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Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
por Isabelle M. J. Meunier*
A compensação ambiental foi concebida, no âmbito da política ambiental, como instrumento para contrabalançar as externalidades negativas associadas a impactos adversos ao meio ambiente. A legislação ambiental brasileira prevê diversas formas de compensação dos impactos ambientais negativos e sua exigência legal já indica que existe impacto ambiental considerável que não pode ser evitado ou devidamente mitigado.
O termo “reposição florestal” tem significado mais específico e está previsto na Lei 12.651/2012 (Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida também como Código Florestal), determinando que “as pessoas físicas ou jurídicas que utilizam matéria-prima florestal oriunda de supressão de vegetação nativa ou que detenham autorização para supressão de vegetação nativa” estão obrigadas à reposição florestal, e isso deve se dar independentemente do estágio de sucessão da vegetação secundária. Concebida para garantir o fornecimento de matéria-prima (daí o nome reposição: embora a vegetação dificilmente possa ser reposta em sua composição, estrutura e complexidade, o estoque madeireiro, sim, pode ser reposto), o termo confunde-se com “compensação” quando se considera, além da biomassa, a conservação da biodiversidade e a recomposição de habitats.
Há muito o que se levar em conta quando se trata de supressão de vegetação em um fragmento florestal, considerando que, além de perda de cobertura vegetal, exposição do solo, intervenção no regime hídrico local, liberação e cessação do processo de captura de carbono, morte ou afungentamento de fauna e perda de habitats, há aumento do efeito de borda e sucessiva aproximação dos vetores de degradação, representados pelas atividades humanas. Por isso, essa possibilidade deveria ser a última a ser considerada em casos de real utilidade pública, ainda mais em Pernambuco, onde os fragmentos florestais são pequenos e isolados, resultado do processo histórico de ocupação e uso das terras.
Quando se fala em compensar o desmatamento de um fragmento florestal que integra a subzona de Proteção Florestal, na Zona de Proteção da Biodiversidade de Serviços Ambientais da APA Aldeia-Beberibe, para possíveis empreendimentos, há uma série de desafios a considerar. Talvez não sejam insuperáveis, mas são bem maiores do que parecem acreditar empreendedores e poder público.
Primeiramente, deve-se compreender que compensar não significa anular o impacto negativo. Um amplo projeto de reposição florestal pode trazer, sim, alguns impactos positivos, a depender de sua concepção e execução, mas ainda assim o impacto original existirá. Para a reposição florestal por meio de plantios, a identificação de locais onde se possa assegurar a manutenção da cobertura vegetal é a primeira questão a ser considerada: em áreas públicas ou particulares, onde e como garantir que mudas plantadas se tornem árvores e, depois disso, sejam os elementos estruturadores de um ecossistema florestal, complexo e dinâmico? Quais seriam os critérios de seleção de espécies para os plantios de compensação em áreas de preservação permanente? Qual a origem das sementes, se não há, em Pernambuco, áreas de coleta e de produção de sementes da Mata Atlântica demarcadas e registradas? Quais viveiros florestais seriam encarregados da produção dessas mudas, cuja quantidade só poderá ser estimada quando se contar com diagnósticos das áreas a serem restauradas? Como organizar e manter equipes operacionais encarregadas dos tratos culturais exigidos, em mais de 900 hectares? Quais seriam esses tratos culturais, implementados com que frequência e duração?
Há muitas outras questões técnicas a serem levantadas que não devem desestimular ações de restauração ambiental, mas embasá-las. É importante lembrar que o resultado da compensação ambiental não pode ser auferido por número de mudas de árvores produzidas ou plantadas, mas pela extensão de áreas efetivamente restauradas ambientalmente.
Preocupa Pernambuco não ter experiências exitosas, em escala, de restauração ambiental. Alguém pode citar os reflorestamentos de Suape, trazendo à memória décadas de tentativas e erros, áreas tantas vezes plantadas e replantadas. Quanto se tem, hoje, de área efetivamente restaurada? Qual o custo estimado por unidade de área? O que evidenciam os indicadores que devem estar sendo monitorados para avaliar o processo de restauração? Quais desafios e soluções identificados?
Também se pode lembrar o esforço de governo passado para grandes proprietários recuperarem suas áreas de preservação permanente, dando cumprimento à lei, em suaves prestações, e as consequentes reações contrárias e dificuldades alegadas. Como estão os projetos de recomposição da vegetação em área de preservação permanente na zona canavieira, em Pernambuco? Quais as razões de tantos insucessos em projetos de restauração e por que não contribuíram até hoje, para a ampliação da área de florestas na Mata Atlântica pernambucana?
Programas ambientais de reflorestamento e projetos de reposição florestal talvez não estejam compensando coisa alguma, tanto que a área do bioma com cobertura vegetal, em Pernambuco, não se ampliou – ao contrário, segundo dados do Atlas da Mata Atlântica, do SOS Mata Atlântica, sofreu redução próxima a 10.000 hectares entre 2013 e 2022.
A realidade concreta precisa ser considerada seriamente antes de se oferecer a compensação como alternativa razoável. Além disso, cabe indagar se recursos públicos deveriam ser empregados para recuperar passivos daqueles que têm obrigação e condições de fazê-lo.
Reflorestar, favorecer a regeneração natural para aumentar a extensão de cobertura por vegetação natural na Mata Atlântica de Pernambuco, conectar fragmentos por meio de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente e reserva legal, proteger nascentes e mananciais, desenvolver a cadeia produtiva da restauração são tarefas do nosso tempo, quando o agravamento da questão climática se soma aos problemas ambientais já conhecidos e exige atitudes imediatas, juntamente à manutenção e proteção das áreas florestadas, não em sua substituição.
A sociedade precisa saber que reposição florestal é uma exigência legal, mas, mesmo prevista em projetos bem-intencionados e bem elaborados, não garante a compensação de danos causados ao ambiente, não podendo se contar com algo que é apenas uma vaga expectativa de ganhos ambientais para justificar autorizações de desmatamentos.
*Engenheira Florestal, doutora em Ciências Florestais e professora da UFRPE
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.