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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Absorvente é um item de primeira necessidade para 51% da população brasileira, mas não está incluído na cesta básica. Nem é doado em postos de saúde, escolas públicas ou presídios femininos. Em pleno 2021, uma a cada quatro pessoas com útero e que menstruam não tem acesso a absorventes no Brasil. A pobreza menstrual ainda precisa ser abordada porque ela aumenta a desigualdade de gênero.
No último dia 26, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4968 que pode melhorar a vida de cerca de 5,6 milhões de mulheres com a distribuição gratuita de absorventes.
As beneficiadas serão estudantes de baixa renda, matriculadas em escolas públicas; mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema ou em privação de liberdade. No entanto, a lei aprovada só entra em vigor após apreciação de 68 homens e 13 mulheres que compõem o Senado e, depois, ainda ser sancionada por mais um homem, o presidente da República.
Até lá, Rute de Oliveira segue com medo que falte dinheiro para comprar absorventes. “Foi uma surpresa ruim menstruar, porque só tenho 10 anos. Achava que só ia acontecer quando fizesse uns 12 anos. Às vezes, tenho medo que falte absorventes por conda da situação de dinheiro mesmo”, explica a estudante da Escola Municipal Santo Antônio de Pádua, em Catuama. Rute tem duas irmãs e a família sobrevive da pensão do pai e da renda da mãe, que é diarista.
Para entender a dimensão do problema basta dizer que aproximadamente 900 mil meninas não têm sequer acesso a água encanada em casa e 6,5 milhões vivem em locais sem saneamento básico, segundo o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Ao longo da vida escolar, a falta do absorvente deixa uma entre quatro meninas brasileiras sem ir à escola. Em pleno século 21, a disparidade de gênero ainda é acentuada pela simples condição de nascer com útero.
Para Kaciane Arruda, professora da rede municipal, o papel da escola é fundamental nesse período da vida das meninas. “É indispensável a participação da escola na orientação dessas meninas, pois muitas vezes elas não recebem em casa informações suficientes para, por exemplo, reagir no momento da primeira menstruação. Falamos muito sobre não ter medo, não entrar em pânico e sobre como procurar ajuda”.
Débora Vitória Pires, de 13 anos, é aluna de Kaciane na Escola José Múcio Monteiro, no Ibura, zona sul do Recife. A única na turma do quinto ano que menstrua. A primeira vez aconteceu na escola. “Foi muito ruim porque não sabia quase nada do assunto e estava aqui na escola. Aí chamei a tia no banheiro e contei pra ela. Minha avó precisou até trazer uma roupa pra mim”, conta, desconcertada, ao acrescentar que sente muita cólica e tontura durante o ciclo, mas ainda assim consegue ir à aula.
Autora do projeto de lei que deu início ao Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, a deputada Marília Arraes destaca a importância da aprovação da nova legislação. “O combate à pobreza menstrual é um compromisso que abracei há anos e ao qual tenho me dedicado desde o primeiro dia de trabalho na Câmara dos Deputados. Esse é o primeiro passo para que possamos efetivamente criar uma política nacional de superação da pobreza menstrual. A partir daí, atenderemos a outros grupos de mulheres. Quando você não tem dinheiro nem mesmo para comprar comida, itens de higiene como absorventes se transformam em artigos de luxo. Imagine essa realidade no Brasil da pandemia, que tem 19 milhões de pessoas passando fome”, apontou a parlamentar.
Como a aprovação e a entrada em vigor da lei federal ainda são incertezas, a reportagem entrou em contato, por e-mail, com as secretarias estaduais que atuam diretamente com mulheres e homens trans para apurar se o Pernambuco avançou no combate a pobreza menstrual e se o assunto é tratado no âmbito das políticas públicas, ações ou projetos de algumas delas. Em linhas gerais, as respostas das secretarias buscam se isentar da responsabilidade sobre o problema.
A Secretaria de Saúde respondeu que ações de distribuição de absorventes não ficam com a pasta. Sugeriu que procurássemos a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) ou mesmo Secretaria da Mulher.
A SDSCJ respondeu que não trabalha especificamente com a distribuição de absorventes. O papel de execução desse tipo de ação, segundo a resposta, é das gestões municipais. No entanto, por atuar e acolher adolescentes, a SDSCJ dispõe de kits de higiene em seus equipamentos socioassistenciais, como as Casas de Acolhimento, o Centro da Juventude e etc, mas para uso exclusivo de quem é acompanhado pelos serviços.
A Secretaria de Ressocialização, que atende as mulheres privadas de liberdade, informou que as instituições religiosas, em sua maioria, realizam doações frequentes de absorventes e kits de higiene às três unidades prisionais femininas. As mulheres que não recebem visitas têm prioridade na distribuição. Exatamente a mesma resposta que obtivemos ao conversar com Cristilane de Souza, 34 anos, que cumpriu pena na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima. “Quando a visita não tinha condições financeiras de levar o absorvente naquele mês, eu me virava pedindo à Assistente Social ou a outras mulheres. O que a gestão de lá alegava é que era obrigação da visita levar, e não do sistema”.
De acordo com a assessoria da Secretaria de Educação e Esportes, a pasta não possui programa ou ação específica que atue neste âmbito, mas fomenta discussões acerca da temática nas unidades de ensino em todo o território pernambucano.
A Secretaria da Mulher respondeu que trabalha com a política pública de apoio às mulheres com prevenção, formação e enfrentamento das violências. A política é ampla no quesito de apoiar os municípios nessas ações mais pontuais, que ficam a cargo do município.
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Formada em Jornalismo pela Unicap. Apaixonada pela fotografia, campo que atua profissionalmente desde 1999. Atualmente é freelancer e editora de imagens do Marco Zero.