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Bolsonaro em live no Facebook
Em meio à pandemia do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro apareceu em pronunciamento nacional de rádio e TV ontem à noite. Ao invés de tranquilizar a população e indicar os caminhos que o Brasil vai seguir para tentar conter o surto, Bolsonaro usou um minuto e meio para enaltecer seu governo e solicitar que seus pares “repensem” os atos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) programados para este domingo (15).
Com a previsão de progressão geométrica da doença e o dobro de casos confirmados de um dia para o outro, o presidente postou nesta sexta-feira no Twitter uma foto dando “banana” para comunicar que testou negativo para o novo vírus. O secretário de comunicação Fabio Wajngarten está com o coronavírus, após voltar da viagem com a comitiva de Bolsonaro aos Estados Unidos.
Na live no Facebook que fez de máscara ao lado do ministro da Saúde, Luiz Mandetta, na noite de ontem, Bolsonaro afirmou que era recomendado adiar em “um mês ou dois” os atos e que “o recado já estava dado ao Congresso” – com quem disputa o controle de um orçamento de R$ 30 bilhões.
A fala do presidente dividiu a extrema direita. Depois de uma radicalização em grupos nas redes sociais que envolveu até a notícia de que Israel já tinha a cura para a Covid-19, alguns movimentos decidiram cancelar os atos ainda na noite de ontem.
Nem todos receberam a notícia bem. A hashtag #DesculapJairMasEuVou começou a ser levantada. Com mobilização feita, trios elétricos, banners e material gráfico já pronto, muitos se recusam a cancelar a manifestação.
Nas redes sociais, muitos apoiadores defendem que o coronavírus é uma invenção da imprensa – na quarta-feira, Bolsonaro chegou a chamar a epidemia de “fantasia”. Artes com frases como “o vírus que mata os brasileiros é a corrupção” se espalharam rapidamente.
Em Pernambuco, o protesto estava marcado para às 14h na Avenida Boa Viagem. Oito grupos de extrema direita se reúnem hoje à noite para decidir o que vão fazer. “Está dividido. Metade quer adiar, metade quer continuar”, conta Nelson Monteiro, do Endireita Pernambuco.
Pelo menos quatro trios elétricos haviam sido contratados. O do Movimento B38 – liderado pelo coronel Fernando e Gustavo Holanda, com trio pagos por eles -, o do Movimento Vem Pra Rua – coordenado no Recife por Marconi Ferraz – e o do Endireita Pernambuco. “Marconi ganhou a diária do trio. Já o B38 fez uma cotinha entre eles. A gente fez uma vaquinha virtual para pagar os R$ 4 mil do trio. Conseguimos R$ 1,4 mil e completamos o resto”, detalhou Nelson, que se anuncia como pré-candidato a vereador do Recife.
O quarto era o do Movimento Cidadão, que ainda na noite de ontem emitiu um comunicado cancelando a participação no evento. O grupo conseguiu R$ 8 mil para o ato – quase R$ 5 mil foi para o aluguel do trio elétrico.
Uma das organizadoras, Onilda Ferreira, conta que muitas pessoas já estavam com receio de comparecer à manifestação. “Sentimos um certo enfraquecimento. Alguns doadores dizendo que não iam, que estavam com medo. A imprensa ficou colocando notícias que davam medo. Aí quando o presidente falou para repensar, achamos melhor adiar. Melhor adiar do que dar pouca gente e acharem que Bolsonaro não tem apoio”, afirmou.
Pesquisador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Sérgio Ferraz lembra que esse ato não é algo isolado, mas ocorre desde o começo deste governo. “É uma presidência com clara dificuldade de conviver com as regras democráticas, para se dizer o mínimo. O que tem demonstrado é que há um claro intuito de atravessar as fronteiras e atacar o estado de direito”, comenta.
Para Ferraz, a direção que o governo Bolsonaro segue não é a de um golpe no modelo clássico. “Mas sim de desmoralização das instituições: do Congresso, do Ministério Público, do Superior Tribunal Federal, da sociedade civil como um todo. O que ele quer é governar com muito mais poder do que lhe confere a Constituição”, diz.
O cientista político cita dois episódios recentes que apontam nessa direção. Um é o motim da Polícia Militar no Ceará sem que tenha havido qualquer recriminação do Governo Federal. Pelo contrário: ao final, o comandante da Força Nacional, Aginaldo de Oliveira, elogiou os amotinados.
O segundo é a postura de Bolsonaro em relação ao ato deste dia 15. Primeiramente, quando foi noticiado que ele enviou convites pelo WhatsApp, ele afirmou que era algo que fez privadamente. “Mas depois ele falou abertamente, em Rondônia. Isso tudo vai demonstrando uma atitude agressiva, de ataque, cada vez mais aberta. E o que significa isso, além do óbvio? Não se trata de orçamento, de política pública, é uma determinação da Presidência da República para desgastar os poderes, visando um fortalecimento autoritário da presidência”, diz.
Professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, Adriano Oliveira acredita que as instituições estão sendo prudentes ao não irem ao confronto aberto com Bolsonaro. “Elas estão dando uma chance ao presidente. É uma primeira hipótese: elas não querem radicalizar simplesmente porque nós estamos no ápice de uma crise econômica mundial que tem interferência no país. E também uma crise local, já que o plano Guedes não possibilitou reação da economia brasileira”, explica.
Mas para o professor há outros cenários que precisam ser também considerados. “Outra hipótese é que não querem enfrentar o presidente Bolsonaro ou tenham o presidente Bolsonaro como folclórico. Um terceiro cenário, mais perigoso, é que não enfrentam Bolsonaro porque têm medo de uma reação dos militares. Ou seja, os militares poderiam reagir contra a democracia apoiando o presidente Bolsonaro. Então esses três cenários devem ser citados para explicar essa prudência das instituições”, afirma.
Marcado para o dia 18 de Março, o ato em defesa da educação e contra o governo Bolsonaro foi cancelado pela União Nacional dos Estudantes (UNE) por conta da pandemia do coronavírus.
Em nota, a UNE afirma que “esse é um momento de responsabilidade com a saúde do povo brasileiro e por isso em conjunto com outros movimentos, decidimos pelo adiamento dos atos de rua do dia 18, evitando o fomento de grandes aglomerações conforme orientações da OMS e Ministério da Saúde, mas mantendo as greves e paralisações.”
A nota também reafirma a importância da educação e pesquisa para momentos graves como este que o mundo enfrenta. “Os cuidados com a saúde pública são muito importantes nesse momento, e os estudantes, professores e cientistas têm mostrado a importância da pesquisa e dos hospitais universitários para a contenção da pandemia.”
Também em nota as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, do campo progressista, se posicionaram pelo cancelamento das manifestações do dia 18, aproveitando para criticar os cortes nos investimentos federais na área de saúde no momento em que o governo é pressionado para dar resposta eficiente ao avanço do coronavírus.
“É importante ressaltar a necessidade da defesa de um sistema de saúde público, gratuito e universal e com ampliação de investimentos como única forma capaz de combater pandemias como essa que estamos vivendo. A Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o teto de gastos, e a proposta defendida por Paulo Guedes de desvinculação total das receitas da união representam um ataque brutal ao SUS e precisam ser combatidas”.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org