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Descentralizar para existir: como o apoio ao jornalismo local reconstrói o Brasil real

Marco Zero Conteúdo / 24/04/2025

por Carolina Oms, Daiene Mendes e Letícia Tavares*

Quando a única escola municipal de uma pequena cidade do interior fecha suas portas, quem conta essa história? Quando uma área de preservação ambiental é ameaçada na periferia de uma metrópole, quem registra os reais problemas da comunidade local? O jornalismo é o tecido que conecta as pessoas às realidades de seus territórios, e sua ausência representa um vazio difícil demais para carregar.

A pandemia de 2020 nos ensinou que, para construir um Brasil possível, precisamos de um novo acordo sobre a produção e a distribuição de informação confiável. Para isso, é fundamental o reconhecimento do jornalismo que atua onde a vida acontece: nos bairros, nas pequenas cidades, nas periferias e nos interiores. É nas esferas mais próximas da vida cotidiana que as decisões políticas têm efeitos concretos e imediatos sobre a população, em que são construídas – ou apagadas – as identidades e também as memórias.

Segundo a última edição do Atlas da Notícia, mais de 2.700 municípios brasileiros não contam com nenhum veículo de jornalismo local. Neles, vivem mais de 26 milhões de pessoas. Isso sem contar as áreas periféricas de grandes cidades ou grupos populacionais que, embora possam ter acesso, não se reconhecem na cobertura feita pela imprensa tradicional.

Essa ausência não é neutra: ela enfraquece a participação da sociedade no debate público, favorece a manutenção de currais eleitorais, dificulta o acesso a direitos básicos e desestimula a ação política. Por isso, acreditamos que investir em jornalismo local é fundamental.

Os desertos de notícias afetam desproporcionalmente mulheres, pessoas negras e indígenas, cujas realidades e perspectivas são frequentemente invisibilizadas na cobertura tradicional. O jornalismo local, quando produzido por e para essas comunidades, torna-se uma ferramenta poderosa de resistência contra o apagamento sistemático de suas narrativas. Quando vozes diversas ocupam espaços de produção jornalística, questões como violência de gênero, racismo estrutural e distribuição desigual de recursos públicos ganham dimensão política e visibilidade necessárias para gerar transformações concretas, promovendo equidade em territórios historicamente marginalizados pelo poder público e pela mídia hegemônica.

A centralidade do jornalismo local reside justamente na sua capacidade de produzir uma informação que não apenas “olha para” o território, mas que o enxerga com suas diversidades, potências e complexidades. Em muitos locais, sobretudo nas periferias urbanas e nas regiões em condição de pobreza e desigualdades estruturais, a cobertura realizada por quem vivencia o cotidiano e compreende suas subjetividades é essencial para combater estereótipos, denunciar desigualdades e ampliar a representação política e simbólica.

É nesse contexto que nasce o Fundo de Apoio ao Jornalismo (FAJ), uma iniciativa voltada a fortalecer os ecossistemas de jornalismo no Brasil. Em sua primeira rodada de apoios, o fundo vai apoiar veículos locais, com especial atenção para regiões com pouca ou nenhuma cobertura jornalística e comunidades historicamente sub-representadas.

A proposta é colaborar com a descentralização dos recursos destinados a iniciativas de jornalismo, hoje concentradas majoritariamente nos grandes centros. Ainda de acordo com o Atlas da Notícia, mais de 76% do financiamento ao jornalismo no Brasil vai para veículos localizados em grandes cidades.

Além disso, organizações de jornalismo no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil são menos propensas a receber financiamento, o que limita sua capacidade de oferecer uma cobertura aprofundada sobre questões locais.

No processo de criação do FAJ, promovemos um processo de escuta com profissionais que atuam no jornalismo de todo o país, para garantir que sua estrutura fosse construída a partir das necessidades reais das organizações. Foram realizados, além de um levantamento bibliográfico, estudos sobre modelos de fundos de jornalismo já existentes. Os resultados, divulgados no relatório Descentralizar, ampliar e aprofundar: o financiamento do jornalismo no Brasil, reforçam a preocupação com a resiliência de iniciativas locais: a maioria dos respondentes indicou que os recursos deveriam ser priorizados para veículos que atuam em territórios específicos, evidenciando a necessidade de descentralizar os investimentos.

A ideia do fundo é atuar em três frentes principais: apoiar financeiramente veículos locais por prazos mais longos que os atuais, promover capacitação e fortalecimento institucional e incentivar práticas sustentáveis de cogestão e produção.

Ao oferecer apoio institucional nesses moldes e com foco no médio e longo prazo, o Fundo busca ir além dos modelos tradicionais baseados em editais pontuais, apostando numa abordagem que considera o desenvolvimento organizacional, a capacitação e a estabilidade financeira como pilares centrais.

A escolha do FAJ de iniciar sua trajetória com o apoio ao jornalismo local é uma demonstração de reconhecimento diante do histórico movimento pela diversidade e pluralidade de vozes no jornalismo brasileiro. Fortalecer e compreender como operam e a quem servem os diferentes atores do ecossistema do jornalismo no Brasil é uma oportunidade excepcional. As inscrições do edital estão abertas até o dia 27 de maio no site do Fundo.

*Carolina Oms, diretora de Comunicação e Parcerias do FAJ

*Daiene Mendes, diretora Programática no FAJ

*Letícia Tavares, diretora de Operações do FAJ

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.