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Depois da contagem dos votos, escola e posto de saúde indígenas são incendiados

Débora Britto / 29/10/2018

Uma escola municipal e um Posto de Saúde da Família (PSF) foram incendiados no território do povo indígena Pankararu, no sertão de Pernambuco, na noite de domingo (28). Os ataques aconteceram após a apuração do segundo turno que elegeu para presidente Jair Bolsonaro. Nenhum suspeito foi localizado. A comunidade Bem Querer de Baixo, no município de Jatobá, é um dos focos de maior conflito na região, após os Pankararu conquistarem na Justiça a retirada de posseiros das terras demarcadas.

A notícia dos atentados só se espalhou na segunda de manhã, quando mães foram à escola levar os filhos e encontraram o prédio totalmente depredado. A escola e a unidade de saúde eram as únicas da comunidade. A Prefeitura de Jabotá foi notificada e acionou a Polícia Militar, que realizou levantamento dos danos aos prédios públicos. “Isso não pode passar impune. O caso de hoje tem que ser investigado”, cobrou por telefone uma liderança indígena que pediu para que usássemos um nome fictício. Neste relato, ela se chamará Maria.

A aldeia já vive em estado permanente de tensão e conflito nos últimos anos. As coisas pioraram nos últimos meses com ameaças a lideranças. A escola e o posto de saúde, além de uma igreja, já eram citadas em “recados”, como os moradores chamam as ameaças veladas. Agora, os indígenas relatam outro tipo de medo. “Eu não consigo definir o que estou sentindo, só sei que existe um nó na garganta que não desce, uma angústia, uma falta de ar”, relatou Lúcia (também nome fictício), uma profissional indígena que atua na área. “Por mais que as pessoas vejam, ninguém fala e nem vai falar. As pessoas ali daquela área vivem com medo, não dizem nada. A ameaça é real, quem fez uma coisa dessa, tem capacidade de fazer coisa pior”, complementa.

Maria mora próximo ao PSF incendiado e conta que ouviu alguns gritos de comemoração após a confirmação do resultado da eleição de Jair Bolsonaro como presidente. Antes, ela não tinha observado manifestações de apoio abertas ao candidato na comunidade. Para ela, a expectativa é de que o clima de tensão e insegurança piore, após o resultado das urnas.

Segundo os indígenas, o posto de saúde atendia a cerca de 500 pessoas por mês, entre indígenas e não indígenas. O incêndio destruiu o telhado, prontuários, fichas, equipamentos, macas e remédios queimados pelo fogo. Além do incêndio há sinais de depredação. A liderança comenta que a ação criminosa deve ter sido rápida, pois ninguém chegou a ver ou ouvir carros e motos.

A secretária de educação de Jabotá, Valdenice da Silva, lamentou a ação criminosa, que julgou ser um vandalismo que prejudica a todas as partes do conflito. “A escola era uma das melhores da área rural e de repente você não tem mais nada. Impressora, TV, computadores, arquivos, materiais, livros, tudo na secretaria foi queimado, não ficou nada. Quem sofre é toda a população de Bem Querer de Baixo, seja indígena ou não”, disse. De acordo com a gestora, que esteve na comunidade acompanhando a polícia e dialogando com as famílias, apenas 9 crianças estavam frequentando a escola – a unidade chegou a atender mais de 30 crianças, mas muitas já estão em processo de transferência para outros colégio após o processo de retirada das famílias de posseiros.

Com a desintrusão, a escola seria “estadualizada”, processo que adequa a unidades escolares para a educação indígena, e fica sujeita ao governo estadual. Agora, as crianças e professores serão realocadas em outras escolas da região. O prédio da escola foi interditado para a investigação policial e, segundo Silva, não há possibilidade de reabertura uma vez que toda a estrutura e equipamentos foi destruída. Será preciso estudar o caso pois não se sabe quem arcará com os custos de uma reforma. A secretaria acompanhará de perto as investigações da polícia.

 “Se elegeram esse candidato em nome da honestidade, da justiça, como podem queimar uma escola e uma unidade de saúde? Duas coisas que pesam mais nas famílias, a educação e a saúde. Se ele agora é o novo presidente e vamos chamar os eleitores dele para lutar por justiça. Isso foi agressão de patrimônio público, é crime. Quem fez isso são bandidos. Todas as crianças vão ficar sem aula por causa disso”, lamenta uma profissional indígena.

Nas outras aldeias, a notícia chegou por grupos de Whatsapp e espalhou mais medo entre os moradores que, agora, temem novos atentados. Ao todo, o território tem 14 aldeias, a maioria delas com PSFs. “Eu tenho medo de ficar com minha janela aberta enquanto estou em casa. Tenho medo de ir trabalhar, pois tem muitas estradas desertas. Todo mundo aqui vive em constante atenção e agora o alerta vai ser redobrado”, conta Lúcia, que mora em outra aldeia.

Instabilidade

Em setembro, uma ação da Polícia Federal para retirada de posseiros que continuam no território deu errado e deflagrou uma nova onda de ameaças contra os indígenas. Após a resistência das famílias de posseiros, a PF tentou retirar à força os posseiros e fomentou críticas aos Pankararu que, por sua vez, se manifestaram contra a ação violenta. “A gente quer que eles [posseiros] refaçam a vida deles. Mas isso tem que ser cobrado do Estado, dos órgãos competentes, pela Justiça”, comenta Lúcia.

Ela explica que a tentativa de saída pacífica dos posseiros não tem dado certo, mas que a retirada à força prejudicou diretamente os indígenas, que, segundo ela, vem sofrendo com uma campanha de difamação.

Além do conflito com os posseiros, os Pankararu enfrentam uma complexa relação grupos da própria etnia, que declararam voto a Bolsonaro. “Há uma nuvem de preconceito e de ódio. Até alguns indígenas alegavam voto em Bolsonaro por serem contra a desintrusão, em solidariedade às famílias que foram retiradas da nossa área. Por causa da ação da polícia, gerou toda uma comoção nas cidades vizinhas”, comenta a liderança.

  • Leia aqui e aqui outras duas reportagens para entender o conflito entre os Pankararu e os posseiros na região de Jatobá

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AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.