A disputa com Marília Arraes, candidata a prefeita pelo PT naquele ano, foi marcado por uma ferrenha postura antipetista por parte de Campos.
Mas o apoio de Lula a Danilo Cabral (PSB) pelo Governo de Pernambuco – já envolto nessa mesma aliança nacional – muda isso: João Campos foi às ruas com a estrela vermelha no peito. No segundo turno, a rixa com Marília Arraes (Solidariedade) foi posta de lado e João apoiou a prima ao Governo. Se eleita, ela sairia da concorrência pela Prefeitura em 2024. Marília não venceu, Lula sim.
Assim, para o PSB, a aliança pode ser um ponto forte para a próxima eleição pelo Palácio Capibaribe. Ainda assim, o PT não encara 2024 como um martelo batido e as conversas oficiais sobre a próxima eleição ainda não começaram. E, inclusive, a aliança que existe hoje, pode não se repetir nas urnas. João Paulo chega a criticar essa proximidade.
“No cenário de hoje, não adianta nada, as direções estarem juntas e a base do partido não estar, porque para ganhar as bases do PT, o prefeito teria que mudar a política dele, deixar de privatizar a saúde, a educação, o Geraldão, ter um diálogo com os servidores, reforçar a participação popular. Porque só o apoio do PT e dos quadros dirigentes não funciona, como não funcionou para Danilo (Cabral), que ficou em quarto na eleição”.
Reforçando que as alianças para 2024 ainda não entraram na pauta, ele seguiu: “Não é só o desejo da direção nacional e da direção local, se não convencer a base da sociedade. O apoio de Lula é importante, mas ele por si só não resolve”. Essa posição, inclusive, já gerou desentendimentos.
Em comunicado à imprensa, o presidente do diretório municipal do PT, Cirilo Mota, divulgou nota à imprensa desautorizando o deputado e reforçando o apoio da legenda a João Campos. “No que diz respeito às recentes declarações pessoais do deputado estadual João Paulo sobre o debate eleitoral de 2024, o partido desautoriza o parlamentar, já que os entendimentos construídos são coletivos e não cabe nenhuma discussão personalista sem combinar com o PT e o presidente Lula”.
Humberto Costa também comentou sobre o tema. Em tom menos crítico, o senador reforçou que isso precisará ser debatido junto ao diretório estadual e ao grupo de trabalho eleitoral, para analisar as possibilidades da legenda nos diversos cenários municipais em todo Pernambuco. Sobre o Recife, ele considerou a manutenção da aliança com o PSB para 2024 como possível.
“Naturalmente pode ser uma consequência esperada em ter uma aliança por isso. À medida que nós entramos na base do governo da Câmara (de Vereadores do Recife), que nós entramos no governo. Mas tudo é um processo e vai depender de como essa relação vai andar, de como ela vai se aprofundar. E também vai depender do momento em que nós vamos parar para falar sobre esses assuntos. Ainda não é hora”.
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